Operação Verão: governo de São Paulo não inclui nas estatísticas 21 mortes pela PM na Baixada Santista

Praça José Lamacchia, em Santos, onde a cabeleireira Ednéia foi morta pela PM. Morte é uma das 21 não contabilizadas na Operação Verão
Praça José Lamacchia, em Santos, onde a cabeleireira Ednéia foi morta pela PM. Morte é uma das 21 não contabilizadas na Operação Verão — Foto: Maria Isabel Oliveira/ O GLOBO

O governo de São Paulo deixou 21 mortes provocadas pela Polícia Militar na Baixada Santista de fora das estatísticas da Operação Verão, ocorrida entre 18 de dezembro e 1º de abril, segundo dados do Ministério Público. No anúncio aos veículos de imprensa, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que 56 pessoas morreram em confronto policial no período. Dados contabilizados pelo MP, entretanto, mostram que o número foi 37,5% maior: 77 mortes por policiais em serviço nesses 106 dias na região.

Questionada, a SSP afirma que só considerou as mortes ocorridas a partir do dia 3 de fevereiro, após o assassinato do soldado Samuel Wesley Cosmo, da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), a tropa elite da PM. O crime, gravado pela câmera corporal do soldado, inaugurou uma nova fase da operação, com o reforço policial e o recrudescimento da violência na Baixada Santista. O saldo de apreensão de drogas e prisões da Operação Verão, contudo, é contado desde dezembro.

A divergência não decorre apenas da manobra estatística. Mesmo desconsideradas as primeiras fases da operação, os números da SSP divergem da contabilidade do Ministério Público. A partir do dia 3 de fevereiro, 60 pessoas foram mortas por policiais militares em serviço na região, segundo o Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), um braço do MP que faz o controle externo da atividade policial no estado desde 2022. O cálculo é feito a partir dos boletins de ocorrência enviados pela própria SSP, além da busca ativa na imprensa.

Um dos casos é do estoquista de farmácia Luan dos Santos, de 32 anos, morto em 16 de fevereiro, por volta das 17h40, a caminho de Santos, por um major da Polícia Militar. Em duas motos, Santos e dois amigos de infância, um deles policial civil, partiram naquela tarde rumo ao litoral para “comer um camarãozinho” na praia, numa viagem de bate-volta. Segundo os dois sobreviventes relataram ao GLOBO, eles estavam em baixa velocidade e atenderam prontamente à ordem de parada dos PMs. Os policiais alegam que o tiro foi acidental. Foi disparado porque a viatura “trepidou” ao frear bruscamente devido à redução de velocidade da moto. A morte ocorreu perto do quilômetro 61 da Rodovia Anchieta.

— No meio desta confusão lá embaixo [na Baixada Santista], meu amigo foi morto sem fazer nada e, infelizmente, nem entrou nas estatísticas. Você vê que estão escondendo, é complicado — afirmou o comerciante Paulo Cézar Araújo, de 42 anos, que estava conduzindo a moto que carregava Santos na garupa.

Outro caso não contabilizado pela SSP foi o da cabeleireira Ednéia Fernandes Silva, de 32 anos, morta no dia 27 de março na Praça José Lamacchia, no Bairro Bom Retiro, em Santos. Cristã e mãe de seis filhos, ela estava sentada na praça com uma amiga quando levou um tiro na cabeça. Teria chegado ali depois de buscar ovos de Páscoa para seus filhos com o marido.

O GLOBO esteve na praça duas semanas depois da morte. Moradores do bairro disseram que o disparo partiu de policiais. A mesma versão foi relatada por uma testemunha ao site Alma Preta. Segundo ela, a rua estava cheia de pessoas nesse horário, a maioria crianças. Poucos minutos após Ednéia se sentar, uma moto surgiu seguida por outras três da Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam), da Polícia Militar. “Vi de forma muito nítida um policial apontando e atirando”, disse.

A Verão é uma operação da PM paulista que ocorre todos os anos durante a estação de calor, para coibir crimes nas áreas frequentadas por turistas das cidades litorâneas. Neste ano, entretanto, teve uma característica singular: foi deflagrada poucos meses depois da Operação Escudo, iniciada em julho de 2023 e com o objetivo de sufocar o crime organizado na Baixada Santista.

A Escudo começou depois da primeira morte de um soldado da Rota em serviço desde 1999, no Guarujá. Durante a ação, em 40 dias a PM matou 28 pessoas em Santos, São Vicente e Guarujá. Nas periferias onde as mortes ocorrem, tanto a Escudo quanto a Verão são tratadas da mesma maneira: Operação Vingança.

Um investigador das mortes afirma que o governo de São Paulo se aproveitou da Operação Verão, “corriqueira e trivial”, para enxertar uma “verdadeira operação de guerra” sem data para acabar, sem território definido e com escopo amplo. O objetivo, segundo ele, é criar uma “confusão de números”. Misturar as mortes ‘ordinárias’, decorrentes, por exemplo, de legítima defesa, daquelas que ocorrem durante uma incursão policial em comunidade periférica, com tática de sufocamento do crime organizado.

— Ganhar votos com a truculência policial é bom, mas de maneira difusa. Eles entenderam que, na Escudo, aquela contagem mórbida [na imprensa] começou a pegar mal. Então a Verão é uma Escudo qualificada, tem esse caráter de matança fluida. Eles começaram a brincar com os números — afirmou, ao ressaltar que esse método dificulta a investigação das mortes.

Questionada especificamente sobre os critérios para incluir as mortes na Operação Verão, a SSP não respondeu. Apenas afirmou que, entre 3 de fevereiro e 1º de abril, foram registradas 56 ocorrências de morte em confronto no âmbito da Operação Verão. “Essas mortes decorreram da reação violenta dos criminosos às ações policiais para o combate ao tráfico de drogas e o crime organizado”. E continuou: “Todos os casos são investigados pelas polícias Civil e Militar, com o acompanhamento do Ministério Público e do Poder Judiciário. Demais delitos registrados no período são apurados pelas respectivas unidades de polícia judiciária da região”.

A pasta disse ainda que as operações visam ampliar a segurança da população e desarticular as ações de facções criminosas. “Além do efetivo local, batalhões de diferentes regiões do Estado atuaram nas operações. Mais de 60% das unidades escaladas utilizavam as câmeras operacionais portáteis. Todas as imagens captadas pelos equipamentos estão à disposição dos órgãos de controle”.

Fonte: O Globo

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