Sommeliers de cachaça se igualam aos de vinho e sofisticam consumo da bebida

Mauricio Maia largou a profissão de publicitário e passou a se dedicar ao mercado da cachaça, exercendo a função de sommelier de cachaças desde 2009
Mauricio Maia largou a profissão de publicitário e passou a se dedicar ao mercado da cachaça, exercendo a função de sommelier de cachaças desde 2009 — Foto: Ana Branco / Agencia O Globo

Com diferentes cores, aromas e sabores, a cachaça é um patrimônio histórico e cultural que só há no Brasil mas que tem ganhado notoriedade mundial. O crescimento da boa fama — a bebida já foi sinônimo de baixa qualidade — foi impulsionado pelos sommeliers de cachaça, uma especialidade que já é reconhecida como profissão.

Engana-se quem pensa que ser sommelier de cachaça é sinônimo de se embriagar. Uma das premissas da atividade é incentivar o consumo consciente a partir do lema “beber menos e com mais qualidade”.

Há 14 anos, Maurício Maia largou o trabalho de publicitário para se dedicar à sommelieria, antes apenas um hobby. A paixão veio das lembranças da família reunida com uma garrafa ao centro da mesa, celebrando com altas gargalhadas, em Porto Ferreira (SP). Maia conta que foi preciso muito investimento em cursos e viagens nacionais e internacionais a alambiques para se especializar.

— Quando passei a me interessar pelo assunto, 30 anos atrás, praticamente não existiam informações. Isso passou a mudar na década passada. Em 2021, participei da regulação da profissão — relata o sommelier de 53 anos. — Aprender a degustar uma cachaça e saber contar a história por trás dela é satisfatório

No ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que inclui especialistas em cervejas, cachaças e outras bebidas alcoólicas na regulamentação da profissão de sommelier. Para exercer a profissão, basta o registro na Delegacia Regional do Trabalho competente.

É função do profissional ensinar a história da bebida e os diferentes tipos de destilados, seu processo de produção e suas características sensoriais, além da seleção de marcas e de produtores para sugerir a restaurantes e bares. E divulgar pequenos segredos. Como, por exemplo, explicar aos clientes que basta deixar a cachaça de jambu por cinco segundos na boca para sentir o prazer que o formigamento gerado pelo espilantol — propriedade principal da fruta — proporciona.

A cachaça é o terceiro destilado mais consumido no mundo e movimenta R$ 15,5 bilhões anualmente no Brasil — montante que poderia ser ainda maior, caso fosse explorada ao máximo a capacidade produtiva da bebida. Segundo o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), o país consegue um volume de produção de 1,2 bilhão de litros por ano, mas atualmente fabrica cerca de 800 milhões de litros.

O mercado é responsável por 600 mil empregos, de acordo com o instituto. A renda base de um sommelier iniciante varia de R$ 2 mil a R$ 5 mil. Para o diretor executivo do Ibrac, Vicente Ribeiro, o reconhecimento destes profissionais contribui para a cultura e economia do país.

— A crescente formação de sommeliers de cachaça tem sido muito importante para consolidar a cachaça na coquetelaria. Adiciona valor nos estabelecimentos, bares, restaurantes, clubes, hotéis, além de estimular o turismo — defende.

“Cachaça” é a denominação exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, tendo como matéria-prima o mosto fermentado do caldo da cana-de-açúcar, com teor alcoólico de 38% a 48%. Diferenciando-se de outros destilados, é a única que usa mais de 30 tipos de madeira para armazenamento e envelhecimento, o que confere uma variedade de cores, aromas e sabores.

A cachaça é o primeiro destilado das Américas. Documentos do século XVI apontam que a versão mais provável é de que a pinga tenha sido destilada, pela primeira vez, em 1516, na Feitoria de Itamaracá — primeira estrutura de defesa fixa portuguesa no litoral de Pernambuco.

Por séculos, a bebida foi consumida apenas por homens. Atualmente, os sommeliers têm buscado maior igualdade de gênero na função. Mas ainda há muito a ser feito, de acordo com a historiadora Etienne Meira, que há 20 anos atua na área.

— O mercado está mudando bastante. Mas uma mulher sommelier precisa ser extraordinária para conseguir ter metade das oportunidades de um homem mediano no assunto. Quando comecei na área era uma menina, na faculdade, e sofri muito assédio. As pessoas me confundiam com garçonetes, e quando descobriam que era a sommelier, exigiam um homem no lugar — relata a paranaense.

Outra ideia machista é determinar o que é “bebida de mulher”, ao associá-las às aguardentes com baixo teor alcoólico e mais adocicadas. A empresária Rosana Romano fundou há sete anos a Confraria Mulheres da Cachaça, que já conta com mais de 500 integrantes.

— Temos produtoras, fornecedoras de insumos, pesquisadoras, médicas, engenheiras e mulheres de vários outros segmentos — relata Romano, que também é dona de um alambique em Minas Gerais.

Em todo o território brasileiro, os mineiros são destaque, com metade da produção certificada do país e 353 alambiques. A influência é tamanha que a cada dois anos Belo Horizonte recebe a Expocachaça, a maior feira mundial da bebida. A 33ª edição começou no dia 4 e termina amanhã.

O sommelier Albert Coelho começou na profissão em 2020 e este ano é jurado das bebidas examinadas na feira. Cerca de 250 expositores e mais de 2 mil produtos, entre bebidas e comidas, de 19 estados, estão disponíveis.

— Estamos oferecendo uma experiência de coquetelaria com drinks exclusivos — comenta.

Na avaliação, os profissionais têm como base estudos que categorizam cada tipo de destilado. Para que a degustação seja a mais pura possível, eles não usam perfume ou batons, e fazem a prova em locais sem influência de cheiro externo.

Produzida pela família que tem entre seus antepassados Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, no mais antigo alambique em atividade no Brasil. A bebida é branca, potente, perfumada e saborosa.

Uma marca emblemática da região de Salinas (MG). Destaca-se pelo uso equilibrado dos tonéis de bálsamo. A madeira é uma das usadas para envelhecer a bebida. A madeira transfere aromas intensos.

Tem como carro-chefe a sua cachaça branca armazenada em antigas dornas (recipientes de madeira semelhante a bacias) de jequitibá com capacidade para mais de 10 mil litros, o que deixa a bebida macia e saborosa.

Traz nos seus produtos a tradição alemã na produção de destilados. Com bom uso dos barris de madeiras, é suave e macia.

Produzida pela mulher que dá o nome da marca, a partir da cana-de-açúcar plantada no Sítio Santo Antônio, de sua propriedade, na Baía de Paraty, no Litoral Sul do Estado do Rio de Janeiro.

Fonte: O Globo

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