Por que a noite existe?

Observação da Terra realizada durante passagem noturna da tripulação da Expedição 40 a bordo da Estação Espacial Internacional.
Observação da Terra realizada durante passagem noturna da tripulação da Expedição 40 a bordo da Estação Espacial Internacional. — Foto: Reid Wiseman/Nasa via El País

Perguntas que parecem muito simples, ingênuas ou infantis, como por que a noite existe, muitas vezes nos levam a respostas complexas que contêm uma infinidade de conceitos físicos e derivadas curiosas. O fato de o dia e a noite existirem deriva diretamente do fato de que a Terra gira em seu próprio eixo e nem sempre está voltada para a mesma face em direção ao Sol. Portanto, a questão de por que a noite existe passa a ser, na verdade, por que a Terra gira em seu eixo e como ela faz isso.

A explicação é baseada na física fundamental e, como tal, é extremamente importante para a compreensão de como funciona o universo. Não estamos falando de uma física tão popular como a lei da gravitação universal ou da equivalência entre massa e energia E=mc², mas da conservação do momento angular, que é tão importante quanto essas outras equações. Na formação dos sistemas planetários, a conservação do momento angular obriga os planetas a girar.

Todos os planetas giram em torno de seus eixos? Bem, eles deveriam fazer isso, mas outras coisas acontecem com eles que podem parar a sua rotação. Na verdade, pensa-se que Vênus parou a sua rotação e até a inverteu: gira na direção oposta ao resto dos planetas do sistema solar e à sua própria órbita em torno do Sol. O resultado é que um ano venusiano – o tempo que leva para dar uma volta ao redor do Sol, cerca de 224 dias terrestres – dura um pouco menos que o dia venusiano – 243 dias terrestres. Podemos concluir que o conceito de dia e noite não é o mesmo em outros planetas; pelo menos, se considerarmos a duração de ambos que nós, terráqueos, temos em mente.

Será que é possível que um planeta não tenha dia nem noite? Ou seja, é possível que numa área de um planeta seja sempre noite? A resposta é sim e está relacionada a outros conceitos físicos. A rotação não é a única responsável pela existência do dia e da noite.

Como a Terra gira em torno do Sol, se ela não girasse e ficasse sempre voltada para o mesmo lado, em algum momento deixaria o Sol para um lado e finalmente para trás do planeta. Vamos passar para o círculo central de um campo de futebol e imaginar que o Sol fosse uma bola que está no ponto inicial. Se um caminhante se move ao longo da borda do círculo sem girar em torno de seu eixo (isto é, sempre olhando para o mesmo fundo do campo, o que implica que às vezes nos moveríamos para os lados e às vezes andando para trás), no meio desse caminho, equivalente à órbita de um planeta, ele perderia a bola de vista e isso seria como a noite do planeta. Mas depois de percorrer meio círculo novamente, eu veria o ponto central novamente e isso seria como a luz do dia.

Para que numa área de um planeta seja sempre noite ou dia, no seu percurso orbital em torno de uma estrela a rotação do planeta sobre o seu próprio eixo e a órbita em torno da estrela devem estar sincronizadas. No nosso exemplo do campo de futebol, a pessoa que se desloca pelo círculo central deve virar-se enquanto caminha, de forma adequada para nunca ver o ponto central (sempre à noite) ou sempre vê-lo (dia eterno). Tal grau de sincronia parece inacreditável, mas é possível, e muito comum no universo: não por acaso, claro, mas pela física: a própria Lua está sincronizada com a Terra, no sentido de que gira em seu eixo mais ou menos no mesmo período que gira em torno da Terra. Existe, portanto, um lado oculto da Lua que nunca vemos e que nunca nos vê.

Existe alguma outra maneira de passar sem noite – ou dia – por longos períodos de tempo? Bem, sim: a duração da noite também depende de como o eixo de rotação está orientado com o da órbita ao redor da estrela. Na própria Terra, o eixo de rotação não é perpendicular ao plano através do qual o planeta se move ao redor do Sol. Como se fosse um topo ligeiramente inclinado, existe um ângulo de 23 graus entre o eixo e a elíptica, o que causa as estações em algumas áreas do globo e torna a noite muito longa ou inexistente durante meses nas áreas polares.

Urano gira em torno de um eixo que forma quase 90 graus com a elíptica. É como se o nosso caminhante no campo de futebol sempre se movimentasse em torno do ponto central olhando para o fundo, mas fazendo piruetas laterais, de modo que girasse em torno do umbigo. O resultado para aquele planeta do nosso sistema solar é que existe um ponto na superfície de Urano que tem 42 anos de noite e 42 anos de dia, ao longo do ano, o que equivale a 84 anos terrestres.

Fonte: O Globo

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