Premier do Reino Unido pede desculpas por infecção de 30 mil pessoas com sangue contaminado: ‘Dia da vergonha’

O premier Rishi Sunak pediu desculpas a milhares de pessoas infectadas com sangue contaminado em um escândalo de décadas no Reino Unido
O premier Rishi Sunak pediu desculpas a milhares de pessoas infectadas com sangue contaminado em um escândalo de décadas no Reino Unido — Foto: JESSICA TAYLOR / PARLAMENTO DO REINO UNIDO / AFP

O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, declarou esta segunda-feira como um “dia da vergonha” ao desculpar-se pelas mais de 30 mil de vítimas infectadas com sangue contaminado com HIV e Hepatite entre os anos de 1970 e 1990, em um escândalo de décadas que, segundo um relatório, foi acobertado por sucessivos governos e poderia ter sido amplamente evitado. Cerca de 3 mil pessoas morreram, e outras ainda morrerão, no que foi descrito como o maior desastre de tratamento nos oito décadas de história do Serviço Nacional de Saúde (NHS) estatal.

— Este é um dia de vergonha para o Estado britânico — disse Sunak à Câmara dos Comuns, a Câmara baixa do Parlamento britânico, horas depois da divulgação do relatório que acusava o governo britânico de encobrir o desastre. — Este é um pedido de desculpas do Estado, a cada pessoa afetada por este escândalo. Não precisava ser assim, nunca deveria ter sido assim. E em nome deste e de todos os governos desde a década de 1970, lamento sinceramente.

As vítimas incluíam aqueles que precisavam de transfusões de sangue devido a acidentes e cirurgias, e aqueles que sofriam de distúrbios sanguíneos como hemofilia, sendo tratados com produtos derivados de plasma sanguíneo doado, bem como os parceiros das pessoas infectadas.

— Repetidamente, pessoas em posições de poder e confiança tiveram a chance de interromper a transmissão dessas infecções e falharam em fazê-lo — acrescentou o premier, prometendo fazer “o que for necessário” para compensar as vítimas e anunciando uma “indenização abrangente” aos afetados.

Espera-se que a cifra total para as indenizações seja superior a £ 10 bilhões (R$ 61 bilhões), num pacote a ser anunciado pelo governo britânico nesta terça-feira.

O relatório de 2,5 mil páginas é produto de um inquérito de quase seis anos, encomendado pela então-primeira-ministra Theresa May, em 2017, após décadas de pressão das vítimas e das suas famílias. O documento expôs um “catálogo de fracassos” com consequências “catastróficas” para as vítimas e seus entes queridos.

Mais de 26 mil pessoas foram infectadas com Hepatite C através de transfusões de sangue entre 1970 e 1991, concluiu o documento. Entre aqueles que receberam produtos sanguíneos contaminados, cerca de 1.250 foram infectados pelo HIV, incluindo cerca de 380 crianças. Outras 5 mil pessoas desenvolveram uma forma crônica de Hepatite C.

O relatório também mostra que, em alguns casos, crianças com distúrbios hemorrágicos foram tratadas como “objetos de pesquisa”. Numa escola onde 122 alunos com hemofilia receberam produtos sanguíneos infectados entre 1970 e 1987, apenas 30 sobrevivem, diz o documento.

“Devo informar que isso poderia ter sido evitado em grande parte, embora não totalmente”, concluiu o autor do relatório, o juiz Brian Langstaff.

A equipe de Langstaff concluiu que sucessivos governos e profissionais de saúde não conseguiram mitigar os riscos, apesar de ser evidente, no início da década de 1980, que a causa da Aids poderia ser transmitida pelo sangue. Além disso, ficou claro que os doadores de sangue não foram devidamente examinados e os produtos sanguíneos foram importados de outros países, incluindo dos Estados Unidos, onde eram utilizados consumidores de drogas e prisioneiros para as doações.

Houve até tentativas de ocultar o escândalo, incluindo provas de que funcionários do Departamento de Saúde destruíram documentos em 1993, apontou Langstaff. “Observando a resposta do NHS e do governo em geral, a resposta à pergunta ‘houve um encobrimento?’, é que houve”, afirmou no relatório. “Não no sentido de pessoas tramando uma conspiração orquestrada para enganar, mas de uma forma que foi mais sutil, mais difundida e mais assustadora em suas implicações. Desta forma, escondeu-se grande parte da verdade”, acrescentou.

Ativistas e vítimas da contaminação sanguínea e as suas famílias expressaram alívio com as conclusões do relatório, mas também raiva por ter demorado tanto para ficar pronto. Algumas morreram antes de o inquérito terminar — ou mesmo ter começado —, assim como alguns dos funcionários que poderiam ter sido responsabilizados.

Andy Evans, presidente do grupo ativista Tainted Blood, descreveu o relatório como “importante” e que se sentiu “validado e justificado”.

— Há gerações que estamos às escuras… Às vezes, nos últimos 40 anos, sentíamos como se estivéssemos gritando contra o vento — disse ele aos repórteres. (Com New York Times e AFP.)

Fonte: O Globo

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