Setor aéreo precisa de empresas fortes, não de monopólio

Avião da Gol com Anderson Torres pousa em Brasília
Articulistas afirmam que potencial fusão da Gol com suas atuais concorrentes criaria duopólio do mercado e elevaria tarifas de passagens aéreas; na imagem, avião da Gol em pista do aeroporto de Brasília

O governo tem em mãos um dos mais importantes projetos para o setor aéreo brasileiro, o Voa Brasil, para oferecer mais de 5 milhões de passagens aéreas a baixo custo. Entretanto, o lançamento do programa foi mais uma vez adiado e espera nova data para seu lançamento. 

O problema é que a crise de algumas das empresas brasileiras não pode mais esperar e esse programa seria fundamental para ampliar a capacidade de ocupação e expansão das rotas, como estímulo saudável à concorrência e competitividade no setor. 

A busca de solução para essa situação é urgente, mas não deve vir mediante subsídios públicos ou por fusões das grandes empresas. Isso porque empresas de grande escala e atuações relevantes, como são as 3 principais do nosso mercado aéreo, podem recorrer à fusão ou aquisição sob o argumento falacioso de que só assim poderá melhorar a competitividade do segmento. Em verdade, isso só resultará em duopólio e eliminação da concorrência.

Subsídios não resolverão o problema. Não é o cidadão que deve arcar com a recuperação das perdas financeiras dos acionistas da companhia. Resta saber como proteger o consumidor brasileiro contra uma possível concentração no setor.

Os rumores da venda da Gol para alguma das empresas brasileiras é uma péssima notícia para o mercado da aviação civil. É um caso que merece acompanhamento atento pelo Cade(Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e pelas demais autoridades para evitar concentração e cartelização do mercado, ou lastimável duopólio, em um mercado já altamente concentrado. O resultado seria um impacto direto nos preços das passagens, cuja conta será paga pelos usuários, pelo turismo e pela economia. Ao fim e ao cabo, só quem perde é o consumidor.

Com o agravamento da crise financeira enfrentada pela GOL, que passa por um novo capítulo, depois do pedido de proteção contra credores (o chamado “Chapter 11”), perante o Tribunal de Falências do Distrito Sul de Nova York (EUA), abre-se um debate sobre a necessária (e saudável) concorrência no setor aéreo brasileiro. 

Instituto similar ao da recuperação judicial, o Chapter 11 permite à empresa, com tutela judicial e maior flexibilidade, buscar a renegociação de suas dívidas, obtenção de novos financiamentos e reorganização de sua operação e suas finanças. Tudo isso, com a continuidade de suas operações. 

O desejo é que a Gol Linhas Aéreas, que sempre foi uma excelente empresa aérea, recupere sua plena capacidade financeira e volte a ser uma empresa competitiva, sem precisar recorrer à concentração de mercado ou a reduções das suas atividades. Para tanto, ela precisará de tempo e de condições para negociar suas dívidas com os credores.

Em 2020, a Latam fez uso do Chapter 11, cujo processo se encerrou em 2022, período de gravíssima dificuldade para o setor, com a retomada da saúde financeira da companhia e crescente ganho de escala. Tornou-se não só a maior da aviação interna, como também expandiu seus voos internacionais, o que demonstra que uma gestão qualificada e criativa será sempre o mais indicado dos bons remédios para “salvar” quaisquer empresas.

O setor aéreo brasileiro é robusto e de demanda crescente. Em 2023, foram transportados mais de 112 milhões de passageiros, de modo que o setor atingiu 95% da movimentação registrada em 2019. Em relação a 2022, houve aumento de 15,3% no total de passageiros movimentados. 

Desde a saída do mercado da Avianca que, segundo dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), controlava 13,4% do mercado doméstico de transporte aéreo de passageiros em 2018, o mercado se concentrou nas 3 mencionadas companhias aéreas: Latam, Gol e Azul

Em levantamento da Anac, em dezembro de 2023, a Latam controlava 38,7% do mercado doméstico, ao passo que a GOL e Azul controlavam, respectivamente, 33,3% e 27,5%. Do total, resta apenas 0,5% fora do controle das 3 companhias.

Basta pensar que, caso a fusão da Gol com uma de suas concorrentes se concretize, a empresa resultante terá participação acima de 60% em mais da metade dos maiores aeroportos do país. Não é pouco. Isso levará a severos aumentos de preços e reduções de acesso a viagens, em contrariedade com tudo o que o governo planeja neste momento. 

Em países da Europa, vê-se uma elevada concentração de mercado na aviação civil. Mas não é algo comparável ao Brasil, pela pequena extensão territorial de países como França, Itália ou Portugal, que resulta em um baixo volume de voos internos, e pelo uso de outros meios de transporte, sobretudo o ferroviário. 

Nos Estados Unidos, cuja extensão territorial se assemelha melhor à brasileira, o mercado doméstico de voos comerciais é diluído. Segundo o Departamento de Transporte do país, em 2023, o mercado era dividido entre diversas companhias diferentes. A que tem maior participação de mercado é a Delta Airlines, com 17,8%, seguida da American Airlines, com 17,2%, da Southwest Airlines, com 17,2%, e da United Airlines com 16,0%. Os 31,8% restantes repartem-se em mais de 10 companhias diferentes.

Não seria a primeira vez que uma operação de concentração no setor aéreo brasileiro interferiria negativamente no preço das passagens. A compra da Webjet, em 2012, pela Gol atingiu diretamente os consumidores. Um estudo (PDF – 1MB) realizado em 2023 pelo Departamento de Estudos Econômicos do Cade analisou a variação de preços nas rotas em que havia risco de entrada pela Webjet antes e depois da operação. Constatou-se que, com a fusão e consequente saída da Webjet do mercado, houve um aumento de preços de 7,68% a 16,42%.

Logo, nem fusão, nem subsídios governamentais. Nenhuma dessas alternativas resolverá a crise financeira da Gol ou de qualquer outra empresa do setor. Por isso, compete ao Cade acompanhar com lupa uma eventual tentativa de fusão da Gol por suas concorrentes, dada a potencial contrariedade ao interesse público e à economia nacional.  

A livre concorrência, determinada no artigo 170, inciso 4 da Constituição, é um princípio fundamental. Por isso, abusos do poder econômico tendentes à dominação do mercado, à eliminação da concorrência ou que resultem no aumento arbitrário de lucros, de fato, merecem atuação do Cade, por contrariar os valores que regem a ordem econômica.

As transformações nas estratégias das empresas explicam a sanha das fusões e aquisições. O rentismo exercita seus propósitos ao se beneficiar de um ativo existente –criado com os esforços e incertezas do investimento em nova capacidade– agora destinado a propiciar uma renda monopolista. 

A onda de fusões e aquisições obedece à lógica patrimonialista e rentista do moderno capital financeiro, em seu furor de aquisições de ativos existentes. Nada tem a ver com a qualidade dos serviços prestados, mesmo porque os exemplos são péssimos. Em geral, no mundo, declinou a qualidade dos serviços prestados pelas empresas adquiridas na fúria concentradora, declínio acompanhado pelo aumento de tarifas e pela deterioração dos trabalhos de manutenção.

Trata-se, fundamentalmente, de um movimento típico do capitalismo monopolista e comandado pelo poder do dinheiro que circula livremente mundo afora. Quem não consegue engolir o concorrente corre o risco de ser deglutido por ele.

A experiência internacional mostra que, depois de um período breve de “concorrência”, as empresas tendem a fundir-se, provocando uma enorme concentração do capital e produzindo situações de monopólio, com graves implicações para a fixação de tarifas e para a qualidade do serviço.

Por todos esses motivos, para aumentar a competitividade no setor aéreo será preciso:

Daí, a importância de programas de estímulo, como o Voa Brasil, que precisa entrar em funcionamento o mais rápido possível.

Fonte: Poder360

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