Vencedor do Nobel e ativista de direitos humanos, Oleg Orlov é condenado à prisão por tribunal russo

Oleg Orlov, vencedor do Prêmio Nobel, é algemado depois de ter sido condenado a dois anos e meio de prisão
Oleg Orlov, vencedor do Prêmio Nobel, é algemado depois de ter sido condenado a dois anos e meio de prisão — Foto: ALEXANDER NEMENOV / AFP

Um tribunal russo condenou nesta terça-feira o principal ativista dos direitos humanos no país, Oleg Orlov, a dois anos e meio de prisão por denunciar o ataque da Rússia à Ucrânia. O homem de 70 anos, uma figura-chave do grupo Memorial, vencedor do Prêmio Nobel, é o mais recente alvo da repressão do Kremlin, que se intensificou desde a ofensiva na Ucrânia.

— O tribunal determinou a culpa de Orlov e ordena uma sentença de dois anos e seis meses numa colónia penal de regime geral — disse o juiz.

Enquanto o juiz lia o veredicto, o ativista de óculos e cabelos brancos piscou para sua esposa, a também ativista Tatyana. Ele foi levado sob custódia no tribunal. Cerca de 200 apoiadores esperavam no corredor, do lado de fora, para se despedir dele.

Orlov disse à AFP numa entrevista recente que não se iludia sobre o resultado do processo. Após um primeiro julgamento, ele foi multado sob acusação de desacreditar o Exército russo numa coluna na publicação on-line francesa Mediapart. Os promotores pediram que o caso fosse a júri após considerarem a multa uma punição relativamente branda.

Mesmo enquanto outros ativistas fugiam da repressão crescente, Orlov permaneceu na Rússia, onde disse ser “mais útil” do que no exterior. Ele ainda afirmou à AFP que sua carreira dedicada à memória histórica dos crimes soviéticos e dos abusos de direitos na Rússia moderna — especialmente no norte do Cáucaso — não lhe deu outra escolha a não ser fazer campanha contra a ofensiva na Ucrânia.

O Memorial, organização internacional de defesa dos direitos humanos da qual faz parte, estabeleceu-se como um pilar fundamental da sociedade civil russa, preservando a memória das vítimas da repressão comunista e fazendo campanha contra violações de direitos.

A organização foi oficialmente dissolvida pelas autoridades russas no final de 2021 e ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2022, juntamente com um importante grupo de direitos humanos ucraniano e um veterano activista bielorrusso.

O dissidente tornou-se um dos mais ruidosos críticos da ofensiva à Ucrânia e do Kremlin. Até as audiências de seu primeiro julgamento, entre junho e outubro de 2023, foram usadas por Orlov como plataforma contra o conflito na Ucrânia, denunciando uma “guerra que destrói o futuro”. O Kremlin descreveu-o como agente estrangeiro no início deste mês, um rótulo que lembra o termo “inimigos do povo” da era soviética.

A perseverança foi a marca registrada do dissidente, que denunciou a tendência autoritária do seu país desde que as tropas soviéticas foram enviadas ao Afeganistão, durante a invasão em 1979.

Nascido em 1953, filho de pai engenheiro e mãe filóloga, Orlov estudou biologia na Universidade Estadual de Moscou. Ele logo mergulhou no ativismo político e distribuiu panfletos se opondo à ofensiva soviética no Afeganistão. No final da década de 1980, ele se juntou à então incipiente organização Memorial.

A ONG documentava e preservava a memória de milhões de vítimas da repressão soviética para evitar que a Rússia repetisse os mesmos erros. Paralelamente, investigava também violações dos direitos humanos no caos da década de 1990.

Como parte dessa missão, Orlov foi observador de muitos dos conflitos que se espalharam quando a URSS entrou em colapso, incluindo na Moldávia, na Ásia Central e no Cáucaso. Ele foi particularmente ativo na Chechênia, onde as tropas de Moscou e os separatistas chechenos travaram duas guerras entre 1994 e 2000.

Em 1995, ele se ofereceu para substituir quase 2 mil pessoas mantidas reféns por separatistas chechenos em um hospital no sudoeste da Rússia. A crise marcou um ponto de virada na primeira guerra, que terminou em 1996.

Orlov foi novamente feito refém por um grupo de homens armados mascarados na Inguchétia, na fronteira com a Chechênia, em 2007. Os cativos, incluindo ele, foram espancados e ameaçados de execução num campo nos arredores da cidade e depois deixados descalços na neve.

Ele passou os anos seguintes no Memorial, tentando preservar seu trabalho apesar de um Estado russo cada vez mais hostil. Apenas algumas semanas antes do ataque à Ucrânia, o Memorial foi dissolvido pelos tribunais russos.

Orlov prometeu continuar a luta mesmo que, como ele próprio admitiu, os seus empregados tivessem agora de trabalhar “em semiclandestinidade”. Enquanto aguardava o veredicto, ele já havia feito uma mala com itens de primeira necessidade para a vida atrás das grades. Ele disse que estava calmo, vivendo normalmente no norte de Moscou, entre consultas médicas, idas à academia e passeios com sua esposa.

Fonte: O Globo

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