Os Estados Unidos sempre têm dinheiro para guerras

Biden discursa na Conferência Legislativa North American Building Trades Unions 2024, em Washington
Biden discursa na Conferência Legislativa North American Building Trades Unions 2024, em Washington — Foto: Jim WATSON / AFP

Com o ensino público básico decadente, uma infraestrutura ultrapassada e sem um sistema de saúde público similar ao de nações avançadas, o governo de Joe Biden, com o apoio de quase todos os senadores democratas e a maioria dos republicanos, arrumou dinheiro e aprovou uma multibilionária ajuda militar a seus aliados Ucrânia, Israel e, em escala muito menor, Taiwan. O valor ultrapassa US$ 90 bilhões, sendo duas mil vezes maior do que o presidente prometeu para conter o desmatamento da Amazônia, mas não conseguiu aprovar. Isso mesmo, a preservação do meio ambiente vale 0,5 milésimo do suporte dado a conflitos armados. É um fato.

Apenas para a Ucrânia, serão mais de US$ 60 bilhões, que se somam a outros mais de US$ 100 bilhões enviados para o governo de Volodymyr Zelensky ao longo de dois anos de guerra contra a Rússia. Verdade que, sem esse suporte, provavelmente o regime de Vladimir Putin teria mais avanços e talvez conseguido uma vitória total. Ao mesmo tempo, os ucranianos não têm sucesso em reconquistar áreas ocupadas pelos russos. Até quando os EUA sustentarão a Ucrânia no que parece ser um conflito congelado? É o que perguntam membros da direita do Partido Republicano ligados a Donald Trump, que adotam postura mais crítica em relação a Kiev e preferem que o dinheiro do contribuinte seja gasto com a proteção das fronteiras americanas, e não das ucranianas.

O apoio militar a Israel será de cerca de US$ 20 bilhões, que se somam a outros cerca de US$ 4 bilhões enviados ao país anualmente ao longo de décadas. Alguns raros senadores como Bernie Sanders, independente de esquerda, criticam esse suporte em um momento em que as forças israelenses levam adiante uma feroz ação militar em Gaza, com mais de 34 mil mortos, sendo 14 mil menores, de acordo com a ONG Save the Children. A maior parte das edificações de Gaza foi destruída, incluindo a quase totalidade de hospitais e escolas. Nos próximos dias, o governo de Benjamin Netanyahu deve iniciar uma ofensiva em Rafah, para onde se deslocou a maior parte da população do território palestino depois da quase completa destruição da Cidade de Gaza. Outros milhares devem morrer.

O governo Biden se defende com o argumento de que a ajuda focará na defesa de Israel contra ataques de grupos hostis como o Hamas e o Hezbollah e de ações do Irã. Os críticos, porém, afirmam que Israel usa armamentos fornecidos pelos EUA para ataques com enorme número de vítimas civis em Gaza. Para completar, o novo pacote suspende a ajuda à agência de refugiados palestinos da ONU, a UNRWA. A suspensão ocorreu mesmo após uma investigação independente concluir que Israel não tinha provas de ligação da entidade com o Hamas — países como a Alemanha anunciaram que retomarão a ajuda à agência, que também opera em Líbano, Síria, Cisjordânia e Gaza.

Mesmo após fiascos no Iraque e no Afeganistão, a indústria bélica segue poderosa nos EUA. Enquanto isso, cidades como Nova York sofrem com metrôs caindo aos pedaços e demissões de professores. Mesmo quatro décadas após a Europa começar a implementar trens de alta velocidade, os EUA ainda não conseguiram construir um ligando Washington a Nova York. Em São Francisco e Los Angeles, há acampamentos de pessoas viciadas em opioides não muito diferente da Cracolândia em São Paulo. E, claro, a ajuda humanitária para países pobres da África e da América Latina continua uma fração minúscula da enviada em armas a Ucrânia e Israel.

Fonte: O Globo

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