Onda de violência e fuga de prisioneiros mostram domínio das gangues na capital do Haiti e desafiam primeiro-ministro

Pessoas fogem de violência em no bairro de Petion-ville, em Porto Príncipe, em 30 de janeiro de 2024
Pessoas fogem de violência em no bairro de Petion-ville, em Porto Príncipe, em 30 de janeiro de 2024 — Foto: Richard PIERRIN / AFP

Porto Príncipe, capital do Haiti, ficou praticamente paralisada nesta segunda-feira, com escolas e bancos fechados, após a declaração de estado de emergência devido ao ataque de facções a uma prisão que permitiu a fuga de milhares de presos no último sábado. A invasão à penitenciária ocorreu em meio a uma nova onda violência na cidade, controlada em quase sua totalidade por gangues armadas — cerca de 80%, segundo a ONU —, fazendo com que a insegurança atinja níveis semelhantes aos de países em guerra.

Logo após a fuga em massa de cerca de 3.700 detentos, o governo decretou estado de emergência e um toque de recolher até quarta-feira, 6 de março, mas que poderá ser estendido. Locais estratégicos da capital estão sob ataque de gangues desde a última quinta-feira, que alegam querer derrubar o governo do impopular primeiro-ministro Ariel Henry, que deveria ter deixado o cargo em 7 de fevereiro.

Muitos o culpam por permitir o avanço das gangues enquanto adia a realização de eleições presidenciais para estabelecer um novo governo. Henry, por sua vez, alega que a insegurança atual impossibilita a realização de uma votação livre e justa.

Cerca de uma dúzia de pessoas morreram na violência na Penitenciária Nacional da capital na noite de sábado, com apenas uma centena dos cerca de 3.800 presos ainda dentro da unidade.

O governo haitiano prometeu que as forças de segurança retomariam o controle da cidade, mas são notoriamente fracas. Os sequestros e outros crimes violentos são galopantes e as gangues estão frequentemente mais bem armadas do que a polícia.

O aumento da violência no Haiti é um reflexo do vácuo de poder que ficou no país após o assassinato do então presidente Jovenel Moïse em 2021, num caso até hoje não solucionado. Desde então, Moïse não foi substituído e eleições presidenciais não são realizadas desde 2016.

Como consequência, as gangues — cujas táticas incluem assassinatos aleatórios, estupros e sequestros — tomaram conta de grandes partes da capital. Em resposta, um movimento de “autodefesa” dos cidadãos tomou forma, desencadeando uma onda de execuções de supostos membros de gangues.

Trabalhadores humanitários estimam que um grande número de pessoas já fugiu de suas casas para escapar da violência. Cerca de 200 mil pessoas estão deslocadas em todo o país, a maioria em Porto Príncipe, de acordo com a Organização Internacional para Migração (OIM).

Além disso, segundo a ONU, as gangues sequestraram ao menos 2,4 mil pessoas no último ano. As vítimas, muitas vezes, são assassinadas se suas famílias não puderem pagar o resgate, contribuindo para uma taxa de homicídios que dobrou em 2023, atingindo 41 assassinatos por cada 100 mil habitantes, uma das mais altas do mundo.

À violência desenfreada, soma-se a crise institucional que assola o país desde antes do magnicídio. O atual primeiro-ministro, nomeado apenas 48 horas antes de Moïse ser assassinado, enfrenta dúvidas sobre sua legitimidade — e suspeitas de que possa estar diretamente envolvido no crime.

Quando a invasão à penitenciária ocorreu, o premier estava em Nairóbi, no Quênia, para assinar um acordo para o envio de policiais do país africano como parte de uma missão apoiada pela ONU para ajudar a restabelecer a ordem no país caribenho. Não se sabe, contudo, se Henry já retornou do Quênia após as ocorrências do fim de semana.

O país caribenho enfrenta uma grave crise política, humanitária e de segurança desde o assassinato de Moïse. As forças de segurança estão sobrecarregadas pela violência das gangues, que assumiram o controle de áreas inteiras do país, incluindo a capital. Apenas em janeiro, cerca de 1,1 mil pessoas foram mortas, feridas ou sequestradas, e as Nações Unidas classificaram o período como “o mais violento em dois anos”.

A ONU enviou uma força militar de intervenção ao Haiti em 2004, em meio a choques entre grupos armados pró e contra o então presidente, Jean Bertrand Aristide. À época, a Minustah, comandada então pelo general brasileiro Augusto Heleno, foi alvo de denúncias de violações de direitos humanos. Ao longo dos anos, o Brasil enviou cerca de 37.500 militares ao país.

Depois de 13 anos, a Minustah chegou ao fim, em 2017, sem deixar instituições sólidas. A ONU foi acusada de ser responsável por dois reveses graves em sua passagem pelo Haiti. A epidemia de cólera, iniciada em 2010, teria sido trazida por militares nepaleses ao contaminarem um rio com dejetos sanitários.

O outro revés envolve casos de estupro, supostamente praticados pelos pacificadores da ONU. Um relatório das Nações Unidas concluiu que 134 agentes do Sri Lanka cometeram abusos contra nove crianças entre 2004 e 2007. A maior parte deles foi removida do país, mas nenhum foi preso. (Com AFP.)

Fonte: O Globo

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