Protestos pró-Palestina nos EUA: Entenda as demandas dos universitários e as críticas aos atos sobre Gaza

Acampamento pró-Palestina no campus da Northwestern University, em Illinois,
Acampamento pró-Palestina no campus da Northwestern University, em Illinois, — Foto: Jamie Kelter Davis/The New York Times

Os campi das principais universidades dos Estados Unidos se converteram no epicentro dos protestos pró-Palestina que se espalharam pelo país nas últimas semanas. Estudantes lideram os atos em prol do fim da guerra entre Israel e Hamas, exigindo que suas instituições de ensino superior rompam laços com o Estado judeu e com empresas que lucram às custas do conflito.

À medida que os estudantes montam acampamentos em mais de 30 universidades como forma de protesto, denuncias de antissemitismo em meio aos atos são levantadas por políticos democratas e republicanos, bem como por organizações ligadas à comunidade judaica. Líderes dos protestos refutam o teor antissemita, mas alunos judeus de algumas das instituições se disseram intimidados em seus campi. Entenda o que são e como se desenrolam os protestos nos EUA.

Quase 50 universidades americanas foram palco de manifestações convocadas por organizações de estudantes pró-Palestina, até esta sexta-feira, 26. Da Califórnia ao Maine, de Minnesota ao Texas, atos foram realizados nas últimas semanas, com a agenda comum de pedir um cessar-fogo imediato em Gaza e o fim da guerra entre Israel e Hamas.

Em muitos dos casos, os estudantes decidiram montar acampamentos nos campi das universidades como forma de protesto, o que colocou as administrações das instituições diante da encruzilhada de garantir o direito à livre manifestação e manter a ordem e as atividades regulares. As reitorias de certas universidades acionaram as polícias estaduais, o que resultou na prisão de mais de 400 estudantes até o momento, sob denúncias que variam de invasão de terreno privado, desobediência e agressão.

Em meio às manifestações, gestos de apoio ao grupo terrorista Hamas e ao atentado de 7 de outubro, que motivou a invasão israelense da Faixa de Gaza, foram registradas. Estudantes envolvidos nos atos negaram que se tratem de manifestações contra o povo judeu, criticando a participação de pessoas extremistas. Políticos influentes, incluindo o presidente americano, Joe Biden, o ex-presidente Donald Trump e o premier israelense, Benjamin Netanyahu, criticaram gestos de antissemitismo.

As primeiras manifestações começaram no fim de março. Estudantes da Universidade Vanderbilt, em Nashville, Tennesse, acamparam no campus universitário em 26 de março. Um dia depois, alunos do Smith College, em Northampton, Massachussets, fizeram o mesmo, no prédio da reitoria do campus, de acordo com informações da Liga Anti-Difamação (ADL, na sigla em inglês), ONG que acompanha casos de antissemitismo pelo mundo.

O perfil nacional dos protestos aumentou, contudo, em 17 de abril, quando estudantes da Universidade Columbia, em Nova York, ergueram acampamento no centro do campus da instituição. Columbia, uma prestigiada universidade de elite, é famosa pelo histórico de ativismo de seus estudantes ao longo de décadas. A instituição foi palco de protestos pelos direitos civis, contra a Guerra do Vietnã e contra o apartheid na África do Sul.

As manifestações só cresceram desde então, contando com a adesão de estudantes das principais instituições de ensino dos EUA, como Harvard, Yale, Princeton e MIT.

Como um movimento descentralizado, as demandas de cada ato são variadas. Contudo, algumas agendas são compartilhadas e contam com o suporte de organizações estudantis nacionais, que mantém certo nível de coerência entre os atos.

Além de protestar contra a guerra em Gaza e contra o que consideram o genocídio palestino cometido por Israel — mais de 34 mil pessoas morreram no enclave desde o começo da guerra, segundo o Ministério da Saúde do Hamas, em números que Israel acusa de estar inflado —, os estudantes exigem que suas universidades condenem o que se passa no enclave e que retirem investimentos feitos em empresas que lucram com a guerra em Gaza.

É o caso da Universidade Princeton, onde um dos panfletos distribuídos em um ato recente pedia que a instituição encerrasse pesquisas sobre armas de guerra “usadas para possibilitar genocídios”, dizia o texto, ao qual a CNN teve acesso.

Em outras instituições, além da retirada de investimentos de empresas privadas, os estudantes pedem pelo fim de vínculos e programas integrados a universidades israelenses. É o caso de Columbia, onde os manifestantes querem que a universidade rompa os laços com o seu centro em Tel Aviv e com um programa de graduação dupla com a Universidade de Tel Aviv.

Com o começo da repressão policial aos acampamentos universitários, a luta estudantil também se voltou para uma questão interna: o direito à livre manifestação em solo americano. Em manifestações durante a semana, Biden disse ser a favor da liberdade de se manifestar, mas criticou o que classificou como gestos de antissemitismo.

Organizações vinculadas à comunidade judaica e políticos republicanos e democratas denunciaram o que classificaram como gestos antissemitas durante os atos. Em uma publicação feita no dia 22 de abril, a ADL afirmou ter registrado casos de apoio explícito ao Hamas e a novos atos de violência, como o ataque de 7 de outubro contra Israel.

“Em 17 de abril, um manifestante gritou “Nós somos o Hamas” e outros cantaram: “Al-Qassam [em referência às Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, a ala militar do Hamas], você nos enche de orgulho, mate outro soldado agora!”. Em 20 de abril, um manifestante anti-Israel no campus de Columbia segurava um cartaz que dizia: “Próximos alvos do Al-Qassam”, com uma seta apontando para um grupo de contra-manifestantes pró-Israel que estavam próximos, agitando bandeiras de Israel e dos Estados Unidos”, relatou a ADL. Não foi possível confirmar de forma independente quem eram as pessoas nas fotos.

A mesma organização também informou ter registros de demonstrações de apoio ao 7 de outubro diretamente e ao uso de violência contra Israel e os judeus, como é o caso da intifada.

“Na Universidade de Michigan, onde os estudantes começaram seu acampamento em 22 de abril, os manifestantes penduraram uma faixa ao lado de suas barracas que dizia: VIVA A INTIFADA. Em Columbia, em 20 de abril, os manifestantes seguravam cartazes que incluíam mensagens como ‘Lute pela Intifada mundial’ e entoavam slogans familiares como ‘Globalize a Intifada’ e ‘Só há uma solução; Intifada, revolução'”, disse a organização.

Em diversos campi, estudantes que aderiram às manifestações e organizações que convocaram os atos negam que o movimento tenha por objetivo fomentar o antissemitismo, e se pronunciaram publicamente sobre alguns desses atos.

A Columbia University Apartheid Divest (CUAD), uma das organizações à frente do protesto em Nova York, emitiu um comunicado se distanciando das palavras de um integrante que afirmou, em um discurso em janeiro, que “sionistas não merecem viver”, após um vídeo do pronunciamento circular nas redes sociais. O grupo disse que a fala não reflete “as opiniões, os valores, nem os acordos comunitários do acampamento”.

“Acreditamos na santidade de toda a vida e acreditamos que nosso trabalho consiste em mudar mentes e corações”, informou a organização, dizendo que o estudante não teria sido eleito para nenhum cargo.

Determinados grupos pró-Palestina também questionam o conceito de antissemitismo utilizado por autoridades e ONGs com atuação nos EUA, afirmando que elas não fariam distinção entre antissemitismo e antissionismo. Uma das organizações pró-Palestina que participam dos atos, a Students for Justice in Palestine (SJP), criticou a ADL no passado, apresentando uma diferenciação dos conceitos.

“A ADL baseia-se em uma definição altamente problemática de antissemitismo que tenta equiparar críticas ao governo israelense ou ao sionismo com racismo anti-judaico. Isso é tão perigoso quanto infundado. Muitas pessoas de diversas religiões e origens, incluindo estudiosos judeus, rabinos e ativistas, há muito tempo criticam e se opõem ao sionismo. Para a comunidade palestina, o sionismo é a ideologia política que possibilitou sua subjugação violenta e desapossamento sistemático. As pessoas devem poder discutir e debater essas questões sem serem falsamente difamadas como antissemitas”, disse, à época, em um comunicado.

Grupos de estudantes judeus também participam dos atos em determinadas instituições, ao passo que outros se dizem intimidados e que não têm comparecido aos campi.

Em viagem à China, nesta sexta-feira, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, classificou as propostas pró-Palestina como parte da democracia. Contudo, criticou a falta uma condenação expressa ao Hamas por sua responsabilidade no conflito.

— Nossos cidadãos fazem com que seus pontos de vista, suas preocupações, suas iras sejam conhecidas, em qualquer momento. Creio que isso reflete a força do nosso país — disse Blinken.

A fala segue no mesmo sentido do que já havia dito o presidente Joe Biden, que condenou os gestos de antissemitismo, mas disse defender a liberdade de expressão.

— Eu condeno os protestos antissemitas — disse o democrata na segunda-feira. — Também condeno aqueles que não entendem o que está acontecendo com os palestinos.

O ex-presidente e candidato republicano Donald Trump condenou as manifestações na quinta-feira, e disse que “o nível de ódio” é muito superior ao da manifestação da extrema direita em Charlottesville em 2017, que deixou um morto e 19 feridos.

— Temos protestos por toda parte — ressaltou Trump ao deixar a sala do tribunal de Manhattan, onde é julgado por falsificação de registros comerciais. — Charlottesville foi insignificante, não foi nada comparado com isto. O ódio não era o mesmo que há aqui.

O premier de Israel, Benjamin Netanyahu, descreveu os protestos como “horríveis” e que deveriam ser interrompidos. Os comentários de Netanyahu, a primeira manifestação pública sobre o caso, foram feitos na quarta-feira.

— O que está acontecendo nos campi universitários da América é horrível — disse Netanyahu. — Multidões antissemitas assumiram o controle das principais universidades. Eles clamam pela aniquilação de Israel. Eles atacam estudantes judeus. Eles atacam professores judeus. (Com NYT e AFP)

Fonte: O Globo

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