O rap indígena veio pra ficar

Na imagem, o cantor de rap indígena Owerá, durante apresentação com o dj Alok, que contou com a presença da deputada Célia Xakriabá (Psol)
Na imagem, o cantor de rap indígena Owerá, durante apresentação com o dj Alok, que contou com a presença da deputada Célia Xakriabá (Psol)

Muitas pessoas estão escutando rap indígena no Brasil, como o feito pelo grupo Brô MCs, do Mato Grosso do Sul. Em 2010, eles foram cantar em São Paulo, no Sesc da zona sul. Os organizadores do evento ofereceram um ônibus gratuito para levar a nossa aldeia krukutu para assistir ao show. Levei meus filhos. Um deles, Werá Jeguaka Mirim, tinha só 10 anos, mas se emocionou muito ao escutá-los.

Meu filho, que gosta muito de ler, leu meu livro de poesias que se chama 500 anos de angústia e resolveu escrever uma também. Nisso, começou a cantar essa poesia. Mas cantou em estilo de rap. No começo, assustei ao ouvir aquele canto, contudo, o pequeno gostou de cantar e acreditou que seria um cantor também. Aí, começou a escrever mais.

Esse pequeno garoto foi convidado para participar da Copa do Mundo de 2014, aos 14 anos, e na abertura ele fez algo que deixou o mundo impressionado: tirou uma faixa escrita “Demarcação já”. Esse ato foi visto no mundo e, a partir desse dia, foi muito procurado pela mídia, tanto a estrangeira quanto a brasileira.

Como tinha ficado conhecido, ele resolveu cantar rap para continuar falando sobre a demarcação. Começou a escrever mais músicas. Ficava cantando em casa. Mas percebíamos que os parentes indígenas não gostavam de ouvir ele. Achavam que, com isso, iria perder a cultura.

Quando eu era chamado para apresentar palestras, pedia pra ele cantar seu rap também. A impressão era a mesma que tínhamos em casa. Parece que as pessoas também pensavam que ele iria perder a cultura indígena por cantar outro estilo de música. Por sorte, a gente conheceu a ONG Beija-Flor e tivemos a oportunidade de fazer o 1º show com as músicas que ele já tinha escrito.

Alguns dias depois, apareceu uma produtora que queria gravar com ele. Resolveram desenvolver um projeto para gravar suas músicas. Assim, gravou o seu 1º trabalho, que logo que saiu foi um sucesso. Seu nome começou a crescer como cantor. Deu-se o nome artístico de Kunumi MC.

Desse trabalho, surgiram diversos outros. O grupo de hip hopMatéria Rima o convidou para gravar e disse que queria ajudá-lo. O resultado foi mais uma faixa de sucesso.

Com suas novas músicas gravadas, foi ficando cada vez mais conhecido. Alguns elogiavam e outros, criticavam. Sempre falei para Kunumi não se preocupar e continuar escrevendo suas músicas, pois um dia iriam entender seu trabalho.

A carreira dele não foi fácil, mas ele não desistiu. Continuou escrevendo e mostrando ao mundo a luta dos povos indígenas. Cantando e falando sobre demarcação, preconceito e violência. Inclusive, teve a oportunidade de gravar com o cantor Criolo.

Eu, como pai, fiquei feliz em ver que suas músicas estavam finalmente sendo entendidas e valorizadas em vários cantos do Brasil. O Kunumi MC já era um homem, tinha crescido e resolveu trocar de nome artístico para Owerá. Agora, muitos por aí sabem quem ele é.

Um dia, de repente, meu filho chegou em mim e falou:

–“Pai, um cara ligou pra mim, disse que é meu fã e quer gravar uma música comigo”.

Perguntei o nome.

–“Ele disse que se chama Alok”.

Eu nunca tinha ouvido falar, nem ele. Sugeri procurá-lo na internet pra ver se esse nome existia mesmo. Logo ele disse que o cara existia e tinha mais de 9 milhões de seguidores. A parceria foi feita e a música tocou até em Nova York.

O surgimento do rap pelo Brô MCs foi uma grande luta. Enquanto um dos pioneiros no rap indígena, sofreram muito preconceito de dentro e de fora da comunidade, assim como meu filho. Mas não desistiram e, hoje, podemos dizer que o rap indígena veio pra ficar,  conscientizando a sociedade por meio de um estilo de música que não é nosso, mas que pode abrir caminhos para a defesa dos nossos povos.

Fico extremamente feliz ao viajar por várias regiões do Brasil e ver as pessoas elogiando o Owerá, meu filho, e ouvindo suas músicas. Sei que tudo na vida pode ser difícil, mas essa é uma grande arma para lutar: cantar rap.

Eu sei que a música é uma grande ferramenta de luta e, agora, também sei que temos muitos guerreiros indígenas lutando de outras formas. Como escritores, políticos, advogados, médicos, dançarinos e até na televisão. E assim é nossa vida, cada um lutando em defesa do nosso povo do seu jeito.

Fonte: Poder360

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