MONSENHOR ÔNIO, COLEGA E AMIGO DE UM PAPA

MONSENHOR ÔNIO, COLEGA E AMIGO DE UM PAPA

PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO ([email protected]) *

Na festa de Santa Cecília, padroeira dos músicos, às vésperas da diocese seridoense completar 75 anos de história, na cidade de Currais Novos, calou-se um violino para um concerto celestial de acordes vibrantes e um coro de incontáveis vozes, regido pelo maestro padre Ônio, na Eucaristia da eternidade. Talvez poucos saibam, nesta terra de Poti, que havia entre nós um sacerdote que se correspondia regularmente com o Papa Bento XVI e disso guardava silêncio. Assim, queria nos dizer que há momentos e fases de nossas vidas, em que as palavras são dispensáveis e invasivas. Atropelam gestos, quebram o encanto da existência, distorcem os pensamentos e camuflam a verdade. Podemos verificar que as liturgias mais espiritualizadas se revestem de rituais cautelosos e poucas palavras. Padre Ônio foi colega de estudos de Joseph Ratzinger, na Universidade Gregoriana de Roma e periodicamente trocava cartas e posteriormente e-mails com o Sumo Pontífice.

“Um sábio silencioso”, assim o definiu Dom José Adelino Dantas, que o ordenou sacerdote na Matriz de Jardim do Seridó, aos 16 de agosto de 1953. Foi o primeiro presbítero ungido pelo segundo antístite caicoense. Monsenhor Ônio Caldas de Amorim era filho da inesquecível professora Calpúrnia Caldas, que educou toda uma geração de caicoenses. Pedimos-lhe algumas vezes que escrevesse seus sermões, a história da diocese e do clero seridoense. Poliglota, dominava os idiomas: italiano, francês, inglês, alemão, espanhol e português. Era também fluente na língua do Lácio e seus despachos exarados nos livros da Cúria Diocesana de Caicó deixavam todos admirados. Autodidata e também um conhecedor profundo de esperanto. Falava com os estudiosos internacionais dessa língua, através das ondas do radioamador, quando ainda não havia internet e as famosas redes sociais. Mostrou com seus conhecimentos linguísticos, todos obtidos no autodidatismo, que a dificuldade maior do ser humano em se comunicar não consiste na diversidade de idiomas, e sim na incapacidade da escuta de si mesmo e do outro. Sabemos que a linguagem aproxima-se mais da perfeição, quando culmina na realidade intraduzível.

Ao lado de Stoessel de Brito, Apolônio Domingos dos Santos e Kleber Rolim Pinheiro foi incentivador do radioamadorismo seridoense, quando ainda não havia a telefonia interurbana e móvel. Não podemos esquecer que foi o primeiro sacerdote a celebrar uma missa versus populum, voltado para o povo (antes o celebrante ficava de costas), no Rio Grande do Norte.

Era dotado de uma memória prodigiosa. Como seminarista e estudante, em Roma, impressionou o jesuíta professor Padre Paolo Dezza (1901-1999) numa prova oral. Reproduziu ipsis litteris uma aula do eminente mestre, citando outros detalhes. E para completar, enumerou as páginas do compêndio do autor, onde se poderia ler a matéria lecionada. Certa feita, Monsenhor Walfredo Dantas, governador do Estado, esquecera em Natal o tradicional e inseparável breviário. Padre Ônio, sabedor do fato, mandou pelo sacristão Ciríaco Ferreira o seu exemplar para o colega, com o seguinte recado: “Não preciso do livro para rezar”. Monsenhor, admirado com a afirmação do irmão no sacerdócio, chamou-o – e fomos testemunha – para rezar, em latim, matinas, laudes, prima e tércia. Padre Ônio recitava tudo, de cor, com uma fluência de causar espanto a nosso vigário geral, também possuidor de privilegiada memória.

Bacharel em direito canônico, mestre em teologia, vigário paroquial de Santana de Caicó, pároco da catedral seridoense, chanceler da cúria e secretário do bispado, pró-vigário geral, pároco de Cerro Corá e Lagoa Nova, juiz auditor da câmara eclesiástica da diocese caicoense, pároco de Nossa Senhora de Fátima em Olinda, assistente eclesiástico da ação católica, professor de música e línguas, padre Ônio era, sobretudo, um homem simples e pobre. Socorriam-no em suas necessidades não reveladas seu irmão Newton Amorim e seus sobrinhos, entre os quais, o desembargador Cláudio Santos. Nosso saudoso amigo mostrou com seu exemplo e silêncio que talentos são um grande riqueza humana. E além de tantos, revelou-se um homem de excelsas virtudes espirituais e evangélicas.

No sermão de nossa primeira missa, na Matriz de Jucurutu, marcou a celebração, impressionando a todos com sua profundidade teológica. Concluiu a homilia com frases antológicas: “João, pregue sempre o amor e a miséria humana acolhida por Deus. Fale do mistério do sangue divino gotejando outrora o solo de Jerusalém, hoje, molhando a nossa alma, estabelecendo em nosso coração a ponte e a aliança entre o céu e a terra”. E sua frase final: “Nós os padres, só haveremos de nos despojar da nociva pretensão de sermos mais e melhores que os outros, quando verificarmos sem escrúpulos a nudez de nossa alma. Meu irmão, seja simples. Não esqueça que a verdadeira sabedoria está na simplicidade”.

*Membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, da Academia Mossoroense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, do Conselho Estadual de Educação.