Pela primeira vez, cientistas observam orangotango tratando ferida com planta medicinal

Rakus, um orangotango macho da Sumatra, tratou ferida no rosto com erva medicinal, no Parque Nacional Gunung Leuser, Indonésia
Rakus, um orangotango macho da Sumatra, tratou ferida no rosto com erva medicinal, no Parque Nacional Gunung Leuser, Indonésia — Foto: SUAQ Foundation / AFP

Conhecidos por sua elevada inteligência, primatas como orangotangos e chimpanzés já foram vistos se automedicando em inúmeras situações, como esfregando braços e pernas com folhas mastigadas para tratar dores musculares, ou até mesmo ingerindo plantas capazes de tratar infecções por vermes. Agora, pela primeira vez, cientistas observaram um orangotango tratando uma ferida aberta com ervas reconhecidamente medicinais, dando ainda mais pistas sobre as origens de tratamentos humanos com plantas de propriedades antiinflamatórias e analgésicas.

A descoberta foi divulgada nesta quinta-feira pelos pesquisadores do Instituto Max Planck de Comportamento Animal, da Alemanha, na Scientific Reports. O estudo foi conduzido numa área de investigação de uma floresta tropical protegida na Indonésia, onde a equipe observou, entre mais de 300 exemplares não-domesticados da ilha de Sumatra, um orangotango macho (Pongo abelii), chamado Rakus, utilizando folhas e caule mastigados de uma planta para curar um machucado aberto no rosto, provavelmente causado por uma briga com outro macho da mesma espécie três dias antes.

“Treze minutos depois de Rakus ter começado a se alimentar do cipó, ele começou a mastigar as folhas sem engoli-las e a usar os dedos para aplicar o suco da planta da boca diretamente no ferimento facial”, escreveram os pesquisadores. Apenas cinco dias depois, a ferida se fechou. Semanas depois, restou apenas uma pequena cicatriz no rosto de Rakus.

A planta, chamada de akar kuning (Fibraurea tinctoria) ou raiz amarela, segundo a autora sênior da pesquisa, Dra. Caroline Schuppli, tem efeitos analgésicos, antipiréticos e diuréticos e é “utilizada na medicina tradicional para tratar várias doenças, como disenteria, diabetes e malária”. Ainda de acordo com os autores, o medicamento faz parte da farmacopeia tradicional na região, desde a China até o Sudeste Asiático.

Apesar de não se saber se Rakus aprendeu esse procedimento ao observar outro animal ou se o descobriu sozinho, os cientistas concluíram que o orangotango parece ter usado a planta intencionalmente. Segundo os pesquisadores, o comportamento do animal pode oferecer novas informações sobre as origens do tratamento de feridas humanas, cujo tratamento foi mencionado pela primeira vez em um manuscrito médico datado de 2.200 a.C.

“Isso definitivamente mostra que essas capacidades cognitivas básicas que você precisa para desenvolver um comportamento como este provavelmente estavam presentes na época do nosso último ancestral comum”, disse Schuppli, adicionando que “isso remonta muito, muito longe.” O fato de, tal como os humanos, os primatas poderem tratar ativamente uma lesão desta forma sugere que “o nosso último ancestral comum já usava formas semelhantes de tratamento com pomadas”, acrescentou.

Mas os pesquisadores não excluem a possibilidade de se tratar de uma “inovação individual” de origem acidental. Rakus pode ter aplicado acidentalmente o suco da planta no ferimento, logo após colocar os dedos na boca. Como a planta tem efeito analgésico, os macacos “podem sentir um alívio imediato, o que os levaria a repetir a operação várias vezes”, segundo Schuppli.

Os pesquisadores esperam que o estudo ajude a criar mais apreciação e desejo de proteger o orangotango de Sumatra, uma espécie criticamente ameaçada. Mesmo depois de 30 anos de estudos no parque, os pesquisadores estão aprendendo coisas novas. Apenas nos últimos anos, os cientistas demonstraram que os orangotangos podem resolver quebra-cabeças complexos, planejar o futuro, provocar uns aos outros de forma divertida e rir como os humanos. (Com AFP e NYT.)

Fonte: O Globo

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