Vestibular para idosos da UnB reflete salto de matrículas do grupo etário no país; veja faculdades mais concorridas

Candidatos do “60mais” foram conferir se tinham sido aprovados no vestibular em lista pregada no quadro de cortiça, uma tradição que acabou com a seleção pela internet
Candidatos do “60mais” foram conferir se tinham sido aprovados no vestibular em lista pregada no quadro de cortiça, uma tradição que acabou com a seleção pela internet — Foto: Fotos de Anastácia Vaz/Secom UnB

“Avisa aí na reportagem que eu vou fazer ainda o mestrado e o doutorado”. A Universidade de Brasília (UnB) sempre foi um sonho para Carlos Alberto Fernandes de Alencar. Aos 60 anos, o funcionário público que há 38 dá expediente nos escritórios da burocracia federal começou a fazer sua primeira graduação há uma semana. Quando se formar gestor ambiental, o plano é trocar o sapato social pela bota. Tudo isso foi causado pela nova política de inclusão da instituição, o Processo Seletivo 60mais, um vestibular voltado para a população idosa que reuniu mais de três mil inscritos disputando 136 vagas.

— Participo de uma ONG como voluntário e vou trabalhar lá quando me formar, com projetos para agricultura familiar. Já está até garantido — afirma Carlos.

O Brasil tem visto um salto no número de pessoas com mais de 60 anos acessando a universidade. De acordo com o Censo de Educação Superior, em 2022, o último dado disponível, havia mais de 51 mil matrículas nesse grupo etário, o maior registrado nos últimos cinco anos. Em 2018, eram quase 30 mil, e desde então o número só cresceu. No entanto, apesar do crescimento, eles correspondem a apenas 0,5% das matrículas de 2022.

Ainda de acordo com os dados do censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), os idosos estavam concentrados nos cursos de Pedagogia (5 mil) e Direito (4,9 mil). Psicologia (2,6 mil), Serviço Social (2 mil) e Teologia (1,9 mil) completam a lista de carreiras com mais matrículas no grupo.

Nesse primeiro ano do “60mais”, a reitoria da UnB abriu uma consulta aos departamentos para saber quais cursos disponibilizariam vagas extras para os alunos com mais de 60 anos, e 37 aderiram ao programa.

Na lista estão carreiras como História, Agronomia, Administração, Biotecnologia, Ciência da Computação, Engenharia Florestal, Medicina Veterinária e Relações Internacionais. A mais concorrida foi Psicologia, com 566 candidatos e apenas duas vagas. A ideia é que essa seleção ocorra todo o semestre, e outros departamentos já sinalizaram que têm interesse em também oferecer vagas. A seleção dos candidatos foi feita por meio de uma redação.

— Ficamos pensando: o que falta incluir?. Já incluímos na nossa universidade negros, indígenas, quilombolas. E veio a ideia dos idosos. Esse é um projeto incrível. Queremos expandi-lo também para a pós-graduação — afirmou a reitora da UnB, Márcia Abrahão, uma das maiores entusiastas do programa, lembrando que a universidade foi a pioneira no país a instituir cotas raciais para selecionar seu corpo de estudantes, ainda em 2004, dez anos antes da lei federal que regulamentou a prática no país.

De acordo com a reitoria, a relação de candidatos por vaga no “60mais” foi maior do que em outras formas de ingresso na UnB, como no Programa de Avaliação Seriada (PAS) e no próprio Enem.

— Jamais se subestimem, vocês chegaram aqui por mérito e com certeza se tornarão excelentes profissionais formados em uma das melhores instituições do país — afirmou a reitora ao receber os novos alunos durante uma cerimônia na última semana.

No ano passado, um vídeo postado nas redes sociais gerou comoção. Três jovens estudantes do curso de Biomedicina na faculdade Unisagrado, em Bauru (SP), publicaram uma gravação debochando de uma colega de 45 anos — que ainda está muito distante para concorrer a uma vaga no “60mais”. “Como se desmatricula um colega de sala? Gente, com 40 anos não pode fazer faculdade”, dizia uma das garotas, em gravação que foi divulgada nas redes sociais. “Com 40 anos já era para estar aposentada”, debochava outra. O caso levou a uma discussão sobre etarismo, o preconceito contra pessoas com base na sua idade. Após a repercussão negativa, as três alunas abandonaram o curso; e a vítima, a caloura Patrícia Linares, recebeu uma onda de solidariedade.

Na UnB, os aprovados do “60mais” vão estudar em classes regulares com os alunos mais jovens. Etel Tomaz, de 68 anos, está numa turma com dez colegas que têm apenas 17 anos. Eles cursam Ciências Sociais, e ela só tem elogios para os novos companheiros de estudo.

— Me senti bem acolhida, em casa. Os calouros tiveram uma semana de atividades do centro acadêmico, e institucionalmente a universidade também trabalhou para receber a gente. Eles se posicionaram e foi tão simpático que fiquei emocionada — diz a caloura, que, com duas filhas, cinco netos e uma carreira como administradora, agora quer entender o mundo depois de quatro anos aposentada. — As pessoas estão vivendo mais. Eu olho algumas que com 80, 90, estavam trabalhando: Paulo Freire, Cora Coralina, Ariano Suassuna, Oscar Niemeyer. Falei: “É isso: ficar dentro de casa fazendo o quê? Vou encarar uma coisa que me faça bem”.

Fonte: O Globo

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