Retirada de invasores de terras indígenas trava, e governo tem dificuldades para cumprir determinação do STF

Operação realizada pelo Ibama em maio na Terra Indígena (TI) Apyterewa, no Pará, com o objetivo de conter danos ambientais em 30 áreas sob alerta de desmatamento ilegal desmobilizou mais de 20 acampamentos e estruturas de apoio usados pelos criminosos
Operação realizada pelo Ibama em maio na Terra Indígena (TI) Apyterewa, no Pará, com o objetivo de conter danos ambientais em 30 áreas sob alerta de desmatamento ilegal desmobilizou mais de 20 acampamentos e estruturas de apoio usados pelos criminosos — Foto: Ibama

O governo federal já retirou invasores de três terras indígenas desde o ano passado, mas enfrenta desafios para fazer o mesmo em outros territórios pela complexidade da operação e limitações orçamentárias e de pessoal. A prioridade estabelecida pela gestão de Luiz Inácio Lula da Silva é cumprir a determinação de 2020 do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, pela proteção e remoção de assentados em sete territórios mais críticos do país. A avaliação de pessoas diretamente envolvidas nas operações, no entanto, é que é difícil conseguir cumprir a ordem.

Dois territórios que constam na determinação do ministro, Apyterewa e Trincheira Bacajá, foram recentemente desocupados, bem como o território Alto Rio Guamá. Estima-se, contudo, que cerca de outras 60 regiões podem ser alvo de determinações judiciais, como a de Barroso há dois anos. Para este ano, o governo espera finalizar a chamada desintrusão (retirada dos invasores) no território Yanomami e em Manduruku, no Pará.

Em meio às dificuldades, o governo precisou apresentar ao STF um novo plano para ampliar o prazo inicialmente estabelecido pelo STF, considerado “inviável” por integrantes do governo. A estratégia para ganhar tempo foi apresentar medidas para mitigar as ações ilegais e evitar a ampliação do número de invasores nas terras que aguardam na fila para serem desocupados. Para isso, o governo também precisa contar com efetivos de força de segurança, como a Polícia Federal e a Força Nacional, para ações de fiscalização e monitoramento.

O governo precisa também garantir a permanência do efetivo no território já desocupado, para evitar o retorno dos invasores, como aconteceu com a terra Ianomami no final do ano passado. É preciso ainda desenvolver ações ambientais para o território, como retomar o modo de vida das comunidades e garantir que ocupem e usem toda a terra. Em alguns locais, essa tarefa é ainda mais complicada por se tratar de povos de recente contato, como em Apyterewa.

Diante desse cenário, o efetivo se torna um limitante. A avaliação é que, conforme as operações vão se desenvolvendo, os “gargalos” vão aumentando, já que é necessário ir deixando equipes para trás.

Outro fator que limita uma ação coordenada é o orçamento. Até o momento, o governo precisou de R$ 1,7 bilhão para as desocupações realizadas até este ano, boa parte liberado por crédito extraordinário em razão da decisão do Supremo. A partir de agora, a aposta é que a verba precisará vir por meio dos órgãos envolvidos, com orçamentos mais limitados.

Apesar da repercussão da desocupação da terra indígena Yanomami, na mira de garimpeiros, outros territórios também têm um histórico de conflitos e ocupações ilegais organizadas, como exploração de gado, plantações de maconhas e vilas de invasores altamente organizadas.

Em Apyterewa, considerada a operação mais complexa depois da Ianomami, o governo encontrou cerca de 60 mil cabeças de gado, avaliadas em R$ 200 milhões. Além disso, havia um centro de organização para lotear, vender e fazer negócios dentro da terra indígena, conhecido como Vila Renascer. Lá, os invasores usavam energia elétrica roubada, além de internet e uma infraestrutura razoável, com a construção até de bares.

A região foi construída próxima das bases da Funai e da Força Nacional, o que resultava em conflitos frequentes entre agentes e invasores. Durante o processo de retirada, o governo identificou que a vila servia também como um ponto de apoio para demarcar o espaço de ocupação.

Com isso, inúmeras pessoas eram remuneradas para acampar na vila e dificultar o processo de saída. Em certos momentos, fazendeiros mandavam bois inteiros para os invasores passarem longos períodos fazendo churrasco.

Ao todo, nove mandados de prisão foram cumpridos na retirada de pessoas de Apyterewa. Lá, o governo identificou o núcleo mais organizado de invasores entre as três terras desocupadas. Além de associações para arrecadações de dinheiro, que custearam, por exemplo, advogados, havia até postos de gasolinas instalados dentro da terra indígenas e trabalhadores em situação análoga à escravidão.

Houve ainda uma pressão por parte das prefeituras próximas à terra indígena, como a de São Félix do Xingu, contra o processo de desintrusão. O envolvimento de prefeitos e vereadores se acirra em períodos eleitorais, quando a ocupação desses espaços passa a ser usado como instrumento eleitoral.

Integrantes do governo apontam que é esperado um tensionamento com os candidatos em períodos de eleição e que muitas vezes isso pode resultar no retorno de alguns invasores.

Em Alto Rio Guamá, a única que não consta na decisão do Barroso, o governo também identificou envolvimento de prefeituras na ocupação ilegal do espaço. O município de Viseu, localizado no arredor da terra indígena no Pará, chegou a construir uma escola dentro do território.

Nessa terra indígena, o perfil de exploração era para o plantio, com áreas destinadas ao cultivo de pimenta do reino e açaí. As construções encontradas pelo governo eram voltadas para moradia, apesar da existência do garimpo em algumas épocas do ano. Além de uma ampla produção de cabeças de gado, o governo também identificou cerca de 40 mil pés de maconha na região.

Fonte: O Globo

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