Um silêncio insustentável

Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (D) e da Venezuela, Nicolás Maduro, antes de reunião da Celac, em São Vicente e Granadina
Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (D) e da Venezuela, Nicolás Maduro, antes de reunião da Celac, em São Vicente e Granadina — Foto: Marcelo Garcia / Presidência da Venezuela / AFP

Dos cinco países do Mercosul, o Brasil e a Bolívia foram os únicos que não se pronunciaram sobre a detenção sobre a detenção de três colaboradores da venezuelana Maria Corina Machado esta semana, somando, em pouco mais de dois meses, sete prisões de membros da equipe da líder opositora. Os governos da Argentina, Uruguai e Paraguai condenaram a repressão de Nicolás Maduro à oposição com expressões como “detenções arbitrárias”, “ações contrárias ao espírito democrático” e “progressiva deterioração da situação política”. Já o governo Lula, outra vez, optou por um silêncio que está se tornando insustentável.

Fontes do governo brasileiro afirmam que recados são dados ao governo de Maduro através de “canais informais”. Qual é o temor do Palácio do Planalto? Basicamente, queimar pontes com Maduro e prejudicar um diálogo que não chega aos pés do que teve Lula com o então presidente Hugo Chávez, mas é considerado importante pelo brasileiro. Além de interesses políticos e econômicos, alguns representantes do governo têm uma visão muito crítica da oposição venezuelana, sobretudo do papel e passado de María Corina. Essas fontes lembram que a líder opositora já apoiou tentativas de golpe de Estado e pediu uma intervenção estrangeira. Esse comportamento, argumentam, torna María Corina uma pessoa pouco confiável que poderia, como acusa Maduro — sem provas contundentes — ter planos desestabilizadores.

O Brasil continua esperando que a Venezuela realize eleições livres e democráticas. Sem María Corina, mas com candidatos opositores que não sejam marionetes de Maduro. Se a líder opositora designar um candidato substituto e esse candidato for inabilitado, por exemplo, o Brasil, disse uma fonte, questionaria. Haveria uma reação, também, se a eleição presidencial de 28 de julho não contar com observadores internacionais sérios. Até então, boca fechada.

O Brasil ficou isolado dentro do bloco que sempre teve a pretensão de liderar no Cone Sul, e se distanciou de outros vizinhos importantes para qualquer esforço de integração regional, entre eles o Chile de Gabriel Boric, que vem questionando com veemência o perfil autoritário do governo Maduro.

Esta semana, a Missão de Observação das Nações Unidas apresentou uma atualização de seu relatório sobre a situação política na Venezuela e reiterou informações alarmantes sobre violações dos direitos humanos cometidas no país. Um dos casos mencionados no último relatório da missão é o da acadêmica e especialista em temas militares Rocío San Miguel, detida há mais de um mês no Helicoide, principal centro de detenção do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), em Caracas. O caso provocou uma forte reação internacional, mas o Brasil de Lula, como sempre, evitou fazer comentários.

A inscrição de candidaturas presidenciais termina na próxima segunda-feira, e María Corina já avisou que, mesmo inabilitada, irá pessoalmente até o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). A tensão está chegando a níveis máximos em Caracas, e a comunidade internacional entrou em estado de alerta.

Ao contrário do que o Brasil de Lula espera, a Venezuela de Maduro está aumentando a repressão e se tornando uma nova Nicarágua. Na campanha brasileira de 2022, assessores do presidente brasileiro recomendaram soltar a mão do nicaraguense Daniel Ortega — conselho que Lula não seguiu. Agora, o dilema é sobre Maduro. O silêncio de Lula terá um custo e, em contrapartida, até agora não rendeu absolutamente nada de positivo ao Brasil.

Fonte: O Globo

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