Um novo adeus: do plantio de árvore até ‘santinho virtual’, conheça formas diferentes de homenagear os mortos

Transformação: a família de Mateus Rodrigues Silva no plantio da árvore com a cinzas de seu pai
Transformação: a família de Mateus Rodrigues Silva no plantio da árvore com a cinzas de seu pai — Foto: Arquivo pessoal

O momento é de tristeza, de lembranças e de reunião dos mais próximos, para afirmar que foi uma vida que valeu a pena ser vivida. A necessidade de marcar o respeito a quem morreu é parte da essência humana e está na base do choque e indignação com o caso de Paulo Roberto Braga, cujo corpo foi levado a uma agência bancária no Rio por Erika de Souza Vieira Nunes, presa por vilipêndio de cadáver. Mas os ritos que expressam esse respeito e os sentimentos ligados ao luto ganharam novas formas com a tecnologia e os hábitos criados na pandemia.

Velórios e enterros podem ter agora plantios de árvores, transmissões ao vivo e homenagens virtuais. No funeral, um cerimonialista fica responsável por detalhes que às vezes se tornam um encargo emocional a mais para quem já tem de lidar com a perda, como receber coroas de flores.

O professor de biologia e terapeuta Mateus Rodrigues Silva, de 41 anos, homenageou o pai, falecido em novembro de 2022, com o plantio de uma árvore. A técnica, desenvolvida pelo BioParque, primeiro espaço a oferecer esse tipo de serviço no Brasil, em Nova Lima (MG), junta as cinzas do parente com substratos naturais, usados para o desenvolvimento de uma muda.

No caso da família do biólogo, a planta ficou aproximadamente um ano e meio cuidada em uma estufa do parque. No plantio, houve uma cerimônia para os parentes, com discursos. A árvore foi regada pelas crianças da família.

— O processo foi muito suave e, paradoxalmente, agradável. Com um respeito enorme ao meu luto e ao da minha família. Sentimos uma paz interior muito grande — lembra Mateus.

Segundo Selma Capanema, executiva de Negócios do BioParque, o projeto une as buscas por soluções limpas para o mercado fúnebre com cerimônias mais leves:

— Conseguimos transformar esse momento difícil.

Aberto desde 2019, o serviço deve chegar a São Paulo até o fim do ano e a Brasília em 2024. Quem contrata o serviço, a partir de R$ 15 mil, além de poder visitar a árvore, recebe relatórios quinzenais sobre o seu desenvolvimento. A família pode escolher ainda entre sete espécies.

A distância deixou de ser um obstáculo para a despedida, graças à tecnologia. Os velórios com transmissão ao vivo, forma disseminada na pandemia em shows e encontros, são oferecidos pela maioria das empresas funerárias do país.

O autônomo Airton de Castro, de 49 anos, contratou o serviço para o velório do pai em agosto de 2023 e se sentiu confortado pelos amigos que participaram da cerimônia de forma remota. Morador de Chapecó (SC), Airton enviou o link da homenagem a parentes no Rio Grande do Sul, no Paraná e em Mato Grosso.

— A transmissão foi por cerca de 20 horas, durante todo o velório e o sepultamento. Consegui sentir a presença e o apoio das pessoas — conta.

Na opinião da psicóloga Cristiane Assumpção, especialista em luto, a tecnologia deve ser usada para ajudar na aceitação da concretude da morte. Mas não para dar uma ideia de continuidade da vida, como na imitação da voz de alguém que já se foi com o uso da inteligência artificial.

— Velórios e enterros são importantes no processo de perda — afirma.

Entre as iniciativas apoiadas por Cristiane estão homenagens físicas, como placas e joias. A artista plástica Flávia Lemos, dona da empresa Sublime Amor Biojoias, especializada na elaboração de peças com memórias como pingentes de resina com cinzas de cremação, conta que a busca cresceu desde o ano passado:

— O serviço chegou no Brasil há poucos anos e tem se tornado popular.

Há homenagens virtuais em sites de memorial, onde as pessoas depositam informações sobre o falecido, além de depoimentos e fotos com o homenageado. O Cemitério da Consolação, o primeiro do Estado de São Paulo, oferece um “santinho virtual” aos parentes dos que foram enterrados. Quem contrata o serviço recebe um material digital, voltado principalmente para o compartilhamento no WhatsApp, com dados sobre o enterro e localização do túmulo.

O cemitério implementou em 2023 um projeto de instalação de QR Code em lápides e jazigos de personalidades famosas ou construções com arte tumular. O código fornece informações biográficas, textos de homenagem, fotos e vídeos relacionados ao falecido. Já foram instaladas 40 placas com as identificações virtuais, nos túmulos de personalidades como a Marquesa de Santos, o abolicionista Luiz Gama, o modernista Oswald de Andrade e o escritor Monteiro Lobato. Um dos próximos a receber a tecnologia será o da pintora Tarsila do Amaral.

— O projeto acabou de ser aberto a qualquer pessoa, basta a família ter interesse — adiantou Maurício Costa, CEO da Consolare, empresa que administra sete cemitérios de São Paulo.

Outra atividade que tem ganhado destaque é a de cerimonialista de eventos funerários. O mestre de cerimônias Athayde Alves, de 75 anos, que há cinco se especializou nessa celebração, considera velórios e enterros as solenidades mais difíceis de conduzir. Ele conta ainda que o serviço começa com o estudo da vida da pessoa.

Além da condução do rito de despedida, o cerimonialista é responsável por atividades como controle da lista de convidados, recepção dos presentes, recebimento de coroas de flores, controle de decoração e buffet, quando esses serviços são contratados.

— Não trabalho com a morte, trabalho com a vida. Minha função é confortar quem ficou: os familiares enlutados — destaca.

Fonte: O Globo

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