Resgate de reféns contou com agentes israelenses infiltrados em Gaza, diz jornal

Almog Meir Jan, de 22 anos, sendo abraçado no Centro Médico Sheba Tel-HaShomer, após seu resgate da Faixa de Gaza pelo exército israelense, em Ramat Gan
Almog Meir Jan, de 22 anos, sendo abraçado no Centro Médico Sheba Tel-HaShomer, após seu resgate da Faixa de Gaza pelo exército israelense, em Ramat Gan — Foto: AFP

Uma equipe de agentes israelenses se infiltrou na cidade de Nuseirat, na região central da Faixa de Gaza, e foi fundametal para o mais recente resgate de pessoas sequestradas pelo Hamas no dia 7 de outubro do ano passado. Segundo o jornal israelense The Jewish Chronicle, a ação começou no dia 12 de maio, quando Israel recebeu informações sobre a localização de quatro reféns. A partir de então, a inteligência de Israel concentrou suas ações na região “24 horas por dia, 7 dias por semana, para localizar a localização exata” dos sequestrados.

A equipe passou a recolher informações com habitantes locais e observar a área. Após um trabalho intenso, realizado ao longo de 19 dias, os agentes compilaram os dados colhidos, chegando a “informações sólidas” sobre onde estariam os quatro sequestrados. Segundo a publicação, Noa Argamani estava detida no primeiro andar de um prédio e os outros três reféns estavam no terceiro andar de outro, 800 metros de distância um do outro.

Em junho, essa informação foi levada ao Gabinete de Guerra, que consultou outras entidades do governo para saber de que maneira deveria agir, em plano que se mantinha restrito a um número muito reduzido de pessoas. A última ação preparatória consistia em enviar novos agentes (incluindo mulheres disfarçadas com hijabs e longos vestidos pretos) a Nuseirat, onde eles chegaram com dois carros “velhos e baratos” e carregando utensílios domésticos, imagem caracterísitca das famílias locais.

Alegando estarem fugindo de “bombardeios mortais” em Rafah, os infiltrados conseguiram um imóvel de aluguel, muito próximo ao local onde estavam os sequestrados. Após conhecerem o local, fazendo compra em mercados locais, por exemplo, usando o que foi descrito pelo The Jewish Chronicle como um “árabe fluente” as equipes que estavam nas ruas voltaram e começaram a compilar as informações.

Com a confirmação de onde os quatro reféns estavam detidos, o comandante da equipe confirmou a Israel que os locais estavam corretos. Vinte e oito combatentes do “Yamam”, unidade de comando especializada no combate a terroristas e no resgate de reféns, “começaram a treinar em dois modelos especialmente construídos que reproduziam os dois edifícios onde os reféns estavam detidos”, segundo o The Jewish Chronicle.

Após três dias de treinamento, o comandante da força comunicou o Chefe do Estado-Maior das FDI, Herzi Halevi, que então informou o Ministro da Defesa, Yoav Gallant, que estavam prontos para realizar a operação, com o primeiro-ministro Benjamim Netanyahu tendo sido informado e dado, em seguida, permissão para a operação.

No dia do ataque, “os comandos receberam a ordem de avançar e invadir os dois edifícios simultaneamente e em total coordenação, para evitar que os terroristas colocassem em perigo os reféns e toda a operação”.

Os quatro reféns capturados pelo Hamas foram resgatados após a “complexa operação”. Almog Meir Jan, de 21 anos; Noa Argamani, de 26; Andrey Kozlov, de 27; e Shlomi Ziv, de 41, que foram sequestrados durante o festival de música eletrônica Nova, foram encontrados com vida e estão “em boas condições médicas”, de acordo com fontes militares. Um policial israelense morreu durante o resgate, enquanto o gabinete de imprensa do Hamas afirma que, no mesmo local onde foi realizada a operação, 210 pessoas foram mortas e mais de 400 ficaram feridas.

“Noa Argamani (25), Almog Meir Jan (21), Andrey Kozlov (27) e Shlomi Ziv (40) foram resgatados em uma operação especial das FDI, ISA [Autoridade de Segurança de Israel] e Polícia de Israel de dois locais diferentes no coração de Nuseirat, após serem sequestrado pelo Hamas no festival de música Nova. Eles estão em boas condições médicas e foram transferidos para o Centro Médico ‘Sheba’ Tel-HaShomer para exames médicos adicionais. Continuaremos a fazer todos os esforços para trazer os reféns para casa”, anunciou o Exército israelense em uma nota publicada na rede social X (antigo Twitter).

A operação de resgate começou por volta das 11h (05h em Brasília), e contou com apoio de uma equipe de especialistas em situações de resgate dos EUA, alocada em Israel. Inicialmente, uma forte fase de bombardeio aéreo foi lançada sobre a região, seguida por uma fase terrestre. Segundo o relato dos militares, o reféns foram localizados em dois prédios e eram vigiados por homens do Hamas, que reagiram à tentativa de resgate. Os quatro reféns foram retirados do enclave palestino de helicóptero.

— Enquanto estavam sob fogo no interior dos edifícios, sob fogo na saída de Gaza, as nossas forças resgataram os nossos reféns. A mensagem desta manhã para o Hamas é clara: estamos determinados a trazer todos os reféns de volta para casa — afirmou o porta-voz das FDI, o contra-almirante Daniel Hagari.

Equipes de um hospital local relataram a repórteres da mídia internacional que dezenas de palestinos foram mortos nos bombardeios e que precederam a atividade terrestre. As enfermarias e corredores do hospital estavam lotados de feridos, disse um funcionário de saúde ao New York Times.

Em um comunicado em paralelo, a Polícia Nacional de Israel confirmou a morte do inspetor-chefe Arnon Zamora, comandante e membro da equipe tática da Yamam, a unidade antiterrorismo da organização. Sem dar maiores detalhes, a autoridade policial informou que Zamora foi gravemente ferido durante a operação e não resistiu aos ferimentos. A autoridade policial lamentou o ocorrido e chamou o inspetor de “herói nacional”.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, comemorou o resgate, afirmando que “Israel não se rende ao terrorismo”. Em um comunicado, o premier disse que as forças de segurança provaram atuar “com uma criatividade e coragem” e que “não conhece limites” a fim de resgatar os reféns. O ministro da Defesa, Yoav Gallant, escreveu: “Noa, Almog, Andrey e Shlomi — estamos muito contentes por ter-vos em casa.” Gallant também saudou o policial morto nas redes, afirmando que Zamora “viveu e se tornou um herói”.

Autoridades de países aliados a Israel também comemoraram o resgate. O chanceler alemão, Olaf Scholz, disse em uma publicação nas redes que o retorno dos quatro reféns é “um importante sinal de esperança”, em particular para as famílias que “continuam a temer por seus entes queridos”. O presidente dos EUA, Joe Biden, que está em Paris para celebrações do Dia D, prometeu trabalhar até que todos os reféns sejam libertados.

— Não vamos parar de trabalhar até que todos os reféns estejam em casa e se chegue a um cessar-fogo. É essencial que isso aconteça — disse Biden, felicitando também os familiares dos reféns.

O resgate de reféns com vida — algo raro desde o começo da guerra — ocorreu um dia após o conflito completar oito meses. Os quatro resgatados foram capturados durante o atentado de 7 de outubro, quando terroristas do Hamas atacaram o sul do território israelense. Eles estavam no festival Nova, de música eletrônica, a poucos quilômetros de Gaza, um dos principais alvos atingidos no ataque.

Mais de três mil pessoas estavam reunidas quando, às 6h29 daquele sábado, homens armados invadiram o evento em carros e parapentes, abrindo fogo contra a multidão. Mais de 360 pessoas morreram e cerca de 40 foram levadas como reféns — no total, os militantes sequestraram 251.

Argamani tornou-se um dos principais rostos do ataque quando vídeos que mostravam a jovem de 26 anos aos prantos na garupa de uma moto começaram a circular na internet.

No registro, a mulher está cercada por homens e faz sinais em direção ao namorado, Avinatan Or, de 30 anos, que está sendo segurado com os braços para trás por um militante. Segundo a BBC, a jovem teria gritado: “Não me mate!”.

Meir Jan, o mais novo do grupo resgatado, estava a caminho do evento quando foi levado como refém, enquanto Ziv, que estava trabalhando como segurança, tentou fugir de carro, mas sem sucesso. O cidadão russo-israelense Kozlov, natural de São Petersburgo, mudou-se para Israel há cerca de um ano e, assim como Ziv, foi sequestrado enquanto fazia a segurança do evento.

Em dezembro, a mãe de Argamani compartilhou um vídeo nas redes apelando para que o Hamas libertasse a filha para que pudesse vê-la novamente. Leora argumentava que “não sabia quanto tempo” de vida tinha, já que sofre com câncer cerebral em estágio quatro. Neste sábado, a jovem reencontrou o pai, Yaakov, com quem posou para uma foto bebendo refrigerante após o resgate.

Ela também foi vista falando ao telefone com o presidente israelense, Isaac Herzog, em imagens transmitidas pela televisão do país. O gabinete do premier, por sua vez, divulgou um vídeo em que Netanyahu conversa com a jovem. Argamani disse estar “muito entusiasmada” para voltar para casa e que “há muito tempo” não conversava em hebraico. Segundo o Times of Israel, Netanyahu também teria visitado a jovem e Kozlov no hospital.

Imagens publicadas na internet mostram Kozlov e Meir Jan chegando a Israel e o momento em que banhistas começam a aplaudir em Tel Aviv após um salva-vidas ter anunciado que os quatro tinham sido resgatados. Durante o reencontro com familiares no hospital, parentes e amigos dos reféns libertados se reuniram do lado de fora da unidade, balançando bandeiras de Israel e segurando fotografias.

Imagens publicadas na internet mostram Kozlov e Meir Jan chegando a Israel e o momento em que um salva-vidas em uma praia de Tel Aviv anuncia o resgate dos quatro, sendo aplaudido por banhistas. Durante o reencontro dos reféns com familiares no hospital, parentes e amigos se reuniram do lado de fora, balançando bandeiras de Israel e segurando fotografias.

O último resgaste de dois reféns com vida ocorreu em fevereiro deste ano, quando os militares libertaram Fernando Simón Marman, de 60 anos, e Norberto Luis Har, de 70, ambos civis e com dupla nacionalidade argentina-israelense, capturados em um kibutz. Na época, a operação contou com bombardeios aéreos e de artilharia, deixando ao menos 67 pessoas mortas e dezenas de feridos, segundo o Ministério da Saúde do enclave.

Em outras operações, os militares repatriaram os corpos de mais de 19 reféns, incluindo o de três reféns mortos “por engano” e o do brasileiro Michel Nisenbaum, de 59 anos, durante uma operação em Jabalia, no norte do território. A região, que já havia sido conquistado por Israel, voltou a ser local de embates entre militares e combatentes, onde acredita-se que células do Hamas estejam se reagrupando.

Além dos reféns, o ataque do Hamas deixou 1,2 mil pessoas mortas. Como resposta, o Exército israelense iniciou uma ofensiva em Gaza, que já deixou mais de 36,8 mil mortos, a maioria mulheres e menores de idade, segundo as autoridades do Hamas.

Mais cedo, antes de anunciarem o resgate, as forças israelenses afirmaram que estavam atacando “infraestruturas terroristas” na região central do enclave palestino. Um funcionário de um hospital de Gaza afirmou que os ataques israelenses em áreas centrais do território, incluindo o campo de Nuseirat, mataram pelo menos 15 pessoas. Vídeo da AFPTV mostrava espessas nuvens de fumaça voando pelo o céu a partir de vários edifícios do campo.

— Intensos ataques aéreos israelenses na província central deixaram pelo menos 15 vítimas e dezenas de feridos que foram levados ao hospital dos Mártires de al-Aqsa — disse à AFP o porta-voz da instalação, o médico Khalil al-Dakran.

Ele ainda afirmou que as vítimas vieram do campo de Nuseirat e arredores, bem como de Deir al-Balah, onde está localizado o hospital. Antes de anunciar as mais de 200 mortes, o Hamas disse em um comunicado que havia “dezenas de corpos de mártires e feridos caídos no chão”. O grupo acrescentou que as forças israelenses estavam envolvidas numa “agressão brutal e selvagem ao campo de Nuseirat”.

Após o ataque, o líder do grupo, Ismail Hanyieh, disse em um comunicado que “nosso povo não se renderá”, acrescentando que “a resistência continuará a defender os nossos direitos face a este inimigo criminoso”.

Nas últimas semanas, o Exército de Israel realizou intensos ataques aéreos e terrestres na região e seus arredores. No da última quinta, militares atacaram uma escola transformada em abrigo gerido pela agência da ONU de apoio aos refugiados palestinos (UNRWA), onde pelo menos 37 pessoas foram mortas. Segundo a UNRWA, todos eram civis, incluindo crianças. Os militares israelenses, no entanto, afirmam ter matado 17 “terroristas” do Hamas e da Jihad Islâmica no local. (Com NYT e AFP)

Fonte: O Globo

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