Trump 2 e a China

O ex-presidente dos EUA e candidato à presidência em 2024, Donald Trump, discursa em um comício do Commit to Caucus em Las Vegas, Nevada.
O ex-presidente dos EUA e candidato à presidência em 2024, Donald Trump, discursa em um comício do Commit to Caucus em Las Vegas, Nevada. — Foto: PATRICK T. FALLON/AFP

Depois de vencer todas as prévias republicanas disputadas até agora, Donald Trump parece ter o caminho livre para conquistar a terceira nomeação seguida de seu partido e enfrentar o atual presidente, Joe Biden, nas eleições americanas de novembro. A possível volta de Trump à Casa Branca divide opiniões na segunda maior economia do mundo, mas as dúvidas convivem com um consenso: para os chineses, é a confirmação de que o confronto com os EUA está numa trajetória sem volta.

Biden suavizou no tom, mas não na essência. Manteve as tarifas impostas pelo governo Trump que deram a largada na guerra comercial e foi além, com restrições ao acesso de tecnologias avançadas para a China. As medidas reforçaram a determinação do governo chinês em investir na indústria nacional e posicionar a segurança no topo da agenda. A competição com os EUA superou até o crescimento econômico como prioridade.

O último encontro entre Biden e o presidente chinês, Xi Jinping, no fim do ano passado, abrandou um pouco a tensão bilateral, demonstrando o interesse mútuo em evitar uma escalada. Nem mesmo a vitória na eleição presidencial em Taiwan de Lai Ching-te, próximo dos EUA e visto por Pequim como um separatista perigoso, foi capaz de abalar a relativa calmaria nas relações. Mas todos sabiam que a maré estava sujeita a mudanças súbitas.

Um incidente recente envolvendo a guarda costeira de Taiwan que deixou dois pescadores chineses mortos elevou a temperatura no estreito e nos gabinetes do governo em Pequim. Em resposta, o governo chinês ampliou suas patrulhas marítimas ao redor do arquipélago de Kinmen, que faz parte do território taiwanês e fica a poucos quilômetros da China continental. Foi mais um de uma série de episódios nos últimos anos que ilustraram o risco de uma deflagração involuntária.

Trump parece ter menos ímpeto do que Biden em defender Taiwan de um eventual ataque de Pequim à ilha, cuja reunificação com o continente é declarada como inevitável, conforme reiterou há pouco o chanceler chinês, Wang Yi. Mas o provável rival de Biden na eleição presidencial tem outros planos que intensificariam o atrito entre as potências e a instabilidade econômica global.

Caso eleito, Trump sugeriu que considerará a imposição de tarifas de até 60% nas importações da China, muito além do teto de 21% aplicado quando ocupou a Casa Branca. Admirado por muitos na China por seu suposto pragmatismo e tino empresarial antes de sua eleição em 2016, Trump ainda tem fãs no país, mas hoje ele atrai principalmente insultos nas redes sociais. Para os chineses, a eleição americana é antes de tudo “uma forma de entretenimento”, escreveu Ding Gang, colunista do Diário do Povo. É uma atração um tanto mórbida, reconhece Ding, já que a vitória de Trump “complicaria ainda mais as relações com a China”.

A julgar pelas ideias que emanam do círculo próximo do republicano, esta parece ser a intenção. Robert Lighthizer, representante de Comércio dos EUA durante o governo Trump, não mede palavras ao se referir ao rival asiático em seu novo livro, “Nenhum comércio é livre”. Qualquer política econômica deve estar centrada em conter a “ameaça existencial” que a China representa para os EUA, afirma Lighthizer. Será esse o turbulento ponto de partida diplomático se os americanos optarem por uma segunda temporada de Trump.

Fonte: O Globo

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