Pai relata tensão com filha de 2 anos em ônibus sequestrado no Rio: ‘tentamos acalmá-la, colocar desenho para assistir’

Ônibus com sequestrador na Rodoviária Novo Rio
Ônibus com sequestrador na Rodoviária Novo Rio — Foto: Domingos Peixoto

O período de férias havia terminado e a família, natural de Juiz de Fora, voltava para casa quando o ônibus da viação Sampaio foi sequestrado na Rodoviária do Rio na última terça-feira. As seis pessoas tinham saído de Cabo Frio, na Região dos Lagos, e seguiam em direção à cidade mineira. Para X., de 35 anos, que preferiu não se identificar, o mais difícil para a família foi tentar distrair sua filha, de apenas 2 anos, enquanto eram vividos de pânico. O criminoso, que manteve 16 pessoas reféns, acabou preso na noite daquele mesmo dia.

— A maior preocupação era com ela. Tentamos acalmá-la, colocar desenho para assistir, enquanto nos protegíamos. O ônibus estava quente, já que o ar-condicionado não funcionava, e isso era mais uma questão. Mas a preocupação central era com a minha família — contou o pai da criança, já em Juiz de Fora.

Da mesma família, a idosa M.A., de 60 anos, diz que as três horas em que os passageiros do coletivo ficaram sob o domínio de Paulo Sérgio Lima pareceram uma eternidade.

— Voltávamos de um momento feliz, em família, de muita diversão, e foi como um balde de água fria em nossa cabeça. As horas pareceram uma eternidade. Agora, é como se tivéssemos renascido — conta.

Segundo contam os parentes, eles optaram por uma volta que passasse pelo Rio de Janeiro, já que o ônibus que ia direto para Juiz de Fora saía horas mais tarde, às 16h.

— Foi uma escolha nossa, mas nunca imaginaríamos. Chegamos a tentar comprar a passagem on-line, mas a internet falhou e não conseguimos. A sorte foi não ter conseguido porque estaríamos em assentos no primeiro andar — explica X.

Os seis integrantes da família acabaram conseguindo assentos apenas no segundo andar do ônibus, onde começou a confusão. No entanto, conforme relatam, após os primeiros disparos, Paulo Sérgio desceu as escadas e permaneceu no primeiro piso, com uma mulher de refém.

— Era desesperador. Não escutávamos direto o que ele falava, mas uma moça colocava o rosto no chão para tentar entender. Ele falava “vou matar”, que não era para policiais se aproximarem, que ele ia atirar — relata M.A.

De acordo com ela, num ato de desespero, outra passageira chegou a pegar um papel e anotar números nos quais autoridades poderiam falar com amigos ou parentes seus, caso algo acontecesse.

— Não sei quantos tiros, mas foram uns sete, acho. Meu foco estava na minha filha e na minha neta —conta R., de 61 anos. — Se ele subisse novamente e viesse em nossa direção, eu colocaria meu peito na frente por elas. Só pensava nisso.

Segundo a família, a todo tempo a atenção deles era voltada para a criança, que chorava.

—A gente tentava fazê-la parar, não queríamos que ele se irritasse e subisse — conta J., de 69.

A previsão era de que o coletivo deixasse a Rodoviária do Rio às 14h30. Segundo os passageiros, no entanto, o ônibus fez um estalo quando o motorista tentou dar partida. O coletivo não chegou a sair do lugar.

— Estava muito quente, o ar não funcionava. Então, cerca de 15 minutos depois, muitos passageiros desceram. Nós estávamos com criança, achamos que iam resolver rápido e ficamos — conta X.

Poucos minutos depois, Paulo Sérgio começou os disparos. A idosa de 60 anos diz ter entendido se tratar de um anúncio de assalto no começo:

— Cheguei a esconder o celular, mas depois vi que não era. Ele dizia que não tinha nada a perder, que qualquer movimento ou barulho, atirava.

A família deixou o Rio de Janeiro apenas às 22h30, em um ônibus fretado pela Viação Sampaio. Desde que policiais conseguiram negociar a rendição do criminoso, todos os passageiros permaneceram na 4ª DP (Praça da República) para prestar depoimento. A chegada ao município mineiro se deu quase às 3h desta quarta-feira.

Apenas 11 das 17 pessoas que estavam no coletivo sequestrado voltaram a Juiz de Fora. Outras seis optaram por permanecer no Rio, em casas de parentes ou em hotel.

— Pisar em casa foi uma sensação que não dá para descrever — conta X.

Sua sogra, R., por sua vez, afirma não ter conseguido sequer fechar os olhos desde que voltou:

— Fechava os olhos e escutava os tiros na minha cabeça. Agora, acho que é reestabelecer o psicológico, porque foi um livramento. E rezar muito pela vida do Bruno.

Fonte: O Globo

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