‘Permanentemente congelada’: como é a prisão no Ártico onde principal opositor de Putin morreu

Alexei Navalny, ativista político russo, durante audiência por videoconferência em junho
Alexei Navalny, ativista político russo, durante audiência por videoconferência em junho — Foto: Natalia Kolesnikova / AFP

O opositor russo Alexei Navalny passou mal durante uma campanha pela colônia penal em Kharp, no Ártico russo, e acabou morrendo, de acordo com o serviço penitenciário da Rússia. Principal rival político do presidente Vladimir Putin, Navalny estava na colônia penal número 3, conhecida como Polar Wolf (“Lobo Polar”) e considerada uma das prisões mais difíceis de se ficar na Rússia. Os invernos na região são rigorosos, com temperaturas que rodeiam os 30 graus Celsius negativos.

Em janeiro, na sua primeira aparição em imagens desde a transferência para a Polar Wolf, Navalny disse a um tribunal russo que era submetido a temperaturas “congelantes”, que chegavam a 32 graus negativos, e reclamou do limite de 10 minutos para se alimentar.

— Você sabe por que as pessoas escolhem um jornal lá [um dos itens que podem receber na cela]? Para se cobrir. Porque com um jornal, posso dizer a vocês, juízes, é muito mais quente dormir, por exemplo, do que sem ele. E então você precisa de um jornal para não congelar — afirmou ele. — É impossível comer em 10 minutos. Se você comer todos os dias em 10 minutos, [fazer] esta refeição se tornará um processo bastante complexo.

Navalny sentiu-se mal após uma caminhada, perdendo quase imediatamente a consciência, afirmou o serviço penitenciário russo, segundo o qual o opositor chegou a ser socorrido.

“A equipe médica chegou imediatamente e uma equipe de ambulância foi chamada. Foram realizadas medidas de reanimação que não produziram resultados positivos. Os paramédicos confirmaram a morte do condenado. As causas da morte estão sendo apuradas”, disse o comunicado oficial, divulgado nesta sexta-feira.

A viagem de Navalny até a prisão durou 20 dias e foi “bastante cansativa”, declarou ele na rede X. Parentes do opositor ficaram cerca de três semanas sem notícias dele. “Mas estou de bom humor, como o Papai Noel”, acrescentou, em referência à barba que cresceu durante a viagem e à roupa de inverno que usa, adaptada às temperaturas polares. “De qualquer forma, não se preocupem comigo. Estou bem. Estou aliviado por finalmente ter chegado”.

Navalny, um ativista anticorrupção e um dos principais adversários políticos do presidente Vladimir Putin, cumpre pena de 19 anos de prisão por “extremismo”. Ele foi detido em janeiro de 2021 ao retornar à Rússia, depois de se recuperar na Alemanha de um envenenamento que, segundo ele, foi planejado pelo Kremlin.

Até então, ele estava detido na colônia da região de Vladimir, a 250 quilômetros de Moscou.

Kharp, uma pequena cidade de 5 mil habitantes, situa-se em Yamalia-Nenetsia, uma região remota no norte da Rússia. A localidade fica além do Círculo Polar Ártico e abriga várias colônias penais. Um dos principais colaboradores de Navalny, Ivan Zhdanov, afirmou que esta é “uma das colônias mais remotas” da Rússia. As condições lá são “difíceis”, escreveu na rede X.

“As condições lá são duras, com um regime especial na zona de permafrost” e muito pouco contato com o mundo exterior, disse Jdanov. O permafrost é uma camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada.

De acordo com o veredito de “extremismo” pronunciado contra ele, o opositor tem de cumprir a pena em uma colônia de “regime especial”. Nessa categoria, a mais gravosa na Rússia e normalmente destinada aos condenados à prisão perpétua ou aos detentos mais perigosos, as condições de detenção são mais duras.

“Desde o início, ficou claro que as autoridades queriam isolar Alexei, especialmente antes da eleição presidencial”, prevista para março de 2024, acrescentou Zhdanov.

Localizada às margens do rio Sob, a Polar Wolf é uma das sete colônias de trabalho corretivo de segurança máxima operadas pelo Serviço Penitenciário Federal para condenados à prisão perpétua, status este que ganhou em 2004, segundo o site Atlas News. O portal afirma ainda que a prisão é composta por “caldeira, padaria, usina a diesel, cantina e departamentos de produção para os presos fazerem blocos de concreto e brita”.

Ainda segundo o site, há também oficinas de marmoraria, costura, alfaiataria e carpintaria. Os condenados podem receber um pacote por ano e podem passear em uma pequena jaula uma vez por dia durante 90 minutos.

“[Os detidos] Possuem cama, mesa, criado-mudo, prateleira fechada onde podem guardar alimentos, prateleira para produtos de higiene pessoal, caixa d’água, cabide e vaso sanitário. Os presos não podem deitar na cama durante o dia e não podem conversar com outros presos. Todos os movimentos são realizados algemados”, descreve o portal.

A prisão foi fundada em 1960 como parte do sistema de campos de trabalhos forçados soviéticos, de acordo com o jornal Moskovsky Komsomolets, destaca a Reuters.

As transferências de um centro penitenciário para outro na Rússia podem levar várias semanas em viagens de trem, com várias etapas. E as famílias dos detentos não recebem informações durante o período.

A falta de notícias sobre Navalny gerou preocupação em vários países ocidentais e na ONU.

O movimento de Navalny foi minado de maneira metódica pelas autoridades russas nos últimos anos, com vários de seus colaboradores e aliados sendo presos, ou indo para o exílio.

As autoridades iniciaram novos processos judiciais por “vandalismo” contra o opositor, o que pode resultar em mais três anos de detenção.

Nesse cenário, com a oposição quase inexistente e a repressão intensa a qualquer voz crítica, Putin aspira sem problemas a um novo mandato de seis anos na Presidência da Rússia nas eleições de março de 2024.

Fonte: O Globo

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