‘Quem vai me chamar de mãe agora?’, diz palestina que perdeu bebês gêmeos em bombardeio em Gaza

Raina Abu Anza, mãe palestina que perdeu seus dois bebês gêmeos em um bombardeio em Gaza
Raina Abu Anza, mãe palestina que perdeu seus dois bebês gêmeos em um bombardeio em Gaza — Foto: MOHAMMED ABED / AFP

Rania Abu Anza esconde o rosto manchado de lágrimas, arrasada após perder seus bebês gêmeos, mortos em um bombardeio em Gaza. A poucos metros dela, homens procuram sobreviventes nos escombros de sua casa, destruída no último sábado. Antes da guerra, Rania precisou se submeter a vários tratamentos de fertilidade para conseguir realizar o sonho de ser mãe.

— Quem vai me chamar de mãe agora? Quem vai me chamar de mãe? — soluçou a palestina, abraçando seus bebês sem vida, com o rosto de um deles ainda manchado de sangue.

Os gêmeos Wisam e Naim, que não tinham nem seis meses de idade, estão entre os 14 mortos durante um bombardeio israelense na noite de sábado na cidade de Rafah, no sul da Faixa de Gaza, segundo informações do Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo grupo terrorista Hamas.

Todos os mortos são membros da família Abu Anza. Eles se juntam às quase 30.400 vítimas fatais do conflito em Gaza, a maioria mulheres e crianças. A AFP entrou em contato com militares israelenses, que se recusaram a comentar sobre o bombardeio à casa da família em Rafah.

Enquanto Rania Abu Anza esperava para enterrar seu filho e sua filha, atrás dela, nos destroços de sua casa, homens gritavam nomes de outros parentes na esperança de que ainda estivessem vivos:

— Yaser! Ahmed! Sajar!

Segundo Israel, a campanha militar no território palestino — em resposta ao ataque terrorista que deixou mais de 1,1 mil mortos e fez mais de 200 israelenses e estrangeiros reféns — tem como objetivo eliminar os combatentes do Hamas. No entanto, Shehda Abu Anza explicou que a casa bombardeada pertencia ao seu tio, sem ligações com o grupo, e havia apenas civis no local.

— Eles estavam dormindo às 11h da noite. Eram todas crianças. Honestamente, não havia presença militar na casa, apenas civis — disse ela, enfatizando: — Nenhum soldado, apenas civis.

Outro membro da família, Arafat Abu Anza, condenou a falta de ferramentas para retirar possíveis sobreviventes:

— Havia quinze pessoas na casa. Estou limpando a área. Estamos tentando tirar as pessoas de lá, para ver onde elas estão. Quatro andares desabaram.

Cerca de 1,5 milhão de pessoas — mais da metade do total de palestinos que vivem na Faixa de Gaza —buscaram refúgio em Rafah, vindos de várias partes do território mas sobretudo do norte, por onde o Exército de Israel iniciou sua ofensiva terrestre. No início da guerra, as autoridades israelenses aconselharam a população a se deslocar para o sul para fugir dos combates.

Mas, neste ponto do conflito, nem Rafah está imune agora. Além dos bombardeios, o governo de Israel ameaça dar início a uma operação terrestre na região até o Ramadã, mês sagrado do Islã, em 10 de março, caso não se chegue a um acordo de cessar-fogo — ainda que temporário — que assegure a libertação dos reféns sob custódia do Hamas. A cidade é a única que ainda não foi alvo de incursões das forças israelenses, embora seja alvo de ataques aéreos diariamente.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, prometeu a abertura de uma passagem segura para o deslocamento da população civil em Rafah antes do início da operação, afirmando ser “impossível” eliminar o Hamas sem destruir suas supostas células na cidade.

“É impossível atingir o objetivo da guerra de eliminar o Hamas deixando quatro batalhões do Hamas em Rafah. Ao contrário, é evidente que a atividade intensa em Rafah requer que os civis evacuem as áreas de combate”, informou o gabinete do primeiro-ministro em um comunicado publicado na rede social X (antigo Twitter).

Mas não está claro para onde poderiam ir tantas pessoas, aglomeradas na fronteira com o Egito em tendas improvisadas. Netanyahu limitou-se a dizer que “estamos trabalhando num plano detalhado”. Autoridades egípcias temem que a população seja empurrada para o seu território.

Diversas organizações de direitos humanos internacionais alertaram sobre os riscos de uma ofensiva terrestre em Rafah. Em entrevista, a diretora executiva da Médicos sem Fronteiras (MSF) nos Estados Unidos, Avril Benoit, declarou que uma operação na cidade poderia transformá-la em “um cemitério”.

As consequências de um ataque de grande escala a Rafah são inimagináveis. Uma ofensiva militar ali a tornaria um cemitério — afirmou Benoit. — É o último núcleo de serviços de saúde e assistência humanitária para a população de Gaza. Atacar Rafah significa, de fato, cortar o sustento de pessoas que já perderam tudo, exceto a vida.

Neste domingo, representantes do Hamas e dos três intermediadores do conflito, Catar, Egito e EUA, estão reunidos no Cairo para discutir os termos de um possível cessar-fogo de seis semanas no enclave. No entanto, a delegação israelense, que participaria do encontro, teve a sua ida vetada por Netanyahu após o governo não ter recebido, entre outras condições, uma lista dos reféns, vivos e mortos, que estão sob custódia do Hamas.

Para Rania Abu Anza, porém, qualquer acordo de trégua chegará tarde demais. Quando foi informada de que seus filhos estavam mortos, ela começou a gritar:

— Meus filhos, meus filhos, meus filhos — relatou a palestina. — Pedi às equipes de resgate que procurassem meus filhos nos escombros. Eles os tiraram de lá e me disseram: ‘Seus filhos estão mortos’.

Fonte: O Globo

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