Vale consegue liminar que proíbe enterro de cacique em terra onde vivia

O cacique Merong Kamakã Mongoió foi encontrado morto com sinais de enforcamento na segunda-feira (4/3) -  (crédito: Alenice Baeta/Divulgação)
O cacique Merong Kamakã Mongoió foi encontrado morto com sinais de enforcamento na segunda-feira (4/3) - (crédito: Alenice Baeta/Divulgação)

A mineradora Vale conseguiu uma liminar na Justiça que impede que o cacique Merong Kamakã Mongoió, que foi encontrado morto com sinais de enforcamento na segunda-feira (4/3), seja enterrado na terra onde vivia com outras famílias no Vale do Córrego de Areias, em Brumadinho, no estado de Minas Gerais. A decisão, assinada pela juíza Geneviève Grossi Orsi, da 8ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, autoriza que as polícias Federal e Militar atuem para impedir o enterro do líder indígena.

“Defiro que seja impedida a realização do sepultamento do Sr. Merong Kamakã, nas terras objeto desta ação, ante a notória controvérsia acerca da titularidade das terras objeto desta ação”, diz trecho da decisão. A terra é alvo de processo de reintegração de posse.

Em nota enviada ao Correio, a Vale disse que se solidariza com os familiares do cacique e com a comunidade indígena. “A Vale respeita os povos indígenas e seus ritos de despedida e busca construir uma solução com a comunidade que preserve suas tradições, dentro da legalidade”, afirmou a mineradora

A deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG) disse que oficiou à Polícia Federal uma solicitação em que pede a atuação para garantir a proteção da comunidade indígena Kamakã Mongoió durante o ritual de despedida do cacique. “Negar o sepultamento ataca não só nossos direitos humanos fundamentais, mas também os direitos indígenas garantidos pela Constituição Brasileira e por pactos internacionais. É absurdo tentarem reprimir o luto da família de Merong”, destacou a parlamentar.

“Estamos presentes no território do cacique Merong, lutaremos para que nossos direitos não sejam violados, enterrar os nossos mortos é um direito constitucional. Merong estará vivo com seu povo, a nossa intervenção é pelo direito de ter luta e pelo direito de ser enterrado nessa terra que já foi demarcada com a sua vida”, acrescentou Célia.

O cacique Merong Kamakã Mongoió liderava indígenas que há mais de dois anos vivem em um terreno da mineradora Vale. O povo Kamakã Mongoió forma uma família do povo Pataxó-Hã-Hã-Hãe, cuja aldeia principal é localizada no litoral sul da Bahia. Em março de 2022, Merong explicou que a ocupação mobilizou os indígenas que, ao longo de 40 anos, deixaram a Bahia em momentos de conflito e viviam em contexto urbano, muitas vezes em situação precária.

“Na pandemia de covid-19, reivindicamos a garantia de vacina e de comida e esse direito nos foi negado. Então pedimos ao Grande Espírito que nos guiasse, chegamos aqui nesse território que estava abandonado e com nascente. Tempos depois descobrimos que ele é da Vale. Pode ser no papel, mas ela não mora aqui. A terra é para nós vivermos, para plantarmos, para nossas crianças tomarem banho no rio e ter educação diferenciada. Essa luta não é só nossa. Queremos proteger as nascentes. Queremos proteger os territórios das crateras da mineração”, disse o cacique, em vídeo divulgado pela União Nacional Indígena (UNI).

Quem era o cacique Merong?

Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Merong nasceu em 31 de agosto de 1986, em Contagem (MG). O corpo do cacique foi encontrado com sinais de enforcamento. Os policiais militares foram acionados e fizeram um registro de ocorrência como suicídio. No entanto, pessoas próximas do indígena não acreditam nessa hipótese. A Polícia Civil de Minas Gerais informou que por enquanto “nenhuma linha de investigação está descartada”. As investigações também contam com a participação da Polícia Federal. 

O cacique tinha 37 anos e deixou dois filhos. “Desde cedo esteve envolvido na luta em defesa de seu povo. O Cimi Regional Leste acompanhou sua trajetória desde a adolescência, quando participava dos processos formativos com a sua inquietude constante, sempre tendo uma visão ampla de que não bastava lutar apenas na defesa de seu povo Kamakã-Mongoió. Nesse sentido, se envolveu e contribuiu com a luta dos Xokleng, Kaingang, Guarani, Xukuru-Kariri, Pataxó, Pataxó Hã-Hã-Hãe, entre outros. Construiu referência em várias regiões do Brasil na luta por garantia e defesa dos territórios indígenas”, pontua o Cimi

Merong costumava dizer que “a terra é vida e espiritualidade. No momento em que a terra é explorada indevidamente, ela nos dá o retorno da sua dor”. O líder indígena esteve presente em todo o processo da campanha eleitoral de Célia Xakriabá à Câmara dos Deputados e era considerado um dos principais defensores dos povos originários em Minas Gerais. 

“Em uma das nossas conversas, ele disse que a campanha foi para ele, também, um processo de cura. Estivemos juntos, morando na embaixada do cocar, todos por um único sonho. Nas últimas semanas, nos encontramos na imersão do mandato quando ele nos presenteou com palavras de força e contribuiu com o nosso planejamento. Merong continuará vivo em nossos corações e na nossa luta, pois a luta é o que nós temos de herança. Me solidarizo com a família e me coloco à disposição para o que for preciso”, ressaltou Célia.

Fonte: Correio Braziliense

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