Renovação política virando à esquerda

Bandeiras Lula Brasília
Pedestres aproveitam o domingo em Brasília (DF) em 7 de janeiro de 2024 durante atos pró-Lula e contra a anistia para os presos do 8 de Janeiro

O ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, em artigo recente, defendeu a necessidade de uma renovação do PT e das esquerdas, a fim de se adaptarem à conjuntura global de hegemonia da direita conservadora. Para Dirceu, é essencial que consigamos arregimentar um bloco social que permita realizar, no governo, as reformas para gerar desenvolvimento econômico e social que foram os marcos dos governos de Lula (2003 a 2010) e de Dilma (2011 a 2016).

Compartilho com o ex-ministro o diagnóstico de nossas dificuldades. Hoje, o cenário para a esquerda no Brasil é muito diferente de 20 anos atrás, quando o PT assumiu pela 1ª vez o governo federal: na última década, a extrema-direita se renovou, oxigenando seu discurso e suas lideranças, enquanto a esquerda precisou cerrar fileiras para se defender do golpe de 2016 e das acusações infundadas da Lava Jato.

Como afirmei em artigo recente neste jornal digital, acredito que isso nos impediu de apresentar projetos consistentes para a população e, ainda que estejamos atualmente no governo federal, estamos em desvantagem na base.

Nesse sentido, é fundamental a promoção de uma renovação nos nossos quadros e ideias, principalmente nas cidades e municípios, base de qualquer projeto político que se pretenda nacional. Vale dizer: a renovação importa não só pelo aspecto geracional –citando Eclesiastes (1:4), as gerações vêm e vão, mas a Terra sempre permanece –mas principalmente pelo aspecto de arejamento de ideias. A maior contribuição que uma nova geração pode trazer para a política é apresentar novas ideias para velhos problemas.

Apresentar novas formas de (re)pensar os desafios do Brasil é o que, ao meu ver, irá diferenciar o projeto do PT e das esquerdas nos próximos 20 anos: se a preocupação da extrema direita é dividir o Brasil entre “nós e eles”, a esquerda precisa se concentrar em oferecer soluções concretas para problemas do cotidiano dos brasileiros.

Esse é, inclusive, o motivo pelo qual acredito que a renovação deve se dar de baixo para cima: nas associações comunitárias e de bairro, câmaras municipais e prefeituras, espaços institucionais que estão, de fato, próximos do dia a dia das pessoas.

É nesses espaços que precisamos apresentar novas ideias para problemas locais, que não são tão “sexys” quanto os grandes debates nacionais. Pensar em uma política de transporte público, por exemplo, não gera tanto engajamento quanto se discutir as medidas econômicas ou a condução da diplomacia pelo governo federal.

Ainda assim, debater como melhorar o transporte coletivo nas nossas cidades –em regra, caro, ruim e poluente– é essencial para a maior parte dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras. O mesmo pode ser dito sobre se debruçar sobre as políticas de saneamento, de assistência social à população em situação de rua, de plantio e poda de árvores, de zeladoria urbana, dentre outras.

Muitas pessoas acreditam que um foco na discussão de políticas locais seria uma forma de “provincianismo”, indo contra a ideia de projeto nacional, tão caro à esquerda. Isso não poderia estar mais longe da verdade: todo projeto nacional tem como objetivo último a consolidação de um país mais justo, menos desigual e que possa se colocar no mundo como player global.

Como fazer isso em um país em que as pessoas vivem sem saneamento básico ou gastam quatro horas no ônibus? Resolver os problemas locais é a forma mais consistente de preparar o Brasil para atingir seu completo potencial no mundo.

É por isso que esse tipo de micropolítica, que foca no endereçamento de problemas concretos, não pode ser abandonada pela esquerda –ainda que a oposição conservadora conquiste votos com base em discursos simplificados.

Essa suposta “vantagem” da extrema-direita, que se preocupa com a quantidade de views e likes, mostra na realidade sua fraqueza: a incapacidade de pensar a coisa pública, o que resulta em desastres de gestão, como o governo Bolsonaro, ou o governo Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro (2017 a 2020).

Não queremos crescer como a direita: o nosso diferencial sempre foi possuir um projeto nacional, com objetivos ousados de igualdade social e soberania popular. Nessas eleições, as novas gerações do PT e das esquerdas precisam estar conscientes de que resolver os desafios locais e transformar a vida das pessoas é o primeiro passo para atingir esses objetivos.

Fonte: Poder360

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