‘Toda vez que Israel bombardeia um hospital, o Hamas fica mais forte’, diz ativista israelense contra a guerra em Gaza

Alon-Lee Green, ao lado da ativista Sally Abed, durante evento nos EUA
Alon-Lee Green, ao lado da ativista Sally Abed, durante evento nos EUA — Foto: Sophie Park/The New York Times

Embora o governo de Israel e o alto comando das Forças Armadas apontem que a vitória em Gaza está próxima após seis meses de guerra, Alon-Lee Green mantém uma postura pessimista com relação aos efeitos do conflito para a segurança na região. Codiretor nacional do Standing Together, movimento social que prega a coexistência pacífica e igualdade entre israelenses e palestinos, acredita que o conflito na realidade fortaleceu a ideologia do Hamas, e que a situação de segurança entre os povos vai piorar se nada for feito para solucionar questões estruturais.

Ex-assessor parlamentar de um deputado do Hadash (de esquerda, que integra a Lista Conjunta, que reúne partidos de maioria árabe), Green defende negociações com o grupo que levem a um cessar-fogo que alcance a devolução dos reféns e o fim da morte de civis em Gaza. Também culpa o governo pela construção de um cenário hostil, que levou o país ao “momento mais obscuro” de sua história.

Veja trechos da entrevista:

Que leitura o movimento faz do 7 de outubro?

O 7 de outubro foi um massacre cometido contra civis inocentes pelo Hamas, uma matança indiscriminada contra qualquer um que entrou no caminho deles, um ataque ilegítimo contra os cidadãos israelenses. Nós não apenas condenamos, como nos posicionamos muito claramente contra o Hamas. Mas, no mesmo fôlego, condenamos o ataque contra Gaza, contra pessoas inocentes em Gaza. Somos contra o que aconteceu em 7 de outubro, mas também somos contra o que acontecia antes de 6 de outubro e depois do dia 7 em Gaza e com os palestinos. Entendemos que estas realidades são conexas e que a o nosso governo nos levou ao momento mais obscuro de nossa história.

Qual a responsabilidade do governo israelense pelo que aconteceu no dia 7?

Quando você recusa a paz, recebe guerra, não? O governo israelense recusa a paz há anos e o resultado é uma guerra que só fica pior e pior, cobrando um preço mais alto a cada desdobramento. Uma guerra que coloca todo o povo vivendo nesta terra, palestinos e judeus, em uma realidade em que nossa capacidade de viver aqui está sendo comprometida.

Mas como criar confiança entre israelenses e palestinos em um momento como o atual?

[A confiança entre israelenses e palestinos] está muito baixa neste momento, mas a primeira coisa a fazer para alcançar a paz é parar essa guerra, alcançar um acordo de cessar-fogo. Temos que colocar um fim na destruição e na matança em Gaza e trazer os reféns de volta. Quando fizermos isso, podemos começar a olhar para além deste momento, para as causas profundas da instabilidade e insegurança. O povo judeu desta terra não pode viver em paz enquanto milhões de outras pessoas vivem na mesma terra sem liberdade.

Oficialmente, as autoridades israelenses apontam para o 7 de outubro como o motivo de toda a escalada militar. Você entende que esse discurso foi aceito pela sociedade?

Sim. A sociedade está traumatizada e com medo, e vimos isso acontecer, infelizmente. Existe muito medo e é possível senti-lo em todos os cantos, de forma justificada: O que vivenciamos no dia 7 de outubro é algo que nenhum ser humano deveria vivenciar. Precisamos também de compreender que este é um terreno fértil para o governo e pessoas extremistas, o povo messiânico que está no poder dentro da nossa liderança, tentarem levar a nossa sociedade a acreditar que matar pessoas inocentes é justo, que destruir um pedaço completo de terra é algo que nos trará qualquer tipo de solução. Essas são mentiras, e são mentiras que não nos servirão porque, na verdade, vamos perder ainda mais por causa desta guerra. Teremos menos segurança por causa desta guerra.

O medo na sociedade israelense é de que a guerra não tem capacidade de atingir seu objetivo ou de que acabe antes de alcançá-lo, com uma desmobilização ou cessar-fogo?

É claro que essa guerra não poderia alcançar segurança. Não para as pessoas no sul, não para as pessoas por toda Israel e muito menos para as pessoas em Gaza. Era óbvio, desde o primeiro dia, que esta guerra não nos traria nada e que não iria desmantelar o Hamas. Era óbvio que o Hamas só iria ficar mais forte, porque se alimenta de extremismo. Quando nós, Israel, bombardeamos e matamos uma família de 30 pessoas, o Hamas fica mais forte. Quando destruímos um hospital, o Hamas fica mais forte. Quando destruímos um bairro inteiro, o Hamas fica mais forte. E acredite, nós destruímos muitos bairros: 70% de Gaza está destruída.

Autoridades israelenses já disseram que o Hamas não é um ator legítimo para negociar o que quer que seja…

Então por que nós fizemos isso? Por que negociamos com o Hamas? Por que os tornamos mais fortes? Por que temos menções públicas do nosso governo de que o Hamas é um ativo e se quisermos prevenir a criação de um Estado palestino, temos que deixar o Hamas mais forte? Por que fizemos isso?

E que abordagem o movimento propõe?

Você lembra quando, em novembro, 108 reféns foram liberados em uma troca de prisioneiros? Com quem nós negociamos? O acordo foi com o Hamas. Aí está a resposta. Se queremos a libertação dos reféns, nós temos que falar com o Hamas.

O que você pensa sobre o uso de termos como “apartheid” e “prisão a céu aberto”, para se referir ao tratamento de Israel aos palestinos e a Gaza?

Gaza era a maior prisão a céu aberto do mundo. Precisamos entender que é da natureza das pessoas lutar pela própria liberdade. É bonito? Não, é feio. É simpático? Não, na verdade é violento. Devemos responder à violência que surge desta luta com mais violência? Ou devemos mais inteligentes e mais estratégicos e resolver as causas profundas da luta e violência que temos em nossas vidas? Se quisermos resolver as causas profundas, precisamos abordar o elefante que está na sala. Para garantir a segurança do povo israelense, é preciso garantir liberdade para o povo palestino. Essas coisas andam juntas. É fácil olhar apenas para Gaza [após o 7 de outubro], mas se formos para a Cisjordânia, este foi o ano mais mortífero dos últimos 20 anos em termos de vítimas na população palestina. Tanto por causa dos colonos israelenses, mas a maioria por causa das FDI. Como explicamos isso se o problema é o Hamas? Como explicamos o fato de aproximadamente 400 palestinos terem perdido a vida na Cisjordânia no ano passado?

A Cisjordânia era foco da atenção das atividades militares de Israel antes do atentado…

Antes e depois. Essa é a natureza do controle militar de milhões de pessoas, que não são cidadãos israelenses, pelo governo israelense. Como você impõe controle a milhões de pessoas? Com força, com violência. Só os palestinos estão pagando o preço? A resposta é não. Os israelenses também estão pagando um preço — diferente, talvez menor, mas também pagamos, porque a violência se volta contra a gente.

A guerra impulsionou o extremismo nos dois lados da fronteira?

Os extremistas dos dois lados se retroalimentam. O Hamas se alimenta dos extremistas israelenses que estão no poder, e os extremistas israelenses se alimentam do Hamas. Eles precisam uns dos outros. Eles ficam mais fortes um com o outro. Não é possível destruir uma ideia com uma guerra. Precisamos isolar o Hamas.

Fonte: O Globo

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