Queda de 98% nas multas ambientais e 30 mil carros importados aguardando liberação: os impactos da paralisação no Ibama

Ibama destrói acampamento de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami; operações em terras indígenas não contam com agentes do Ibama no momento
Ibama destrói acampamento de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami; operações em terras indígenas não contam com agentes do Ibama no momento — Foto: Divulgação/Ibama

Passados dois meses do início da paralisação dos servidores do Ibama e do ICMBio, crescem os impactos sobre a fiscalização ambiental, o licenciamento de obras e as autorizações de importação. Segundo a Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), há 30 mil carros importados no país aguardando a liberação obrigatória do Ibama. A interrupção de licenças ainda afetou dezenas de pedidos para instalações ou operações de termelétricas, gasodutos e de exploração de petróleo. Em comparação com os dois primeiros meses do ano passado, houve queda de 98% em multas ambientais e de 68% nos autos de infração.

Nesta segunda (4), os servidores rejeitaram mais uma contraproposta do governo federal para restruturação da carreira. No dia 3 de janeiro, após três meses do envio de reinvindicações para aumento salarial e outras melhorias, os fiscais anunciaram que paralisariam suas atividades de campo. Depois, foi a vez do núcleo de licenciamentos. Hoje existem cerca de 4,9 mil funcionários, entre Ibama, ICMBio e Serviço Florestal Brasileiro (SFB), e a Ascema estima que 90% aderiu à paralisação.

Qualquer veículo importado para o Brasil, desde carros de passeio a caminhões e tratores, seja elétrico ou de combustão, dependem da liberação do Ibama, que atesta a adequação às exigências ambientais. O mesmo acontece para exportações. Mas, como o núcleo de licenciamento do instituto está paralisado para novas emissões – focando em pedidos feitos até o ano passado -, assim como as atividades de vistoria em campo, há uma grande quantidade de carros parados nos portos brasileiros. Segundo a Ascema, o número é de cerca de 30 mil veículos, o que vem afetando diversos fabricantes.

Diretor da Ascema, Leandro Valentim explicou que, com o movimento, os setores de importação e exportação estão fazendo uso dos prazos legais para focar conta de outras demandas.

— Veículos que eram liberados em poucos dias agora aguardam por uma autorização que pode levar até 60 dias por lei — explicou Valentim. — Seguimos trabalhando, há uma espécie de inversão de prioridades, de acordo com o que cada setor pode fazer. Vamos ver se o presidente põe em prática o que tem propagandeado mundo afora, exaltando as conquistas ambientais que são fruto do esforço e trabalho dos servidores da área ambiental. Estamos no limite e não podemos trabalhar só por amor.

Em relação às licenças prévias ambientais, ou licenças de instalação e operação de grandes empreendimentos, o setor mais afetado é o de energia. Há no momento pedidos parados para ao menos quatro termelétricas, três parques eólicos, além de 10 requerimentos para linhas de transmissão, dois para gasodutos e 12 pedidos relacionados à exploração de petróleo, entre licenças de instalação, de pesquisa ou perfuração.

Por causa dessa situação, no mês passado o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, enviou um ofício ao Ministério do Meio Ambiente pedindo garantias de que a geração de energia do país não seja afetada. Ele se baseou em manifestações da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage) e da Associação Brasileira das Empresas e Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), que demonstraram preocupação com a a falta de licenças para o andamento dos projetos de transmissão de energia elétrica.

Entre projetos potencialmente afetados, há muitas obras prevista no novo PAC. Empreendimentos de interesse nacional, executados pelo governo federal, ou que afetem territórios indígenas e parques nacionais dependem de licenciamento do Ibama. Isso engloba, geralmente, construções de portos, aeroportos, estradas, usinas hidrelétricas e de plataformas de petróleo e gás.

Os números também apontam a queda abrupta do combate aos crimes ambientais. Enquanto nos dois primeiros meses de 2023 houve 2629 autos de infração no país, o número caiu para 829 neste ano, uma redução de 68,5%. Considerando apenas a área da Amazônia Legal, a diminuição é ainda maior: 83.5%. Além da fiscalização em si, praticamente não houve pagamento de multas ambientais neste ano: 98% a menos.

Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) não indicam aumento de desmatamento neste início de 2024, em comparação com o mesmo período do ano passado. Mas a preocupação é que a persistência da paralisação comece, em algum momento, a causar efeitos mais diretos na ação de grileiros e desmatadores.

As ações emergenciais também estão comprometidas, como as operações federais de desintrusão de terras indígenas, que no momento não contam com participação dos fiscais do Ibama. O movimento de paralisação decidiu que o trabalho de campo deve atender apenas às emergências ambientais de nível 3, como o combate aos incêndios em Roraima. O nível 3 se refere a incêndio descontrolado que pode resultar em situação de catástrofe. São os que dependem, por exemplo, de operações especiais e de uso de aeronaves. Já os incêndios de níveis 1 e 2 são combatidos com brigadas e forças menores.

— O impacto deve ser relevante nos dados que o governo vai apresentar, de incêndios, de diminuição de combate aos ilícitos ambientais, com sensação de aumento de crimes ambientais, garimpos e outros e também na questão de emergências ambientais no início do ciclo do fogo por conta da seca — afirma Cleberson Carneiro Zavaski, analista ambiental do ICMBio, e presidente da Ascema.

Se não houver acordo, há possibilidade grande de acirramento, com paralisação de mais atividades. A proposta apresentada até o momento não atende às reivindicações centrais apresentadas em outubro do ano passado.

Procurado, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos respondeu que “não comenta processos de negociação dentro das mesas setoriais e específicas”.

Fonte: O Globo

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