‘Vou continuar velejando’, diz brasileiro que ficou à deriva por oito horas após naufrágio no Atlântico

Marcelo Osanai em alto mar e no momento do resgate
Marcelo Osanai em alto mar e no momento do resgate — Foto: Reprodução

Marcelo Osanai, de 38 anos, passou cerca de oito horas à deriva no Oceano Atlântico, após o veleiro em que navegava do Rio de Janeiro rumo à Cidade do Cabo, na África do Sul, ter afundado em 13 de fevereiro. Sociólogo, ele vive um momento de transição de carreira, indo para a Psicoterapia. A viagem era importante para este momento de sua vida e, nem mesmo depois da experência de ser um náufrago, o brasileiro pretende abandonar o mar.

Ao GLOBO, Osanai fala em fatalidade, lições deixadas pelo acidente e ao mesmo tempo destaca tudo o que acabou dando certo neste resgate. Ele garante que na embarcação os três tripulantes tinham os equipamentos certos e executaram corretamente os procedimentos necessários. A paixão pelo mar continua, mas ele não pensa em fazer esta viagem novamente.

— Provavelmente vou continuar velejando. Eu ainda sou apaixonado pelo mar, pela água. De alguma forma vou manter contato com o barco a vela, mas com certeza com muito mais cuidado, menos riscos — contou.

Osanai reconheceu que a jornada de veleiro não foi a melhor decisão a ser tomada neste momento. Porém, destaca que não dá para dizer se o naufrágio poderia ter sido evitado ou não.

— Velejar em climas não favoráveis não foi a decisão mais sábia, mas como eu comentei também tivemos um acidente com um objeto, um choque com objeto não identificado em alto mar, que foi uma fatalidade, ninguém poderia prever — avalia.

O veleiro saiu do Rio de Janeiro no dia 27 de fevereiro em direção à África do Sul. O objetivo era chegar à Cidade do Cabo quase um mês depois, por volta de 22 de março. Após uma parada no arquipélago de Tristão da Cunha, conhecido como o povoado mais isolado do mundo, os viajantes se depararam, 16 dias após a partida do Iate Clube da Urca, com uma tempestade prevista para durar aproximadamente 48 horas. Osanai conta que, apesar da ciência de que o tempo não estava favorável, o capitão da embarcação decidiu arriscar.

— No primeiro dia a gente navegou bem, conseguiu fazer bastante milhagem do que havia planejado. No segundo dia, aproximadamente às 18h, notamos que a parte inferior do barco estava começando a acumular água, mais do que o normal — narra Osanai ao GLOBO.

O trio tentava remediar, retirando o máximo de água possível da embarcação, quando notou que a parte frontal esquerda do barco estava danificada.

— Toda a parte de proteção lateral tinha sido arrancada durante a tempestade, não sabemos em que momento específico. Também tinha uma boia com uma corda que não era nossa pendurada no barco. Então, entendemos que atingimos algo em alto mar durante a tempestade que arrancou toda essa parte lateral da proteção, provavelmente danificando o casco na parte frontal — detalha o brasileiro.

A partir dai, a água começou a entrar lentamente no veleiro, além das fortes ondas que também contribuíam para inundar o barco. Toda essa angústia durou pelo menos 4 horas.

— Depois decidimos que não tinha mais salvação, não dava mais para remediar o que estava acontecendo. Foi quando a gente, mais ou menos às 21h ou 22h, acionou o S.O.S. oficialmente — recorda Osanai.

Para o pedido de socorro, eles usaram rádio, GPS e mensagens pelo celular (SMS) via satélite. Um esforço que durou a noite toda, com muito vento, chuva e ondas de até 8 metros.

Na manhã do dia 14, quinta-feira passada, o grupo recebeu a informação de que um socorro estava a caminho. Mas, com a situação cada vez mais crítica, eles decidiram abandonar o veleiro.

— Lançamos o bote salva-vidas, mas o barco começou a afundar ainda mais rápido por causa de uma onda que bateu na parte traseira e trouxe mais água para a embarcação — descreve Marcelo.

O brasileiro conta que, neste momento, se jogou no mar. Um suíço-americano de 58 anos que viajava com ele já estava dentro do bote salva-vidas. Mas o capitão do veleiro, um suíço de 72 anos, não conseguiu se salvar e acabou se afogando.

Com pequenos sacos plásticos, os dois sobreviventes retiraram por mais de uma hora água de dentro do bote salva-vidas. A força das ondas deslocava a dupla, que ainda tinha alguma comunicação via satélite, por onde atualizava o resgate sobre sua posição em alto-mar.

— Era como se fosse um sonho ou um pesadelo, que não era real, porque era tão absurdo o que estava acontecendo… Mas, apesar do medo, por um milagre eu consegui manter a calma para tomar decisões e agir da forma correta no momento correto — afirma Osanai, confessando que sentiu profundo medo e tristeza diante do risco de morrer.

Os dois sobreviventes receberam, então, a informação de que, em cerca de três horas, um navio vindo do Uruguai em direção à África do Sul passaria pela rota em que estavam e poderia resgatá-los, o que acabou acontecendo só quase seis horas depois. Um período desafiador dentro do bote.

— Estava muito frio, ventando muito, a água mais ou menos a 18 ou 17 graus, e a gente estava completamente molhado. Eu estava com muito receio, medo de hipotermia — admite.

No meio da tarde, eles ouviram, finalmente, a buzina do navio se aproximando. Marcelo sinalizou com uma lanterna para facilitar a localização. A manobra de aproximação entre a gigantesca embarcação e o bote salva-vidas durou pelo menos meia hora. A ideia era proteger a dupla das ondas e do vento e chegar o mais perto possível do bote.

Várias cordas já haviam sido arremessadas do navio ao mar, como opções para que os dois pudessem se agarrar e não perder o contato com o navio. A dupla conseguiu amarrar uma corda ao bote, mas acabaram sendo resgatados por uma escada. O mais velho dos sobreviventes foi retirado da água primeiro, e o brasileiro em seguida.

Os dois foram recebidos com cobertores, trocaram de roupa e ficaram em uma área interna para se aquecerem. Do navio, Marcelo conseguiu se comunicar com a família. Uma equipe de resgate da África do Sul buscou o brasileiro e o suíço-americano no navio.

Foram mais quatro dias até que os sobreviventes conseguissem desembarcar na Cidade do Cabo. Osanai demonstra muita gratidão a todos os que se envolveram no resgate, principalmente ao capitão do navio que aceitou o desafio de retirá-los do mar.

— Achar pessoas no meio do mar, ainda mais no alto mar, de acordo com ele, é uma coisa muito difícil. Foi a primeira vez que ele se envolveu em uma operação dessa natureza e teve sucesso nos 25 anos de carreira — diz.

Além da boa vontade dos que estavam no navio, os equipamentos que o grupo levava durante a viagem viabilizaram a localização e o resgate. Marcelo lembra que a bateria do GPS estava acabando. Eles poderiam ter esperado dias dentro do bote salva-vidas até que uma outra embarcação passasse por aquela rota.

— Foram sucessivos milagres acontecendo, pessoas que foram colocadas ali para possibilitar isso, mas também tivemos ajuda da tecnologia e nosso preparo para aguentar e superar essa ocasião — destaca.

Marcelo foi recebido na Cidade do Cabo por uma equipe do consulado do Brasil, que o ajudou a fazer um novo passaporte e com questões migratórias. O brasileiro volta para São Paulo nos próximos dias.

Fonte: O Globo

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