Protestos pró-palestina crescem nos EUA apesar de repressão policial e denúncias de antissemitismo

Estudantes cantam durante um protesto pró-Palestina contra a guerra em Gaza, na Universidade Emory
Estudantes cantam durante um protesto pró-Palestina contra a guerra em Gaza, na Universidade Emory — Foto: Elijah Nouvelage/AFP

Mesmo sob uma repressão policial que resultou na prisão de mais de 400 pessoas desde a semana passada, protestos pró-palestina continuam a ganhar corpo em universidades americanas. Estudantes montaram acampamento em cerca de 20 instituições de ensino superior, espalhadas por ao menos 11 estados, para pressionar por um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza e cobrar medidas efetivas de suas reitorias para cortar laços com empresas que apoiam a guerra de Israel contra o Hamas no enclave palestino.

Mais de 100 manifestantes foram presos entre a noite de quarta-feira e a madrugada de quinta no campus do Emerson College, em Boston, onde estavam acampados desde domingo. A polícia local iniciou uma operação para desmontar o acampamento, o que foi concluído na manhã desta quinta-feira, mas houve resistência. Quatro policiais teriam ficado feridos no processo.

Também nesta quinta-feira, houve confronto entre agentes da polícia e manifestantes em um campus da Universidade Emory, em Atlanta: segundo testemunhas, foram feitos disparos com balas de borracha e foi usado spray de pimenta para dispersar um grupo que tentava montar acampamento no local. A polícia não divulgou o número de pessoas detidas, mas estudantes e ativistas dizem que pelo menos 20 pessoas foram levadas — entre elas está a chefe do Departamento de Filosofia da universidade, Noëlle Mcafee, afirma a TV Atlanta News First.

Os atos contra a guerra em Gaza apenas intensificaram uma tensão vista desde o ano passado, quando começaram protestos contra a criação de um centro de treinamento de policiais, apelidado de “Cidade dos Policiais”, em Atlanta. Ao New York Times, uma porta-voz da universidade não comentou as alegações sobre uso de força contra os estudantes, afirmando apenas que os protestos são “uma tentativa de atrapalhar nossa universidade, no momento em que os alunos terminam suas aulas e se preparam para as provas finais”. Ela disse ainda que Emory “não tolera vandalismo ou outras atividades criminosas no campus”.

Na Universidade Princeton, em Nova Jersey, estudantes montaram um acampamento em um campus nas primeiras horas do dia, exigindo o boicote acadêmico e cultural a Israel, o fim das pesquisas envolvendo o desenvolvimento de armas e um cessar-fogo em Gaza. Na véspera, uma das vice-reitoras emitiu comunicado no qual defendeu o “robusto compromisso com a liberdade de expressão” na universidade, mas também ameaçou prender, suspender e até expulsar estudantes envolvidos em atos como protestos de grande porte e acampamentos. Imagens publicadas em redes sociais mostram pessoas sendo presas no campus, mas a instituição não se pronunciou.

Responsáveis pela administração de universidades do Texas à Califórnia agiram para dispersar os manifestantes e impedir que acampamentos se estabelecessem em seus próprios campi, como ocorreu na Universidade de Columbia, mobilizando a polícia. Em Los Angeles, 93 manifestantes foram presos no campus da Universidade do Sul da Califórnia (USC), após um chamado por invasão de propriedade.

Uma operação similar foi realizada, também na quarta-feira, no campus da Universidade do Texas em Austin. Trinta e quatro pessoas foram detidas, segundo as autoridades estaduais. O governador Greg Abbott prometeu que as prisões continuariam até o protesto se dispersasse, afirmando que os manifestantes “pertencem à prisão”. Em uma publicação no X (antigo Twitter), o republicano disse que “estudantes que participam de protestos antissemitas cheios de ódio em qualquer faculdade ou universidade pública no Texas deveriam ser expulsos”. Nesta quinta-feira, a Guarda Nacional do Texas disse que seus militares estavam no campus prontos para prestar apoio, mas não chegaram a ser acionados — mesmo assim, a Guarda se diz “preparada para agir, se requisitada”.

Diante do aumento dos protetos, o presidente Joe Biden disse, por meio de uma porta-voz, que “apoia a liberdade de expressão, o debate e a não discriminação nos campi”.

— Acreditamos que é importante que as pessoas possam se expressar pacificamente. Mas quando há uma retórica de ódio, quando há violência, temos que denunciá-la — afirmou Karine Jean-Pierre em entrevista coletiva na Casa Branca.

Os esforços para coibir as manifestações não estão alcançando um efeito dissuasor no movimento. Desde que os primeiros estudantes foram presos na Universidade Columbia, em Nova York, na semana passada, os protestos se espalharam para outras instituições. Enquanto as polícias da Califórnia e do Texas prendiam manifestantes, na quarta, centenas de alunos de Harvard, na Costa Leste dos EUA, reuniram-se para protestar contra a suspensão de um comitê de solidariedade à Palestina e montaram barracas e tendas nos jardins da instituição.

Como um movimento amplo, muitas declarações e pautas diferentes foram defendidas ao longo dos dias. Em comum, o apelo para que as faculdades rompam laços financeiros com empresas ligadas a Israel e para que os EUA ponham fim à ajuda militar ao país. Também exigem que seja garantida liberdade de manifestação nos campi das instituições, sem perseguição aos estudantes.

As administrações dos campi, por outro lado, têm tentado caminhar na corda bamba entre a defesa da liberdade de expressão e a manutenção da ordem. Algumas escolas suspenderam aulas presenciais diante das manifestações, enquanto outras sugeriram a professores e alunos utilizarem meios digitais para não prejudicar o andamento do semestre.

Outra problemática envolve diretamente a intimidação de estudantes judeus, fato denunciado pelo presidente da Câmara, o deputado republicano Mike Johnson, na quarta-feira, em visita a estudantes de Columbia que dizem ter presenciado atos de antissemitismo.

— Colocaram um alvo nas costas dos estudantes judeus nos Estados Unidos — disse Johnson, ameaçando utilizar a Guarda Nacional, caso a situação não seja controlada.

Na quarta-feira, o premier de Israel, Benjamin Netanyahu — que na juventude estudou em instituições americanas, incluindo Harvard —, comparou os protestos “ao que aconteceu nas universidades na Alemanha nos anos 1930”, uma referência ao período de crescimento do nazismo, e disse que “as autoridades estaduais, locais e federais, muitas delas responderam de forma diferente, mas tem que haver mais” ação contra as manifestações.

Já políticos progressistas, como a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, que representa um distrito da cidade de Nova York, criticou a forma como as universidades estão lidando com os protestos.

“Chamar a polícia para manifestações não violentas de jovens estudantes no campus é um ato crescente, imprudente e perigoso. Representa um hediondo fracasso de liderança que coloca em risco a vida das pessoas. Condeno-o nos termos mais fortes possíveis”, escreveu no X na terça-feira.

Organizações estudantis que lideram as manifestações, porém, negam que elas tenham cunho antissemita, e dizem ser movidas por pensamentos de decoloniais e antissionistas — fazendo uma distinção entre os conceitos, que cada vez mais alimentam debates sobre a distinção entre ambos nos EUA. Também alegam que estudantes judeus fazem parte de alguns dos atos.

“Rejeitamos firmemente qualquer forma de ódio ou intolerância”, escreveu a organização Estudantes da Columbia pela Justiça na Palestina, criticando “indivíduos inflamatórios que não nos representam”. (Com NYT, AFP e Bloomberg)

Fonte: O Globo

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