Programas combatem desperdício de alimentos contra a fome no RN

Segunda Feira, 24 de Outubro de 2022/Natal/ Desperdicio de comida Darcy Alves Foto.Magnus Nascimento Repórter Bruno Vital

Enquanto o Brasil retorna para o Mapa da Fome, cerca de 12 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçadas por ano em todo o território nacional, segundo apontam dados do Índice de Desperdício de Alimentos, divulgado em 2021 pela ONU. No Rio Grande do Norte, iniciativas, como o Mesa Brasil, do Sesc, e o Cesta Solidária, da Ceasa, conectam os dois problemas e ajudam a combater a fome e o desperdício de comida. Neste ano, entre janeiro e setembro, a iniciativa do Sesc distribuiu 803 toneladas de alimentos que beneficiaram cerca de 239 mil pessoas no Estado. Ceasa mantém cadastro com 1.100 famílias e entrega aproximadamente 12 toneladas de frutas, legumes e verdura todos os meses.

Com quase 20 anos de atuação no Rio Grande do Norte e com uma rede de 450 instituições cadastradas, o Mesa Brasil mantém parcerias com fazendas de fruticultura, empresários e redes de supermercado. “O Mesa Brasil é uma rede nacional de combate à fome e ao desperdício de alimentos, coordenada pelo Serviço Social do Comércio”, explica Marcelo Queiroz, presidente do Sistema Fecomércio-RN. “Essas doações são encaminhadas a entidades cadastradas que cuidam de pessoas em situação de vulnerabilidade nutricional”, complementa.

O projeto se manteve ativo no período mais crítico da pandemia. Em relação a 2019, as entregas do programa cresceram 11% em 2020 e 40% no ano passado. Em quatro anos, de 2018 a 2021, o programa arrecadou e doou 6,3 mil toneladas e atingiu aproximadamente 1,64 milhão de potiguares nas cidades de Natal, Mossoró, Macaíba, Nova Cruz, São Paulo do Potengi, Santa Cruz, Currais Novos e Caicó. Em junho deste ano, o Mesa Brasil também fez um trabalho emergencial de envio de cestas básicas para Pernambuco, após as fortes chuvas que deixaram milhares de desabrigados.

“Nossa equipe mantém contato permanente com os parceiros sistemáticos que fazem doações regulares de alimentos, agasalhos, materiais de limpeza e higiene, e captando novos doadores. Esse trabalho é muito importante, pois permite o funcionamento do programa o ano todo. Existe uma rota diária, coordenada pela nossa equipe, em que os caminhões partem das unidades até pontos de coleta e, em seguida, às entidades”, acrescenta Marcelo Queiroz.

Se sobra de um lado, falta do outro. O Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia (II Vigisan) apontou que 48,8% da população do Rio Grande do Norte enfrenta algum tipo de segurança alimentar, seja leve, moderada ou grave. Além disso, dados da Secretaria do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (Sethas) indicam que o Estado tem 1,15 milhão de pessoas vivendo na extrema pobreza, com uma renda per capita de até R$ 105 por mês. Outros 154 mil potiguares estão em situação de pobreza, quando a renda mensal per capita fica entre R$ 105,01 e R$ 210.

No cenário nacional – ainda de acordo com o inquérito sobre insegurança alimentar, divulgada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan) – 33,1 milhões de pessoas não têm garantido o que comer, o que representa 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome. Conforme o estudo, mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau.

O analista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Gustavo Porpino, diz que o desperdício de comida e o combate a fome são indissociáveis. Ele considera que os dois problemas necessitam de ações conectadas. “A gente hoje tem um cenário de crise alimentar grave, não só no Brasil, mas até em países desenvolvidos. É interessante que se tenha ações como existem em algumas Ceasas do País, que doam alimentos para instituições. Casos assim são muito positivos porque combate mutuamente o desperdício e a fome”, destaca.

A coordenadora de Saúde e Assistência do Sesc-RN, Dianna Oliveira, diz que o desperdício de alimento é um potencializador da fome. Segundo ela, além da distribuição de alimentos, uma das frentes do Mesa Brasil é educar população, empresários e voluntários sobre boas práticas de alimentação, manipulação e elaboração de cardápios baseados no conceito de aproveitamento integral dos alimentos.

“Existe essa preocupação também de fazer capacitações dentro do Mesa Brasil, além da distribuição dos alimentos. Por exemplo, a banana você come e joga a casca fora, nós ensinamos que essa casca pode virar uma farofa. Trabalhamos essas duas vertentes: a social e a nutricional. Desenvolvemos até um livro de receitas com aproveitamento integral de alimentos”, pontua Dianna Oliveira.

Supermercados combatem desperdícios

Os supermercados desempenham um papel fundamental nesse processo de combate ao desperdício, afirma Eugênio Pacelli, diretor executivo da Rede Mais Supermercados. Segundo ele, a empresa trabalha com um sistema rigoroso de controle de qualidade para evitar que os alimentos percam a validade ou acabem se estragando nas gôndolas, além de fazer doações pontuais. “A gente faz um esforço bem grande para não ter desperdício”, conta.

Pacelli diz que atualmente não há um programa regular de doação porque a taxa de desperdício é pequena. “Mesmo assim a gente faz doações. Já fizemos alguns trabalhos junto ao Mesa Brasil, que é um programa do Sesc. Por exemplo, quando a gente identifica um índice mais alto de produtos, principalmente do hortifruti, que é mais perecível, a gente ligava para o Mesa Brasil e os profissionais vinham fazer a seleção dos produtos”, destaca.

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) que revelam que o Brasil desperdiça 12 milhões de toneladas por ano não incluem as perdas entre o campo e o varejo, isto é, o início da cadeia produtiva. As informações da ONU consideram os alimentos que foram para o lixo de residências, varejo, restaurantes e outros serviços alimentares. Portanto, observa Gustavo Porpino, os desperdícios podem ser ainda maiores.

“O primeiro desafio para o Brasil é mapear quais são os pontos críticos da cadeia produtiva de alimentos, do campo à mesa. O Brasil tem problemas ao longo de várias etapas da cadeia produtiva, então é preciso ter uma visão sistêmica, focar em questões do campo à mesa, na etapa de produção do alimento ainda dentro da fazenda. Tem que ter um esforço maior de transferência de tecnologias principalmente para pequenos e médios produtores rurais”, diz o especialista.

Política de desperdício zero na Ceasa

Na Central de Abastecimento (Ceasa-RN) a política de desperdício de alimentos é zero, diz a gerente de programas sociais da central, Darci Alves. Ela coordena o projeto Cesta Solidária, que recolhe frutas, legumes, verduras, tubérculos e hortaliças de produtores, supermercados e permissionários da própria Ceasa e as distribui para 1.100 famílias de dez municípios da Grande Natal e do interior. Os hortifruti são selecionados, higienizados e empacotados.

“É um projeto muito importante que temos. Atendemos um número significativo de pessoas. Para a gente, na nossa casa, uma sacola de fruta às vezes não faz diferença, mas para algumas pessoas nas comunidades faz muita. Você chega em uma comunidade carente e ver o sorriso de uma criança por causa de uma laranja, de um mamão, o olho enche de lágrima porque a fome grita”, relata Darci.

O Cesta Solidária entrega até 12 toneladas de alimentos mensalmente. A equipe de 14 funcionários arrecadam e montam os pacotes que são distribuídos por meio de um cadastro. Além das 1.100 famílias beneficiadas, o programa também atende instituições como Juvino Barreto, Heitor Carrilho, Lar da Vovozinha e GACC. “Esse programa me preenche, é lindo poder ajudar quem precisa. Fazer a diferença para essas pessoas, ajudando a matar a fome de quem tem e evitando que comida vá para o lixo”, completa Darci Alves.

O diretor-presidente da Ceasa-RN, Flávio Morais, diz que a meta é expandir o alcance do projeto. “Com o programa, a Ceasa cumpre um papel social relevante. A direção encontrar neste braço social da estatal, a realização de um dos pilares da nossa gestão: que é eliminar o desperdício e oferecer aos nossos permissionários a possibilidade de destinar corretamente alimentos que não têm mais valor comercial, mas servem para alimentar quem mais precisa”, afirma.

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