Países pobres do G20 ultrapassam produção acadêmica dos ricos e China agora lidera ranking

Science20, evento paralelo ao G20 voltado para a comunidade científica, no Rio de Janeiro
Science20, evento paralelo ao G20 voltado para a comunidade científica, no Rio de Janeiro — Foto: Marcos André Pinto/Divulgação ABC

Os países de renda média e baixa do Grupo dos 20 (G20) ultrapassaram a produção acadêmica das nações mais ricas, segundo estudo de Carlos Henrique de Brito Cruz, vice-presidente sênior da Elsevier Research Networks e professor emérito da Unicamp, apresentado durante a 8ª edição do Science20 (S20), braço científico do G20 no Brasil. De acordo com a pesquisa, a China agora lidera o ranking, que até 2020 era comandado pelos Estados Unidos, hoje na segunda posição. Logo atrás surge a Índia, que também superou o volume de produção do Reino Unido recentemente.

Segundo Cruz, 80% das publicações científicas no mundo têm co-autores de um dos países do G20, e os Estados Unidos são o principal colaborador de 17 dos 18 países do fórum. Para o professor, a descoberta mostra como a “colaboração científica agora é obrigatória”, o que deve inspirar as trocas no S20. Nos últimos dois dias, o evento reuniu representantes das academias de ciência dos países membros, organizações científicas e autoridades no Rio de Janeiro.

De acordo com Cruz, o investimento do Brasil em ciência ainda é médio em comparação aos demais países do G20: cerca de US$ 39 bilhões, somando aportes do governo, universidades, empresas e externos. No entanto, um dos desafios é transformar os estudos em soluções lucrativas. De acordo com a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, o Brasil é o 13º país com maior produção acadêmica, mas o 49º em inovação.

— A nossa inteligência e a nossa produção não se traduzem em produtos e serviços — afirmou Santos ao GLOBO.

A discussão foi um dos temas que dominaram a agenda do Science20, que debateu os desafios da Inteligência Artificial (IA), transição energética, desigualdade tecnológica e crises demográficas. Parte do chamado G20 Social, uma novidade da presidência brasileira, pela primeira vez as recomendações do grupo de engajamento científico serão analisadas pelos chefes de Estado na Cúpula de Líderes, em novembro. A expectativa é que um documento final seja elaborado até julho.

Neste ano, os debates do S20 foram divididos em cinco frentes: inteligência artificial e impactos na sociedade, desafios da saúde, bioeconomia, processo de transição energética e justiça social. Para Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), anfitriã do evento, é possível encontrar soluções conjuntas, apesar das divisões geopolíticas e dos interesses econômicos em jogo.

— A gente tem tudo para poder criar uma convergência e assim fazer com que a sociedade civil possa influenciar de fato o debate na Cúpula de Líderes — disse Nader ao GLOBO. — A educação e a ciência são a essência do crescimento econômico.

Originalmente, o Grupo dos 20 (G20) — que reúne as 19 maiores economias do mundo, a União Europeia e, mais recentemente, a União Africana — foi pensado como um fórum de discussões econômicas. No entanto, desde a crise financeira de 2008, o evento passou a observar também questões mais amplas, de cunho social, ambiental e político. A inédita presidência brasileira pretende focar ainda mais nesses aspectos, estabelecendo três prioridades nesta direção: combate a fome, pobreza e desigualdade, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global.

Para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidência rotativa do G20 tem sido usada como uma ferramenta de política externa para construir alianças e reposicionar o Brasil como uma liderança global. Além disso, é vista como uma oportunidade de colocar temas espinhosos sobre a mesa num momento em que a polarização em torno dos conflitos na Ucrânia e em Gaza obstruiu o debate em importantes organismos multilaterais, como as Nações Unidas.

A ministra Luciana Santos participou da abertura do fórum, na segunda-feira, e defendeu que diferentes estratégicas econômicas possam ser adotadas para fomentar a ciência e combater a desigualdade tecnológica.

— Concordo em gênero e grau com um debate macroeconômico. [Sem isso] não é possível a gente avançar nos grandes investimentos em ciência e tecnologia, que cada vez são mais crescentes pelos desafios da revolução tecnológica, da mudança climática e da desigualdade — disse Santos.

Um dos principais temas em discussão no evento foi o avanço da inteligência artificial, cujo uso eleitoral foi regulado há duas semanas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Fernanda de Negri, diretora de Estudos Setoriais do Ipea e uma das palestrantes do S20, defendeu uma regulamentação internacional que paute o uso de dados, sobretudo privados, por essas novas tecnologias, e alertou para os riscos de iniciativas apenas regionais. Para ela, o foco das restrições deveria ser nas plataformas digitais, por onde manipulações criadas por sistema de IA são disseminadas.

— A gente tinha que criar regulamentações sobre uso de dados que fossem mais compartilhadas internacionalmente. Senão, cada país vai ficar fazendo a sua regulamentação e, na medida em que a gente eventualmente impede o uso de dados para gerar soluções no nosso país, nada impede que empresas multinacionais usem as mesmas informações para gerar soluções com IA — explica, observando que algumas regulações podem ampliar a desigualdade tecnológica. — Regular não só impedir que se faça [uso da IA], porque é uma tecnologia nova, mas é permitir que vários países consigam utilizar e produzir soluções de inteligência artificial.

Além de Negri e Cruz, o Science20 também contou com palestras de Márcia Castro, demógrafa e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard, que abordou o tema da demografia e desafios da saúde no G20; e Pedro Wongtschowski, presidente do Conselho Superior de Inovação da FIESP, que falou sobre inovação para inclusão social.

A Academia de Ciências da África do Sul, país que presidirá o G20 no ano que vem, afirmou que a comunicação será um dos seus focos e a abordagem multidimensional das crises será priorizada na formulação de sugestões aos líderes.

— Nós, como cientistas, precisamos nos envolver muito mais para que os estudos e as recomendações que levamos sejam comunicados de forma eficaz. Caso contrário, seremos divergentes em polos separados — afirmou a diretora executiva da Academia de Ciências da África do Sul, Himla Soodyall. — Precisamos mostrar que a ciência pode orientar a formulação de políticas de várias maneiras, pois o objetivo final é melhorar a qualidade de vida de todos os cidadãos.

De acordo com a presidente interina da Academia de Ciências da África do Sul, Stephanie Burton, o caminho para isso é olhar para o “prisma das policrises”, entendendo que os desafios não são isolados e a busca por soluções deve ter isso em mente.

— Não vemos todos os desafios como tópicos específicos, mas sim como um único tipo de desafio, que é complicado e implica muitas abordagens diferentes. Por isso, talvez seja essa a nossa ideia, a sugestão de envolver muitos grupos, tópicos e disciplinas diferentes para contribuir para uma abordagem aos desafios internacionais — afirmou Burton.

Fonte: O Globo

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