Super Terça: Foco de eleitores no presente, e não no passado, favorece Trump em futuro embate com Biden

Manifestantes reunidos em frente ao Capitólio dos EUA. Protesto foi convocado pelas redes sociais, e tenta pressionar os republicanos para que apoiem a iniciativa do presidente para derrubar os resultados do Colégio Eleitoral
Manifestantes reunidos em frente ao Capitólio dos EUA. Protesto foi convocado pelas redes sociais, e tenta pressionar os republicanos para que apoiem a iniciativa do presidente para derrubar os resultados do Colégio Eleitoral — Foto: Samuel Corum / AFP

Enquanto o ex-presidente Donald Trump busca enterrar a pré-candidatura de Nikki Haley na Super Terça, sedimentando ainda mais o caminho para a nomeação republicana e a provável disputa com o presidente democrata Joe Biden, ele pode contar com um aliado inesperado: a memória dos americanos. Mais de três anos depois do fim de sua Presidência, pesquisas indicam que as visões dos eleitores sobre as políticas adotadas por Trump mudaram para melhor, algo que não surpreende os cientistas sociais. Em uma era de hipersectarismo, há pouco espaço para a formação de uma memória coletiva consensual, mesmo sobre eventos que ocorreram à vista de todos — como a invasão do Capitólio por uma turba trumpista em 6 de janeiro de 2024.

Enquanto Biden tenta centrar suas críticas nos erros do mandato de seu antecessor, os eleitores dos estados-pêndulo (em que não há preferência eleitoral definida) parecem favorecer o republicano ao basear suas decisões no presente, e não no passado. Uma pesquisa do NYTimes/Siena College indica que 10% daqueles que votaram em Biden em 2020 dizem agora apoiar Trump, enquanto quase nenhum daqueles que votaram em Trump mudou o voto para Biden. Segundo a pesquisa, as políticas adotadas por Trump são vistas de forma mais favorável que as do atual presidente.

“Lembre-se de como você se sentiu no dia seguinte à eleição de Donald Trump como presidente em 2016”, escreveu a campanha de Biden em um apelo para arrecadação de fundos no mês passado. “Lembre-se de andar por aí sem acreditar e com medo do que estava por vir.”

Há ainda outro fator na conta: a idade dos eleitores. As pesquisas indicaram que Trump fez avanços com aqueles que talvez fossem jovens demais para lembrar vividamente de seu primeiro mandato. Quase 4,2 milhões de jovens de 18 anos entraram na idade de votar este ano, estando na metade do ensino fundamental quando Trump foi eleito pela primeira vez. As pesquisas sugerem que eles se desiludiram com Biden em parte devido ao seu apoio a Israel durante o conflito em Gaza, favorecendo Trump nessa questão — apesar de Trump também ter sido um forte aliado de Israel durante seu mandato anterior.

— O que tem sido claro há algum tempo, especialmente entre os eleitores indecisos, é que Biden está mais em evidência no momento — disse Sarah Longwell, uma consultora republicana que se opõe a Trump e conduziu dezenas de grupos de discussão com eleitores conservadores e indecisos nos últimos meses. — Eles sabem do que não gostam em Biden e esqueceram do que não gostam em Trump.

Um exemplo é Ian Barrs, um funcionário de uma funerária em Atlantic, Iowa, que observa que os apoiadores de Trump tendem a esquecer o ano de 2020 e a pandemia, lembrando os anos anteriores do mandato do republicano como “tempos melhores”.

— Eu não culpo Trump pela Covid — disse Barrs ao NYT. — Mas todas essas coisas, os bloqueios, aconteceram sob o governo de Trump.

É comum para os americanos se lembrarem com “afeto” dos ex-presidentes. Uma análise do Gallup em junho passado, por exemplo, revelou que 46% dos adultos aprovavam a gestão de Trump durante sua Presidência, enquanto sua taxa de aprovação ao deixar o cargo era de 34%.

Para o professor de Psicologia Política Andre Franks, da Universidade de Washington, o ritmo frenético dos anos Trump fez com que muitos americanos se tornassem obsessivos por notícias sobre ele ou se desligassem completamente. Tal ambiente, ele diz, criou um tipo de entorpecimento que nem mesmo as 91 acusações criminais ou as recentes penalidades civis por difamação e fraude de Trump conseguem romper o ciclo.

— Informações negativas sobre Trump já não são mais distintas; elas são comuns. Isso se torna uma resposta emocional condicionada, na qual ou você sente alegria e admiração ou nojo e raiva ao ver o rosto dele — disse.

Ross Kuehne, independente de Candia, New Hampshire, que apoiou Haley, rival de Trump na nomeação republicana, disse que se lembra de ter ficado sobrecarregado durante o mandato de Trump:

— Havia muito para acompanhar. Era como esperar um ônibus. Por que ficar indignado com uma coisa quando haverá algo novo em 15 minutos? — disse ele, que planeja agora votar em Biden.

Perguntado sobre o que ele lembra agora sobre o republicano, Kuehne listou uma série de momentos que considerava pontos baixos: por exemplo, Trump e sua “grande amizade” com o líder norte-coreano, Kim Jong-un. Trump descrevendo “pessoas muito boas dos dois lados” em um comício supremacista branco em Charlottesville, Virgínia. Seus apoiadores invadindo o Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

Mas deixou de fora uma série de outras polêmicas, como a gravação de Trump dizendo que poderia “agarrar as mulheres pelos genitais”. Ou elogiando os serviços de inteligência russos. Separando crianças de seus pais na fronteira mexicana. Sugerindo o uso de armas nucleares para interromper um furacão. Ameaçando reter ajuda à Ucrânia se seu presidente não investigasse a família Biden. Sugerindo que pacientes com Covid injetassem alvejante para a cura.

Dentre esses, há os fatos de que os republicanos bem se lembram e que são usados por Trump em campanha, como o mercado de ações em alta; cortes de impostos; saída do Acordo Climático de Paris; abandono do acordo nuclear com o Irã; menos travessias ilegais na fronteira entre os EUA e o México, entre outros.

— A América era mais forte, mais resistente, mais rica, mais segura e mais confiante — disse Trump num comício recente em Rock Hill, Carolina do Sul. — Pensem nisso.

Enquanto isso, Haley, sua única adversária restante no partido, tem dificuldades em fazer essa versão positiva do mandato de Trump ser apagada das mentes de um número suficiente de republicanos.

— Todo mundo fala sobre a economia que teve sob Donald Trump — disse Haley durante um evento de campanha em New Hampshire, em janeiro. — Foi bom, certo? Mas a que custo? Ele nos rendeu dívidas de US$ 8 trilhões em quatro anos. Nossos filhos nunca nos perdoarão por isso.

Para um evento ser lembrado, é necessário que tenha tido relevância para a pessoa em questão. É o que diz James W. Pennebaker, professor emérito da Universidade do Texas, em Austin, que afirma que as pessoas tendem a se lembrar de eventos que afetam suas vidas, enquanto aqueles que são embaraçosos ou refletem negativamente tendem a ser esquecidos.

Pennebaker destaca, ainda, que a polarização política e a fragmentação da mídia impedem os americanos de concordar em fatos estabelecidos, “dificultando a criação de uma memória coletiva compartilhada”. Ele observa a tendência de se exaltar o próprio lado e manchar o do adversário, moldando não apenas o presente, mas também a percepção do passado.

Este fenômeno é evidente na maneira como as pessoas recordam o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro, com republicanos cada vez menos propensos a descrever os invasores como violentos e mais inclinados a absolver Trump de responsabilidade, enquanto democratas continuam céticos quanto à força do ex-presidente nas pesquisas, de acordo com uma pesquisa do Washington Post com a Universidade de Maryland.

Além disso, profissionais democratas expressam preocupação com o apoio aparente a Trump nas pesquisas, sugerindo que é baseado em uma ilusão distorcida do passado e que muitos esqueceram ou minimizaram o impacto prejudicial de suas políticas.

— Você pode olhar para trás e ter esse tipo de amnésia coletiva sobre o quão ruins eram as políticas e o quão prejudiciais eram — disse Lori Lodes, diretora executiva do Climate Power, um grupo de defesa liberal cuja pesquisa revelou que 52% dos eleitores prováveis agora aprovam Trump no cargo. (Jennifer Medina e Reid Epstein, do New York Times.)

Fonte: O Globo

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