Quem era Alexei Navalny, opositor de Putin morto na prisão

Alexei Navalny, ativista político russo, durante audiência por videoconferência em junho
Alexei Navalny, ativista político russo, durante audiência por videoconferência em junho — Foto: Natalia Kolesnikova / AFP

Alexei Navalny, principal opositor do presidente russo Vladimir Putin, morreu aos 47 anos na prisão, informaram as agências locais nesta sexta-feira. Em comunicado, o Serviço Penitenciário Federal afirmou que ele “sentiu-se mal após uma caminhada, perdendo quase imediatamente a consciência”. Médicos da instituição teriam sido chamados, e “todas as medidas de reanimação necessárias foram realizadas, mas não tiveram resultados positivos”. O órgão afirmou que as causas da morte estão sendo apuradas.

Quando soube que foi sentenciado a dois anos e oito meses de prisão em regime fechado, em 2021, Navalny olhou para sua esposa, Yulia, e disse que “tudo ficaria bem”. O mais ferrenho opositor de Putin fez uma aposta alta ao regressar a Moscou após ter sido envenenado, em agosto de 2020, e passado por um tratamento na Alemanha. Sua prisão era esperada, mas a iminência de seu desaparecimento da vida pública jogou o movimento oposicionista russo — e mesmo o governo — em um terreno desconhecido.

Ao contrário de outras figuras que dominam a política russa, Navalny não possuía laços com oligarquias ou famílias tradicionais, nem fez sua base nos tempos da União Soviética. Nascido nos arredores de Moscou e filho de pequenos empresários, ele passou alguns verões na Ucrânia, de onde vinha parte de sua família e onde aprendeu o idioma local. No final dos anos 1990, formou-se em Direito na Universidade Russa da Amizade dos Povos, instituição criada nos anos 1960 e que teve entre seus alunos o líder palestino Mahmoud Abbas e o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega. Navalny possuía ainda formação em finanças, um conhecimento que se mostrou útil em suas incursões no ativismo político.

Alexei Navalny fez seu nome ao expor a corrupção oficial, rotulando a Rússia Unida, legenda de Putin, como “o partido dos vigaristas e ladrões”. Em 2006, começou a escrever um blog sobre corrupção focado nas grandes corporações que comandavam a economia russa. Em vez de se basear em denúncias anônimas, utilizou uma estratégia pouco usual: investiu 300 mil rublos (o equivalente na época a R$ 21 mil) em ações de empresas do setor petrolífero. Assim, pressionava pela liberação dos números das operações e tinha acesso a informações que usaria em suas postagens.

Um dos casos mais emblemáticos foi a denúncia de um desvio de US$ 4 bilhões na operadora de oleodutos Transneft, ocorrido em 2007 e revelado por Navalny em 2010. Apesar da documentação, o caso, que chegou ao conhecimento de Vladimir Putin, não resultou em condenações ou popularidade positiva.

— Esse lado financeiro dele teve um impacto mais negativo que positivo — declarou ao GLOBO Angelo Segrillo, professor de história na Universidade de São Paulo (USP). — Ele foi acusado de querer ganhar dinheiro com essa estratégia.

Em outra frente, criou um projeto conhecido como RosYama, em que os cidadãos reportavam buracos de rua e pressionavam as autoridades para que os tapassem. Nessa mesma época surgiu a Fundação Anticorrupção, que se tornaria sua principal fachada política. “O foco na corrupção foi algo grande, uma vez que é ali que Putin sente mais a pressão. E ele fez algo fora dos meios políticos tradicionais, em um momento em que a maior parte da oposição estava desacreditada”, declarou Segrillo.

Apesar de ser considerado a “face da oposição” na Rússia pelo Ocidente, Navalny não seguiu a esperada cartilha internacionalista e liberal. A começar pela forma como se definia, um nacionalista democrata. Em diversas ocasiões, foi acusado de se aliar a grupos extremistas. Em 2008, criou uma plataforma chamada O Povo, que trazia entre suas prioridades a “defesa dos russos étnicos” e chegou a se unir a grupos anti-imigração. Anos mais tarde, tentou se afastar do radicalismo, no que o professor Segrillo chamou de “nacionalismo light”, uma defesa dos ideais nacionais, além de manter um distanciamento calculado do Ocidente. Um exemplo disso é sua defesa da manutenção da Crimeia como parte da Rússia após a anexação, em 2014.

— Na Rússia muitos têm um pé atrás com o Ocidente. Navalny sabia que ficaria queimado se focasse nessa pauta. Por isso preferiu se concentrar em dois grandes pontos, a questão da corrupção, que lhe deu destaque, e o nacionalismo ‘light’, que atraiu pessoas que são contra Putin mas não próximas ideologicamente dele — apontou Segrillo.

Um dos pontos que mais definiam Navalny era a forma como ele usava as redes sociais para se comunicar. Ali, o ativista adotou o que Alexey Sakhin definiu, em um artigo na revista Jacobin, como “social-populismo”, que usa a bandeira da luta contra a corrupção para angariar apoio e denunciar desigualdades, mas sem avançar em pautas reformistas. “Ele não discute mais a ineficiência do Estado, mas sim a desigualdade social. Compara os luxos dos oligarcas russos e funcionários do governo com a pobreza das pessoas comuns”, escreveu Sakhin.

Navalny tentou capitalizar politicamente esse prestígio. Em 2011, foi um dos responsáveis pelos protestos que questionavam a lisura das eleições legislativas daquele ano. Chegou a ser preso e foi liberado logo depois, mas sacramentou seu papel na oposição, muito embora as pesquisas mostrassem que apenas cerca de 5% dos russos o conheciam.

Dois anos e muitas prisões em protestos depois, Navalny concorreu à prefeitura de Moscou contra o aliado de Putin, Sergey Sobyanin. Com uma campanha baseada na militância, recebeu 27% dos votos. Em 2016, anunciou que seria candidato à Presidência, mas acabou vetado — afinal, suas denúncias de corrupção já eram motivo de incômodo no Kremlin. Por meio de suas redes sociais, apontou desmandos de funcionários do alto escalão, como o chefe da Guarda Nacional Russa e ex-guarda-costas de Putin, Viktor Zolotov, acusado de desviar milhões de rublos destinados à alimentação das tropas para os próprios bolsos. Em resposta, Zolotov desafiou Navalny para um duelo.

Na esteira das denúncias, Navalny organizou uma onda de protestos contra a corrupção em várias cidades russas que contou com a adesão de outros movimentos políticos e se estendeu por meses, sempre com grande repressão policial e prisões. Seus problemas com a Justiça, porém, vão além dos protestos. Ele foi condenado, em 2013, a cinco anos de prisão por desvio de verbas públicas, mas a sentença foi suspensa pelas autoridades, e ele teria de se apresentar regularmente à Justiça. No ano seguinte, foi acusado de fraude e colocado em prisão domiciliar por dez meses. No julgamento, foi condenado a três anos e meio de prisão, sentença também suspensa que voltaria a assombrá-lo no futuro. Já em meio à pandemia, retomou suas viagens pela Rússia, buscando apoio para a estratégia de “votação inteligente” nas eleições legislativas de 2021. Esse formato consiste não só em lançar candidatos próprios, mas também em concentrar os votos nos adversários do Rússia Unida, de Putin.

Em agosto de 2020, durante uma viagem à Sibéria, Navalny se sentiu mal durante um voo e foi hospitalizado em estado grave em Omsk, sob suspeita de envenenamento, um ato creditado ao Kremlin. Depois de alguma negociação, ele foi enviado para a Alemanha, onde passou por um longo tratamento. O advogado tinha a opção de se tornar um líder da oposição no exterior — Alemanha e França chegaram a oferecer asilo —, mas preferiu voltar à Rússia, mesmo sabendo que poderia perder a liberdade. Ao pousar em Moscou, foi imediatamente preso, acusado de violar as regras da condicional relativa ao processo em que foi condenado em 2014. Quase ao mesmo tempo, seu canal no YouTube lançou um documentário detalhando como o presidente Putin havia desviado bilhões de dólares para financiar luxos de aliados, parentes e os seus próprios, representados em uma mansão na costa do Mar Negro estimada em US$ 1,3 bilhão. O vídeo tem mais de 100 milhões de visualizações e mereceu uma negação do próprio Putin, que pela primeira vez mencionou o algoz pelo nome.

O documentário ajudou a intensificar os protestos pela libertação de Navalny em janeiro de 2021. Os apoiadores do oposicionista se uniram a pessoas que não o veem de forma tão positiva, mas também rejeitam o governo. Segundo o Instituto Levada, apesar de a popularidade de Navalny ter aumentado depois do envenenamento, apenas 25% dos russos aprovam suas ações.

Fonte: O Globo

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