Primárias da Geórgia: quando 81 mil votos podem valer mais do que meio milhão

Cartaz indica o local de votação nas primárias democratas e republicanas em Atlanta, na Geórgia
Cartaz indica o local de votação nas primárias democratas e republicanas em Atlanta, na Geórgia — Foto: Elijah Nouvelage / AFP

Que Joe Biden venceria as prévias presidenciais democratas no decisivo estado da Geórgia eram favas contadas, assim como Donald Trump no flanco republicano. Também era pule de dez que o atual presidente alcançaria, na noite desta terça-feira, a maioria dos delegados para oficializar o que já era bem mais do que provável. Seu antecessor, por sua vez, fez o mesmo, madrugada adentro, após os resultados das primárias do Mississippi e do estado de Washington. Mil duzentos e vinte e seis dias depois, está combinado: Biden e Trump se enfrentarão novamente pela Casa Branca.

Mas eleições americanas são maratonas decididas nos detalhes. E para encontrar pistas capazes de iluminar o longo caminho até a eleição geral de novembro é preciso ultrapassar as corretas manchetes desta terça-feira. No estado sulista, as mais aguardadas eram, entre os democratas, o comparecimento (leia-se empolgação) do eleitorado, especialmente o afro-americano. Do lado republicano, o tamanho da rejeição a Trump nos subúrbios. O dia terminou com sinais de preocupação para os dois lados.

Voltemos a 2020. Há quatro anos, Biden levou os 16 votos da Geórgia no Colégio Eleitoral, com vantagem de pouco mais de 11 mil votos. Guarde esse número. A recusa do quartel-general trumpista em aceitar derrota tão apertada e as seguintes maquinações para anular o pleito levaram o ex-presidente a ser indiciado por 13 crimes (entre eles o de extorsão) no estado que acaba de vencer, com provavelmente mais de 500 mil votos, nas prévias da oposição.

O próximo capítulo na Justiça local, aliás, acontece até esta sexta-feira, prazo anunciado pelo juiz para decidir se a advogada de acusação será desqualificada por envolvimento amoroso com o promotor do caso. O juiz é branco, os outros dois protagonistas da novela, negros.

A coalizão que Biden precisa repetir este ano tinha na linha de frente em 2020 eleitores afro-americanos, pouco mais de 1/3 do total, que rumaram às urnas como nunca antes, resultado de formidável esforço de mobilização. Juntaram-se a eles a maioria esmagadora dos latinos (10% dos eleitores) e da crescente classe média e média-alta dos subúrbios de Atlanta, engordada especialmente por ex-moradores da Nova Inglaterra e de Nova York, atraídos por baixos impostos e pela multiplicação de vagas de emprego nas indústrias de tecnologia e startups. Atlanta se tornou o “Vale do Silício do Sul”.

E o presidente deve terminar a terça-feira uma vez mais largamente à frente no campo democrata, com quase 300 mil votos na Geórgia, 95% do total, mas uma fração dos 2,4 milhões que teve nas eleições gerais de 2020, ou mesmo dos 922 mil das primárias daquele ano no estado.

Embora seja inexata a comparação direta de números (não há agora, como há quatro anos, um competidor real, como o senador Bernie Sanders), líderes de grupos de mobilização de eleitores afro-americanos e latinos reforçaram nesta terça-feira que está bem mais difícil convencer eleitores a irem às urnas em novembro. Dentre os motivos principais, a sensação de que perderam dinheiro nos anos Biden em relação aos Trump.

Pesquisa da rede CBS divulgada no dia das prévias no estado, mostra Trump à frente de Biden, dentro da margem de erro, por 51% a 48%. Destaca-se o número pequeno, mas decisivo, em disputa tão acirrada, de eleitores do democrata em 2020, que migraram para o republicano. Em sua maioria motivados, argumentam, por, além de sentirem o bolso mais vazio, acreditarem que Trump será mais eficaz em fechar as fronteiras do país e enfrentar o que acreditam ser o aumento da criminalidade, não comprovado em números.

Mês passado, a estudante de enfermagem Laken Riley, de 22 anos, foi assassinada no campus da Universidade da Geórgia. O venezuelano imigrante não-documentado Jose Antonio Ibarra foi preso pelo crime e a campanha trumpista berra ser esta a prova trágica do fracasso da Casa Branca na política de imigração. Os democratas reagiram com números e mostram que imigrantes (inclusive os que entram no país ilegalmente) cometem muito menos crimes do que cidadãos americanos. Também apontam o que denunciam ser oportunismo dos republicanos, liderados por Trump, ao não aprovarem o endurecimento das políticas de imigração do país proposto pelo governo Biden justamente para usar o tema como arma política em ano eleitoral.

Estratégia que, mostram as pesquisas, tem funcionado. Também preocuparam democratas os números da consulta da CBS que mostram a maioria dos eleitores da Geórgia, palco de uma das mais graves investigações sobre tentativa de interferência no resultado das eleições de 2020, identificando Trump, e não Biden, como defensor da democracia americana.

Mas a vitória inequívoca do ex-presidente na Geórgia nesta terça-feira não escondeu a dor de cabeça no QG trumpista. A ex-governadora da Carolina do Sul, Nikki Haley, que anunciou na semana passada, após as derrotas da Super Terça-Feira, o fim de sua campanha à Presidência, recebeu, mesmo assim, mais de 13% dos votos nas prévias republicanas. Boa parte deles justamente nos subúrbios onde Trump precisa multiplicar seus votos para não repetir a derrota de 2020 para Biden. Em alguns condados cruciais para novembro, próximos de Atlanta, a já não mais candidata teve, mesmo assim, 40% dos votos.

Estrategistas republicanos, de forma reservada, dizem que a campanha acredita poder recuperar nos próximos meses boa parte de quem cravou Haley nesta terça-feira no estado, enfatizando a idade avançada de Biden e o receio de uma explosão de criminalidade nas áreas metropolitanas do estado. Mas reconhecem que o obstáculo maior é a defesa do direito ao aborto pela maioria destes eleitores, bandeira democrata.

Donald Trump celebra nesta terça-feira a maioria dos delegados rumo à convenção nacional do partido em julho. E os mais de meio milhãod e votos na Geórgia, prêmio maior desta terça-feira, já que os demais estados têm destino provável em novembro (Washington e Havaí para os democratas, Mississippi para os republicanos). Mas quem entende do riscado na campanha da oposição sublinha mesmo as quase 81 mil pessoas que, segundo as projeções, marcaram um X em Haley no estado sulista. Parece pouco. Mas é mais de sete vezes a diferença que deu a vitória a Biden sobre Trump em 2020.

Fonte: O Globo

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