Suprema Corte de Israel decide que Exército deve recrutar ultraortodoxos

Polícia israelense detém manifestante enquanto tenta dispersar judeus ultraortodoxos que bloqueavam rodovia em protesto contra possíveis mudanças nas leis do alistamento militar
Polícia israelense detém manifestante enquanto tenta dispersar judeus ultraortodoxos que bloqueavam rodovia em protesto contra possíveis mudanças nas leis do alistamento militar — Foto: Jack Guez/AFP

Em uma decisão unânime, a Suprema Corte de Israel decidiu nesta terça-feira que o Exército do país deve começar a recrutar estudantes ultraortodoxos de escolas talmúdicas, uma determinação que ameaça dividir abalar a coalizão de governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em meio à guerra em Gaza.

O serviço militar é obrigatório para homens e mulheres em Israel, mas os judeus ultraortodoxos puderam evitá-lo até agora caso se dediquem ao estudo dos textos sagrados, ao abrigo de uma isenção estabelecida por David Ben Gurion, fundador do Estado de Israel, em 1948, em troca de apoio à criação de um Estado amplamente secular — para os ultraortodoxos, seu estudo da escritura é tão essencial quanto o Exército para defender Israel.

Mas, para os nove juízes da Suprema Corte, considerando que não há um lei distinguindo seminaristas de outras pessoas em idade de serviço militar, não haveria base legal para a isenção usufruída até agora pela minoria ultraortodoxa, tornando necessário que ela também cumpra o serviço militar compulsório.

“Na ausência de um marco legal adequado, o Poder Executivo não tem poder para ordenar a não aplicação da Lei do Serviço Militar aos estudantes das escolas talmúdicas”, estabeleceu a corte, acrescentando que “o Estado deve agir para aplicar a lei”.

Além de serem isentos do recrutamento, os ultraortodoxos, conhecidos em hebraico como Haredi, também podem gerir seu próprio sistema educacional. A Suprema Corte também abordou esse sistema em sua decisão, afirmando que o governo não poderia mais transferir subsídios para as escolas religiosas, ou yeshivas, que matriculam estudantes cujo não recrutamento não era mais legal.

Apesar de a isenção concedida aos ultraortodoxos ser há muito tempo uma fonte de insatisfação para os israelenses seculares, o descontentamento com o tratamento especial dado ao grupo aumentou com a continuidade da guerra em Gaza, que vai entrar em seu nono mês, exigindo que dezenas de milhares de reservistas sirvam em múltiplas rodadas e ao custo de centenas de vidas de soldados.

O Supremo Tribunal israelense ainda argumentou que, em meio à guerra, a situação da isenção criava uma desigualdade perigosa para o país.

“Na situação atual, o descumprimento da lei do serviço militar cria uma grande discriminação entre aqueles que são obrigados a fazê-lo e aqueles para quem não são tomadas medidas para os mobilizar”, argumentou o Supremo Tribunal. “Neste momento, no meio de uma guerra difícil, o fardo dessa desigualdade de encargos é mais acentuada do que nunca — e exige a aplicação de uma solução duradoura para a questão”, escreveram os juízes em sua decisão.

O debate foi retomado após o Parlamento israelense ter relançado, em 11 de junho, um projeto de lei com vista ao alistamento progressivo dos ultraortodoxos nas Forças Armadas. Opositores apontam que o texto debatido pelo Parlamento, criticado pelo ministro da Defesa, Yoav Gallant, está longe de responder às necessidades do Exército por mais militares.

A determinação da Suprema Corte expõe as fragilidades da coalizão de Netanyahu, que depende do apoio de dois partidos ultraortodoxos para permanecer unida. O premier israelense pediu por uma legislação que em geral mantivesse a isenção aos estudantes religiosos. Se permitir que ela termine, arrisca uma revolta dos partidos ultraortodoxos, mas, se avançar com o plano de transformar em lei a isenção, membros seculares poderão romper com a coligação em meio à crescente insatisfação com a estratégia da guerra em Gaza.

A decisão da corte desatou críticas imediatas dos políticos ultraortodoxos, que prometeram se opor a ela.

“O Estado de Israel foi criado para ser lar dos judeus, para quem a Torá é a base de sua existência. A Torá Sagrada prevalecerá”, disse Yitzhak Goldknopf, ministro e chefe do partido ultraortodoxo Judaísmo da Torá Unificada, descrevendo a decisão como “muito infeliz e decepcionante”.

Cerca de 1 mil homens Haredi servem atualmente de forma voluntária no Exército — menos de 1% de todos os soldados —, mas o ataque liderado pelo grupo terrorista Hamas em 7 de outubro de 2023 parece ter estimulado um sentimento de destino compartilhado de parte dos segmentos do público Haredi com os israelenses laicos: mais de 2 mil Haredi procuraram se alistar nas primeiras dez semanas da guerra, de acordo com estatísticas militares. (Com NYT e AFP)

Fonte: O Globo

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