Potiguares relatam incertezas e dúvidas com “mordida do Leão”

27/03/2023/ Especial-Declaração de imposto de renda Foto.Magnus Nascimento Repórter Icaro Carvalho

As mudanças nos valores do salário mínimo em 2023 e o prenúncio da chegada da declaração de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) tem deixado potiguares em estado de alerta para a “mordida do Leão” neste ano. Sem correção na tabela de cobrança do IRPF, o imposto passará a atingir a população que recebe acima de 1,5 salários mínimos. A cobrança será inédita para essa camada da população mais pobre do País. Trabalhadores potiguares têm relatado incertezas e dúvidas acerca do procedimento, além do fato de temerem a necessidade de pagar a contadores autônomos para ajudar na declaração.

Além da inflação elevada, a situação da cobrança acontece pela não atualização da tabela do IRPF, que está congelada desde 2015. A título de exemplo, quando essa tabela foi anunciada, o salário mínimo era de R$ 788 e era preciso ter uma renda equivalente a acima de 2,4 salários mínimos para ser enquadrado na tabela do Fisco. Desde então, essa relação cai ano a ano.

Em 2022, o mínimo é de R$ 1.212 e a incidência passou a ser a partir de 1,6 vez o salário. Para efeito de comparação: em 1994, quando foi lançado a moeda Real, era preciso ganhar oito salários mínimos para ter o salário mordido pelo Fisco.

“A população quase pobre, quem ganha um salário mínimo e meio, e a classe média verdadeira, quem ganha quatro, cinco salários, estão sustentando as políticas públicas do País. Se você mantém a tabela congelada, e as pessoas vão tendo recuperação do poder de compra, elas acabam pagando mais imposto sem que elas tenham tido uma maior renda, porque elas estão recuperando o poder de compra. Ao passo que os ricos, que recebem por meio de lucros e dividendos, não pagam nada de IRPF”, comenta o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional), Mauro Silva.

Para o advogado Igor Silva de Medeiros, presidente da Comissão de Direito Tributário e Finanças Públicas da OAB-RN, a não correção da tabela e a inclusão de pessoas com baixa remuneração no imposto de renda também terá outro impacto no bolso dos trabalhadores.

“Imagine que para uma empresa fazer essa retenção, ela precisará de um funcionário para calcular sobre os salários, mas não só sobre isso. Tem empregado que recebe auxílio, hora extra, etc. É algo customizado. A contabilidade vai se envolver para emitir a Guia e o Fisco fiscaliza do outro lado. Sendo que o custo para arrecadar R$ 3,67 é maior. E o próprio empregado vai pedir a restituição de pouco menos de R$ 50. O trabalhador, que investe em educação própria, plano de saúde, ele pode pedir a restituição. Mas imagine que esse trabalhador até ano passado era isento. E essa obrigação ele pode precisar pagar a um contador, caso não saiba fazer”, acrescenta Igor Medeiros. Em alguns casos, contadores cobram de R$ 100 a R$ 500 para executar a declaração.

“Esse desconto para quem recebe 1,5 salários, que é de R$ 1953,98, nesse caso específico ele vai ultrapassar em R$ 49,02 para faixa de tributação. Sobre esse valor é que vai incidir os 7,5%, então esse trabalhador vai ter descontado do salário e repassado para a RF a importância de R$ 3,67. As obrigações acessórias para se fazer essa retenção e repasse será mais custosa para o empregador e para a própria Receita arrecadar e fiscalizar do quê esse benefício teria”, explica.

Segundo o professor Cassiano Bezerra Marques Trovão, do Departamento de Economia da UFRN, a não atualização da tabela do IR, o pagamento do imposto para pessoas mais pobres é um “agravante da condição de vulnerabilidade”.

“Pra quem já ganha pouco e sofre profundamente com inflação de alimentos, desemprego e com a falta de acesso a um amplo conjunto de bens e sérvio essenciais (saúde educação saneamento), ter sua renda reduzida pelo pagamento de imposto de renda é um agravante da sua condição de vulnerabilidade. A isenção é de IR, mas essa população já paga muito imposto, e proporcionalmente a sua renda pagam muito mais que os mais ricos, por conta dos impostos indiretos que incidem em tudo que elas compram no mercado”, analisa o professor.

Defasagem já está em 134,5%, aponta Unafisco

 

A correção integral da tabela do imposto de renda já é uma demanda antiga entre auditores fiscais e especialistas em tributação. A última vez que foi reajustada de forma devida, de acordo com a inflação, foi em 1995. Em 2015, houve ampliação da faixa de isenção, que passou de até R$ 1,787,77 para até R$ 1.903,98 – o mesmo teto que é aplicado até hoje. Na época, o salário mínimo era R$ 788, o que significa que as pessoas que ganhavam até 2,4 vezes o salário mínimo estavam isentas.

A defasagem acumulada da tabela desde 1996 é de 134,53% para o ano-calendário deste ano, aponta levantamento da Unafisco. Para 2024, a diferença é ainda maior, de 148,1%.

“Se a gente reajusta a tabela em 148,10%, que é a defasagem atual, teríamos uma isenção que ultrapassaria os R$ 4,7 mil. Teríamos mais de 18 milhões de pessoas isentas da cobrança. Numa arrecadação estimada em R$ 400 bilhões, representa que estão sendo arrecadados indevidamente, isto é, retirados das famílias de classe média, cerca de R$ 230 bilhões por ano. Isso é dinheiro que as famílias poderiam gastar na economia e dinamizá-la. Isso é uma injustiça fiscal muito grande”, acrescenta o presidente da Unafisco, Mauro Silva.

Mais de 18 milhões de brasileiros ficariam isentos da cobrança do Imposto de Renda na declaração deste ano se a tabela fosse corrigida totalmente pela inflação, aponta levantamento da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional). A associação fez o cálculo com base no IPCA acumulado de 1996 a dezembro de 2022, com base na inflação anual divulgada pelo IBGE. Para o próximo ano, o limite de isenção deveria ser de R$ 4.723,77.

Para as declarações de 2023, ano base 2022, a arrecadação prevista é de R$ 328,56 bilhões. Caso a tabela fosse corrigida integralmente pela inflação, o governo deixaria de arrecadar R$ 184,29 bilhões.

 

Número

148,1%  – É a defasagem acumulada da tabela desde 1996 para o ano-calendário de 2024, segundo projeção da Unafisco Nacional

 

Isenção até R$ 5 mil foi promessa do novo governo

 

As mudanças no Imposto de Renda, com ampliação da faixa de isenção para quem ganha até R$ 5 mil, foi uma das principais promessas da companha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência. No entanto, a tão esperada mudança não deve ocorrer em 2023.

Em novembro, o senador eleito Wellington Dias (PT), responsável pela revisão do orçamento, disse que o tema será tratado ao longo do governo Lula. “É uma proposta para o mandato. Ela não está sendo tratada nem na PEC [da transição] e nem na reorganização do orçamento [de 2023]”, declarou.

Em 2021, o governo Bolsonaro encaminhou ao Congresso Nacional um projeto que atualizava a tabela do IR com início da incidência do tributo para trabalhadores com renda a partir de R$ 2.500 – o que indicaria aumento de 31% no valor da primeira faixa.

O texto, que era parte da reforma tributária, foi aprovado pela Câmara no ano passado, mas, desde então, está parado no Senado. Por lá, o texto chegou em setembro e, desde então, está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

 

Número

18 milhões – de brasileiros ficariam isentos da cobrança do Imposto de Renda na declaração deste ano se a tabela fosse corrigida totalmente pela inflação

 

Imposto de Renda 2023

Faixas de enquadramento na tabela de IRPF

 

Vencimentos: Até R$1.903,98
Alíquota: Isento

Vencimentos: De R$1.903,99 até R$2.826,65
Alíquota: 7,5%
Dedução: R$ 142,80

Vencimentos: De R$2.826,66 até R$3.751,05
Alíquota: 15%
Dedução: R$ 354,80

Vencimentos: De R$3.751,06 até R$4.664,68
Alíquota: 22,5%
Dedução: R$ 636,13

Vencimentos: Acima de R$ 4.664,68
Alíquota: 27,5%
Dedução: R$ 869,36

Efeitos defasagem da tabela do IRPF

Cálculo da defasagem realizado com base no IPCA acumulado de 1996 a dezembro de 2022, sendo considerado os ajustes ocorridos na tabela do IR durante este período

SEM CORREÇÃO

LIMITE DE ISENÇÃO
: R$ 1.903,98

ISENTOS: 8.416.419

ARRECADAÇÃO EM BILHÕES:
R$ 395,64 bilhões

 

CASO A CORREÇÃO FOSSE INTEGRAL

LIMITE DE ISENÇÃO
: R$ 4.723,78

QUANTIDADE DE ISENTOS
: 27.434.121

ARRECADAÇÃO EM BILHÕES
: R$ 166,80 bilhões

DIFERENÇA NA QUANTIDADE DE ISENTOS: 19.017.702

Principais regras que obrigam a pessoa a apresentar declaração em 2023 são:

>> Quem recebeu rendimentos tributáveis acima de R$ R$ 28.559,70 no ano, ou cerca de R$ 2.380 por mês, incluindo salários, aposentadorias, pensões e aluguéis;
>> Quem recebeu rendimento isento, não tributável ou tributado exclusivamente na fonte acima de R$ 40 mil; isso inclui o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), seguro-desemprego, doações, heranças e PLR;
>> Quem teve ganho de capital vendendo bens ou direitos sujeitos a pagamento do IR;
>> Quem realizou operações na bolsa de valores;
>> Quem tem bens ou direitos acima de R$ 300 mil em 31 de dezembro de 2022;
>> Quem teve receita de atividade rural acima de R$ 142.798,50

Fonte: Receita Federal

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