Saiba o que é Amacro, região que concentra mais mortes por conflitos fundiários no campo em 2023

Conflito fundiário entre MST e uma fábrica de Suzano, no Sul da Bahia, parou na justiça
Conflito fundiário entre MST e uma fábrica de Suzano, no Sul da Bahia, parou na justiça — Foto: Divulgação/MST

Fronteira do desmatamento entre 32 municípios do Amazonas, Acre e Rondônia, a região Amacro concentrou o maior número de mortes por conflitos no campo em 2023, de acordo com relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O levantamento divulgado nesta segunda-feira aponta a ocorrência de oito casos na localidade no ano passado. Segundo o RAD 2022, a Amacro teve 231 mil hectares de área desmatada, 11,3% do total verificado no país e 19,4% do que foi perdido na Amazônia.

O estudo aponta que o número de conflitos no campo bateu recorde no ano passado. Em 2023, foram registrados 2.203 conflitos, como invasões, mortes, agressões e destruição de pertences, quantidade 7% maior que 2022 e 57% superior a 2014. Mas houve redução do número de assassinatos, de 47 para 31 casos de um ano para o outro. A maior parte das vítimas eram indígenas, com 14 mortes.

Os dados de 2023 superaram o recorde anterior, de 2020, quando houve registro de 2.130 ocorrências pela CPT. Desde 2016, a estatística fica acima de 1,5 mil casos de violência por ano. O relatório também mostrou que 218 pessoas foram ameaçadas de morte e 66 foram vítimas de tentativa de homicídio.

— Embora o número de assassinatos tenha reduzido, a gente fica assustado com a quantidade de pessoas que perdem a vida no combate da preservação da terra, do seu território — disse Dom José Ionilton, bispo da Prelazia de Itacotiara (AM), presidente da CPT e secretário da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil).

Mais de 950 mil pessoas que viviam em 54 milhões de hectares de terra estiveram envolvidas nos conflitos, segundo o levantamento. Além da disputa fundiária (72%), outras causas de confrontos são disputa por água, condições de trabalho (em geral associado a casos análogos a escravidão) e ações de resistência, como protestos contra o marco temporal indígena, tese que limita as demarcações a partir das terras ocupadas em 1988, e por reforma agrária.

Houve 554 casos de violência contra pessoas, atingindo 1.467 indivíduos. A CPT contabilizou nove mortos sem-terras e três quilombolas, além dos 14 indígenas.

A CPT aponta o avanço da concentração de terra, da exploração mineral e do agronegócio como os principais responsáveis pelo crescimento dos conflitos no campo, além do discurso conservador e violento capitaneado pelo bolsonarismo. Mas Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT, cobrou o governo Lula no lançamento do relatório.

— Estamos em um governo dito parceiro dos povos do campo, mas os dados são recorde — lembrou. — As ações do governo começaram com lentidão. Ao mesmo tempo, o Brasil sofre um avanço do capital sobre áreas de comunidades tradicionais que nunca tiveram suas terras regularizadas. Tivemos mais de 300 invasões em territórios indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais.

Os estados com o maior número de conflitos por terra no ano passado foram a Bahia (202), o Pará (183) e o Maranhão (171). Isolete lembrou que foi na Bahia que surgiu o Movimento Invasão Zero, para coibir ocupações. Em janeiro, Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó, foi morta a tiros durante uma ação do movimento que tentou retirar pataxós hã hã hãe de uma fazenda em uma área reivindicada pelos indígenas no Sul da Bahia.

— É uma região de conflitos latentes — afirmou a integrante da CPT sobre o estado.

Os maiores autores das violências, segundo o relatório, são fazendeiros, empresários, governo federal, grileiros e governos estaduais. A falta de titulação de terras indígenas ou quilombolas e de desapropriação de latifúndios para a reforma agrária são situações que fazem os governos serem categorizados como omissos e coniventes, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra.

Depois de o presidente Lula ter anunciado na semana passada o programa Terra da Gente para acelerar o processo de reforma agrária, como um aceno ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, mais oito áreas foram invadidas. A ocupação mais recente foi domingo, no Piauí, quando cerca de 80 famílias invadiram uma fazenda no município de Miguel Leão, a 80km de Teresina.

O número de ocupações do MST chegou a 32 na segunda-feira, dentro das ações programadas pelo Abril Vermelho, que o movimento faz todos os anos para lembrar o massacre de Eldorado dos Carajás em 1996. A expectativa é de que a quantidade chegue a 50 até o fim do mês.

O MST promoveu invasões em 15 estados este mês: Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, São Paulo e Sergipe.

Segundo o MST, o governo só teria assentado 1.450 famílias ligadas ao movimento, e outros dados apresentados pelo governo para indicar avanços na política agrária são apenas de reconhecimento de direitos de integrantes que já ocupavam terras e só foram cadastrados recentemente. Outra queixa do MST é que o orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) está abaixo da média dos demais governos liderados pelo PT.

Quando lançou o programa, no dia 15, Lula disse que queria reforma agrária fosse realizada no país “sem muita briga”. Integrante da direção nacional do MST, Ceres Hadich, diz ser insuficiente o programa lançado pelo presidente, que visa a beneficiar 295 mil famílias até 2026.

— Esperamos que o programa nos ajude a acelerar de fato um processo de consolidação de uma reforma agrária. Mas a gente sabe também que ele em si não é suficiente para contemplar todas as dimensões da reforma agrária popular — criticou a militante sem-terra.

Fonte: O Globo

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