USP readmite cotista do curso de Direito que não havia sido considerado pardo

Glauco Dalalio do Livramento, de 17 anos
Glauco Dalalio do Livramento, de 17 anos — Foto: Arquivo pessoal

A Universidade de São Paulo (USP) reativou, nesta terça-feira, a matrícula de Glauco Dalalio do Livramento, de 17 anos. Após ingressar no curso de Direito por cota, o jovem perdeu a vaga por não ter a sua autodeclaração de pardo aceita pela instituição. Nesta segunda, porém, a 14ª Vara da Fazenda de São Paulo concedeu uma liminar determinado o reingresso do rapaz na universidade.

Em mensagem enviada ao estudante obtida pelo GLOBO, a USP informou que a “matrícula no curso de Direito” foi “realizada de acordo com decisão judicial impetrada”, acrescentando que o “ingresso foi realizado como liminar”. Procurada pela reportagem, a universidade ainda não respondeu se pretende recorrer da medida em outras instâncias judiciais.

“Quaisquer ordens judiciais serão cumpridas pela USP e serão apresentadas em juízo todas as informações que explicam e fundamentam o procedimento de heteroidentificação”, limitou-se a afirmar a USP, no mesmo conteúdo que já havia divulgado à imprensa antes de acatar a reinclusão do jovem.

Na decisão em que determinou o reingresso, o juiz Randolfo Ferraz, da 14ª Vara da Fazenda de São Paulo, frisou que Glauco é “filho de pessoa de raça negra”. Ele havia dado um prazo de 72 horas para que a USP cumprisse a ordem.

“Ao que parece, não se querendo aqui pura e singelamente substituir as bancas julgadoras administrativas (a de origem, que decidiu por maioria, e a recursal, à unanimidade), não se pode mesmo olvidar que o autor é simplesmente filho de pessoa de raça negra, e eventualmente imagens que ora o favoreçam, ora não, na conclusão de pertencimento à raça negra, seja preta ou parda, não parece aqui ser um critério razoável em contexto como este, quanto menos para aferição à distância, tal qual aqui foi feita”, disse o juiz na decisão.

A lei de reserva de vagas por cotas é nacional, mas cada faculdade monta a sua banca examinadora. Para a advogada de Glauco, Alcimar Mondillo, mesmo que a USP tenha diferentes etapas para o exame de heteroidentificação, ela errou ao não incluir uma fase presencial, o que só acontece para os que ingressam na instituição via Fuvest, mas não pelo Enem ou pelo chamado Provão Paulista, caso do jovem.

— A lei de cotas não faz essa diferenciação entre os cotistas — diz Mondillo, acrescentando que a indisponibilidade da análise presencial seria “inconstitucional e ilegal”.

No início do mês, a universidade declarou, por nota, que muitos dos candidatos do Enem e do Provão moram em locais distantes, e que por isso privilegia a análise virtual. Ainda assim, a USP argumenta que procura “garantir condições para que candidatos de outras localidades tenham a oportunidade de ingressar” na instituição. Já Mondillo sustenta que os candidatos deveriam ter a escolha de ir presencialmente ou não.

A banca examinadora é um sistema que passou a ser usado em 2023 pela USP, para evitar fraudes em cotas. O parecer elaborado pela comissão diz que Glauco “tem pele clara, boca e lábios afilados, cabelos lisos, não apresentando o conjunto de características fenotípicas de pessoa negra”. Para a advogada, é “evidente” que o rapaz tem pele morena e que seu cabelo é liso por ter ascendência indígena.

— Quando o vi, não tive dúvida de que era pardo — garante Mondillo.

Filho de uma atendente de telemarketing e de um auxiliar de obra da prefeitura, Glauco trabalha como jovem aprendiz. Após saber de sua aprovação, o chefe avisou que iria realizar a sua transferência para uma filial no Centro de São Paulo, pois assim não perderia a verba para investir nos estudos.

Este é o segundo caso repercutido sobre as bancas examinadoras da USP em um curto período. Alison dos Santos Rodrigues, de 18 anos, teve sua matrícula em medicina cancelada pela USP após ter sua autodeclaração racial rejeitada. Ele seria o primeiro de sua família a entrar em uma universidade.

(*estagiário sob supervisão de Luã Marinatto)

Fonte: O Globo

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