Protestos no Quênia: Sobe para 13 o número de mortos durante manifestações, afirma associação médica do país

Manifestantes carregam um homem ferido enquanto outros estão caídos no chão em frente ao Parlamento do Quênia durante uma greve nacional para protestar contra o aumento de impostos e a Lei Financeira 2024 no centro de Nairóbi, em 25 de junho de 2024.
Manifestantes carregam um homem ferido enquanto outros estão caídos no chão em frente ao Parlamento do Quênia durante uma greve nacional para protestar contra o aumento de impostos e a Lei Financeira 2024 no centro de Nairóbi, em 25 de junho de 2024. — Foto: LUIS TATO / AFP

A Associação Médica do Quênia afirmou, nesta quarta-feira, que subiu para 13 o número de mortos registrados durante as manifestações de terça-feira contra um controverso projeto de lei que pretende aumentar os impostos no país — um comunicado conjunto da Anistia Internacional e organizações cívicas quenianas divulgado na terça-feira falava em ao menos cinco mortos. Simon Kingondu, presidente da associação, advertiu ainda que “este não é o número final”.

Já a Comissão Nacional de Direitos Humanos do país, também nesta quarta-feira, chegou a anunciar 22 mortes, das quais 19 teriam ocorrido em Nairóbi, capital do país, onde foram registrados confronto entre manifestantes e agentes de segurança, que reprimiram os atos com gás lacrimogêneo e fizeram disparos com munição real.

Inicialmente liderado por jovens da geração Z (nascidos após 1997) que se organizam por redes sociais como TikTok e Instagram, os protestos começaram há oito dias, abalando o país de 54 milhões de habitantes que, motor econômico da África Oriental, sempre foi uma âncora de estabilidade em uma região tumultuada. Os manifestantes protestavam contra o projeto de orçamento para 2024-2025, que prevê a instituição de novos impostos e foi visto como um encargo à uma população já sobrecarregada com um elevado custo de vida.

Por causa da pressão, o governo abandonou alguns trechos controversos, como um imposto sobre itens básicos como o pão e óleo de cozinha, além de uma taxa anual de 2,5% sobre veículos particulares. Mas a medida não foi o suficiente para a aplacar os manifestantes, que passaram a exigir que todo o texto fosse enterrado.

A tensão explodiu na tarde de terça-feira em Nairóbi, após os parlamentares aprovarem o projeto de lei alterado. Milhares de manifestantes lotaram as ruas ao redor do Parlamento, alguns envoltos na bandeira queniana e assoprando apitos ou bradando gritos de guerra para pedir a renúncia do presidente William Ruto, eleito em 2022 com a promessa de melhorar a vida dos mais pobres.

Segundo várias ONGs, incluindo a Anistia Internacional no Quênia, a polícia abriu fogo para tentar conter a multidão, o que teria levado as pessoas a romper os controles de segurança do Parlamento e invadir o edifício. Os manifestantes avançaram em uma área que abriga vários prédios governamentais, incluindo, além do Parlamento, a prefeitura de Nairóbi, que também foi invadida. Segundo a imprensa local, alguns dos deputados que estavam no prédio fugiram por um túnel subterrâneo.

O interior do prédio do Legislativo foi vandalizado, e os manifestantes puseram fogo em parte do complexo. Também foi roubado o bastão cerimonial, que simboliza a autoridade da Casa. Do lado de fora, veículos foram incendiados nos arredores da Suprema Corte.

O presidente William Ruto mobilizou o Exército para reprimir o que chamou de manifestantes “traiçoeiros”.

— Daremos uma resposta completa, eficaz e rápida aos eventos traiçoeiros de hoje, que marcam um ponto de inflexão sobre como responderemos às graves ameaças à nossa segurança nacional — disse Ruto em um breve discurso na TV, corroborando anúncio prévio feito pelo ministro da Defesa, Aden Duale, de mobilização das Forças Armadas para conter a “emergência de segurança” juntamente com a polícia. — O governo mobilizou todos os recursos para garantir que isso não ocorra novamente, a qualquer custo.

A repórter da rede BBC Mercy Juma, em Nairóbi, disse ter visto várias corpos caídos nas ruas em poças de sangue, e jornalistas da agência de notícias AFP viram três corpos inertes no chão em meio a poças de sangue nas proximidades do complexo que reúne os prédios governamentais. A rede britânica também descreveu que uma tenda médica chegou a ser montada para atender os manifestantes feridos, mas um de seus repórteres testemunhou soldados forçando médicos a sair do local.

A Cruz Vermelha queniana afirmou que alguns de seus veículos foram atacados, com voluntários tendo ficado feridos, mas não especificou de que lado teriam partido as agressões. A ativista e meia-irmã do ex-presidente dos EUA Barack Obama, Auma Obama, chegou a ser atingida por gás lacrimogêneo enquanto dava uma entrevista à uma afiliada da rede CNN em Nairóbi.

Além do número de mortos, as organizações de direitos civis e a Anistia Internacional registraram no dia anterior ao menos 31 feridos, 21 sequestrados ou desaparecidos nas últimas 24 horas — algumas das quais foram já libertadas —, e ao menos 52 detenções. Na semana passada, segundo a Anistia Internacional, ao menos uma pessoa morreu e 200 ficaram feridas em atos em todo o país.

Em meio à tensão nas ruas, o site de monitoramento de internet NetBlocks também registrou uma “grande interrupção” na rede do país, que também estaria afetando vizinhos como Burundi, Uganda e Ruanda. As duas maiores empresas de telecomunicações do Quênia, Safaricom e Airtel, corroboram a informação, alegando que uma obstrução nos cabos submarinos estaria afetando o tráfego de internet.

Em um comunicado conjunto, os embaixadores de 13 representações diplomáticas ocidentais no país, incluindo os EUA, disseram estar “chocados” com as cenas de violência. As missões diplomáticas também disseram estar “profundamente preocupadas” com as alegações de sequestro pelas forças de segurança e pediram “contenção de todos os lados”. Diversas autoridades globais também manifestaram preocupação com o cenário no país.

Essa não foi a primeira vez que um projeto orçamentário mobilizou os quenianos. No passado, o governo de Ruto incluiu na proposta de Orçamento um novo imposto sobre moradias e o aumento da alíquota máxima do Imposto de Renda para pessoa física, alimentando uma onda de distúrbios nas ruas e contestações na Justiça. (Com AFP e New York Times)

Fonte: O Globo

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