Tempos cinzentos de opacidades e planos de blindagens na Câmara

Diversos congressistas reunidos no plenário da Câmara dos Deputados
Articulista afirma que blindagem pretendida pelos congressistas seria retirada do mundo jurídico pelo imprescindível controle de constitucionalidade; na imagem, congressistas no plenário da Câmara dos Deputados

A imprensa noticiou recentemente que 139 deputados federais assinaram um pedido de impeachment contra o presidente da República. Mas a Secretaria Geral da Mesa da Câmara dos Deputados tem se recusado sistematicamente a revelar os nomes dos congressistas signatários do pedido, que foi protocolado pela deputada Carla Zambelli e outros bolsonaristas, em decorrência da comparação feita pelo petista entre a reação de Israel em Gaza e o Holocausto dos judeus por Hitler.

O jornal Folha de S.Paulo afirmou que pediu a informação em 22 de fevereiro e que a Casa Baixa orientou a formulação de um pedido via LAI (Lei de Acesso à Informação), cujo prazo de resposta pode ser de, pelo menos, 30 dias.

A própria LAI, porém, estabelece que qualquer interessado em informação que é pública pode solicitá-la “por qualquer meio legítimo” e que cabe ao órgão, de posse dos dados, “autorizar ou conceder o acesso imediato à informação disponível”.

Cabe lembrar que a Constituição Federal delineia em seu artigo 37 o princípio da publicidade como basilar, assim como o é o princípio da moralidade administrativa. Em 2011, o país subscreveu, ao lado de Estados Unidos, Noruega, Grã-Bretanha, África do Sul, Filipinas, México e Indonésia o Pacto dos Governos Abertos, assumindo o compromisso mundial de ser padrão internacional de transparência em matéria de governança.

É ultrajante em relação à cidadania que a direção da Câmara dos Deputados negue acesso a tal informação a veículos de notícia. Isso significa lesar o direito de acesso à informação para a sociedade, pois todos têm o direito de saber quais são os 27% dos deputados federais que entendem que o presidente da República deve ser retirado do poder.

Tanto deputados federais como o presidente da República foram eleitos por voto popular, de maneira republicana e democrática, não sendo razoável nem plausível que sejam escondidas informações de cidadãos e cidadãs. Como afirmou o cientista jurídico e filósofo Norberto Bobbio (1909-2004): “democracia é o exercício do poder público em público”.

Os prazos determinados na Lei de Acesso à Informação dizem respeito à burocracia e à gestão dos pedidos, que podem ser muitos e precisam ter regras. Nesse caso, estamos diante de uma demanda especial dirigida à Câmara, pretendendo-se o esclarecimento da autoria de pedido de impeachment que pode impactar severamente e até traumatizar a vida política do país.

O assunto em questão não é revestido de sigilo, não envolve segurança nacional e, assim, deve ser informado de imediato por questão de lealdade à sociedade. Sonegar tal informação remete-nos a um Brasil das trevas, do coronelismo de triste memória, sem regras de controle, sem accountability, sem compliance, sem ética na política, em que éramos terra sem lei.

O próprio princípio da separação dos Poderes, igualmente garantido constitucionalmente, também acaba sendo impactado por essa decisão, pois ele parte da premissa de que os Poderes são independentes entre si, fiscalizando-se mutuamente.

A opacidade decorrente da atitude apontada prejudica a fiscalização por parte do Executivo. Quais foram os responsáveis pelo pedido? A sociedade, a imprensa e o próprio Executivo têm o direito legítimo de saber para ter condições de exercitar sua fiscalização.

Ao examinar, por outro lado, a cogitação tratada de forma natural no sentido de ver aprovada na Câmara a chamada PEC da blindagem, as coisas começam a ficar mais compreensíveis em relação ao assunto anterior.

Não se dá satisfação à sociedade em relação a um tema afeto à Câmara, pelo qual informações devem ser fornecidas. Agora, na sequência, está em gestação uma mudança constitucional no sentido de imunizar ainda mais os congressistas.

Não foi suficiente a lei 14.230 de 2021 que esmagou a Lei de Improbidade Administrativa, o desbotamento da Lei da Ficha Limpa. É necessário avançar mais no sentido de garantir de forma ainda mais sólida a impunidade, por lei, para que a Polícia Federal, o Ministério Público e o sistema de Justiça jamais alcancem os senhores congressistas, como se fossem seres realmente intocáveis, como se inexistisse na Constituição um outro princípio e o mais sagrado de todos: o da isonomi, em que todos são iguais perante a Lei.

Esquecem-se os nobres congressistas, entretanto, que tal vergonhosa blindagem pretendida, obviamente afrontosa à Constituição, seria retirada do mundo jurídico por força do princípio da separação de Poderes, fazendo-se valer o imprescindível controle de constitucionalidade, uma das mais relevantes e históricas funções do Supremo Tribunal Federal.

Fonte: Poder360

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