Taxar super-ricos pode arrecadar até US$ 688 bi no mundo, diz estudo feito a pedido do Brasil para discussão no G20

Dar início à taxação pelos bilionários traria US$ 250 bi anuais extras para enfrentar problemas diversos
Dar início à taxação pelos bilionários traria US$ 250 bi anuais extras para enfrentar problemas diversos — Foto: Juan Mabromata/AFP

A depender do grau de ambição e do alinhamento político das 19 maiores economias do mundo, mais a União Europeia (UE) e a União Africana, a criação de um imposto mínimo sobre a riqueza dos super-ricos poderia gerar receitas extraordinárias de até US$ 688 bilhões às nações (cerca de R$ 3,7 trilhões) anualmente.

O montante, algo entre o Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina e o da Polônia, poderia ser usado para enfrentar questões globais para as quais já não se encontra espaço em orçamentos públicos cada vez mais enxutos.

Os números são parte de relatório encomendado pela presidência brasileira do G20 ao economista francês Gabriel Zucman, diretor do Observatório Fiscal Europeu, e serão ponto de partida das negociações no âmbito do grupo para tratar do tema, que conta com a simpatia evidente de Brasil, França, Bélgica, África do Sul, Colômbia e União Africana, mas não dos Estados Unidos.

Em princípio, este é o potencial da arrecadação, que vai variar segundo o universo de pessoas a serem tributadas, o percentual do imposto a ser criado, o número de nações a aplicá-lo e as ferramentas que terão para identificar, fiscalizar e cobrar os contribuintes. O cálculo de US$ 688 bilhões inclui a tributação em 3% de indivíduos com patrimônio superior a US$ 100 milhões e bilionários (acima de US$ 1 bilhão).

A projeção considera exercícios com alíquotas de 1% a 3%. Tudo precisa ser negociado se a ideia for criar um padrão comum de tributação, como sugere Zucman. Quanto mais países aderirem, diz, mais eficiente será a cobrança.

Mas Zucman defende que, num primeiro momento, o foco esteja nos bilionários, menos numerosos, portanto, em tese, mais facilmente identificáveis. Se as contas estiverem corretas, são 3 mil espalhados pelo mundo. Concentrar-se neles pode garantir, de cara, receitas anuais extras de quase US$ 250 bilhões, se considerada a aplicação de taxa de 2% anuais sobre o seu patrimônio.

Esse valor considera o que se chama de cobrança “perfeita”. Ou seja, que esses mesmos contribuintes, que hoje se desvencilham dos tributos que incidem sobre a renda dos trabalhadores da classe média, não terão como esconder-se deste tributo também.

Discípulo do economista Thomas Piketty, Zucman afirma que essa seria uma forma de distribuir de maneira mais justa os ganhos proporcionados pela globalização. Do fim da década de 1980 até este ano, diz, esses contribuintes terão pago em média 0,3% de imposto de renda por ano.

Na Holanda, o valor chegaria a zero. Na França, um dos países entusiastas da criação do tributo, 0,8%; nos EUA, 8%. Nesse mesmo período, a riqueza dessas pessoas teve um ganho de 7,5% ao ano, já descontados os efeitos da inflação. A média do aumento da renda de adultos comuns no mundo não passou de 1,3%. Isso explica como esta fatia de 0,0001% da população mundial conseguiu aumentar a sua fatia de riqueza no PIB global de 3% para 14% em quase 40 anos.

Para o economista, ainda levará alguns anos até que se encontre um consenso entre os países. Em entrevista ao GLOBO em abril, Zucman afirmou que tributar bilionários e grandes multinacionais é tarefa moral, econômica e política:

— O relatório é o início da conversa, e não o seu fim. Deve alimentar a discussão política, que vai levar tempo.

Para ele, a criação de um tributo mínimo de 15% para multinacionais, que entrou em vigor este ano, é a prova de que é possível ter um também para indivíduos bilionários.

— Foram nove anos para o das multinacionais. Com a experiência que se acumulou, acho que há esperança de que levará menos do que esses nove anos, mas certamente mais do que nove meses — disse.

Zucman admite não ser fácil identificar os contribuintes a serem tributados. Mas afirma que metade do seu patrimônio está atrelado a ações listadas em Bolsa. Uma das alternativas para encontrá-los e saber o valor do seu patrimônio está em acrescentar a chamada propriedade beneficiária.

“Como a maior parte da riqueza dos bilionários está em ações de multinacionais, a mera inclusão de informações sobre propriedade beneficiária nos relatórios país por país (por exemplo, listar indivíduos que possuem mais de 1% das ações) permitiria às autoridades fiscais capturar a maior parte de sua riqueza, facilitando a aplicação (da taxação)”, diz o documento de Zucman. Esta seria uma forma de driblar as lacunas que ainda persistem na troca de informações entre os países.

Em conversa com jornalistas, ele insistiu que não se trata de criar um novo imposto sobre riqueza. Ele seria complementar. “Fundamentalmente, este imposto mínimo deve ser visto não como um imposto sobre a riqueza, mas como uma ferramenta para fortalecer o Imposto de Renda.

Um bilionário que já paga o equivalente a 2% de sua riqueza em imposto (por exemplo, porque tem quantidade significativa de ganhos de capital ou ganha quantia significativa de dividendos diretamente) não teria nenhum imposto extra a pagar”, diz no estudo também.

Para Zucman, o tributo não precisa do acordo de todos os países do mundo para vigorar, o que tampouco ocorreu com o das multinacionais (os EUA não são signatários), podendo funcionar em nações individualmente. E diz que o acordo pode prever que os países que aderirem podem criar o “imposto de saída”, para tributar os contribuintes caso eles mudem seus ativos para nações que estão de fora.

“Podem ser taxados por um número de anos” diz. A compensação beneficiaria os países que estão no acordo, convenceria outros a aderirem e dissuadiria a mudança de ativos de indivíduos por razões fiscais.

Fonte: O Globo

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