O que acontece se Trump for condenado? Entenda a situação política do ex-presidente, que disputa as eleições dos EUA

O ex-presidente dos EUA Donald Trump deixando o Tribunal Criminal de Manhattan, em Nova York
O ex-presidente dos EUA Donald Trump deixando o Tribunal Criminal de Manhattan, em Nova York — Foto: Jabin Botsford / POOL / AFP

Desde que o socialista Eugene Debs havia feito campanha eleitoral direto de uma prisão nos Estados Unidos, há mais de um século, o país não havia estado tão perto de vivenciar o que pode acontecer agora: um candidato de destaque, condenado por um crime, concorrendo à Casa Branca. E talvez nunca alguém nessas condições tenha tido uma chance real na disputa como tem hoje Donald Trump.

O ex-presidente foi acusado de dezenas de crimes em quatro processos criminais: dois federais, um em Nova York e outro na Geórgia. O primeiro deles a ir a julgamento é o de Nova York, onde a seleção do júri começou na segunda-feira. O caso trata de uma série de fraudes contábeis feitas para encobrir o pagamento de suborno a uma ex-atriz pornô para impedir que o escândalo sexual afetasse sua imagem na campanha contra a democrata Hillary Clinton em 2016.

Por enquanto, o magnata não enfrenta restrições formais em sua campanha, além de precisar estar presente no tribunal, e continua altamente competitivo nas pesquisas. No entanto, alguns dos casos estão se desenrolando em um ritmo que pode levar a veredictos antes da eleição e a Constituição — e a lei americana têm respostas claras para apenas uma pequena parte das questões que virão a toa caso ele seja condenado. Veja o que se sabe e não se sabe até agora.

Essa é a pergunta mais simples de todas. A resposta é sim.

A Constituição estabelece pouquíssimos requisitos de elegibilidade para presidentes. Eles devem ter pelo menos 35 anos de idade, ser cidadãos “natos” e ter vivido nos Estados Unidos por pelo menos 14 anos.

Não há limitações baseadas em caráter ou registro criminal. Embora alguns estados proíbam os criminosos de concorrer a cargos estaduais e locais, essas leis não se aplicam a cargos federais.

Os Partidos Republicano e Democrata têm vagas garantidas nas cédulas eleitorais gerais em todos os estados, e os partidos dizem às autoridades eleitorais qual nome colocar na vaga. Os estados poderiam, em teoria, tentar manter Trump fora das cédulas de votação aprovando uma legislação que exigisse um registro criminal limpo, mas isso seria feito em terreno juridicamente instável.

— Deixamos que os estados definam a hora, o local e a forma [das eleições], mas acho que a melhor leitura da nossa Constituição é não permitir que o estado acrescente novos requisitos substantivos — disse Jessica Levinson, professora da Loyola Law School, especializada em direito eleitoral.

Embora esse ponto de vista não seja universal entre os especialistas em direito, ele prevaleceu no tribunal em 2019, depois que a Califórnia aprovou uma lei que exigia que os candidatos divulgassem suas declarações de imposto de renda para aparecer nas cédulas primárias. Um juiz distrital federal impediu que a lei entrasse em vigor, dizendo que era provavelmente inconstitucional. A Suprema Corte da Califórnia também a vetou por unanimidade classificando como uma violação da constituição estadual, e o caso nunca chegou à Suprema Corte dos EUA.

Em março, a Suprema Corte decidiu por unanimidade que os estados não poderiam manter Trump fora de suas cédulas eleitorais usando como base a Seção 3 da 14ª Emenda, que desqualifica as pessoas que “se envolveram em insurreição ou rebelião” depois de fazer um juramento de apoiar a Constituição.

Diversas ações judiciais argumentaram que as ações de Trump antes e em 6 de janeiro de 2021 atendiam a esse requisito. Em dezembro, a Suprema Corte do Colorado o considerou inelegível, e o secretário de estado do Maine fez o mesmo. Mas a Suprema Corte — liderada por uma supermaioria conservadora, com três juízes nomeados pelo próprio Trump — concluiu que somente o Congresso tinha o poder de aplicar a Seção 3 contra candidatos a cargos federais.

O Congresso não fará isso com os republicanos no controle da Câmara. E a 14ª Emenda é separada dos casos criminais, o que significa que as condenações também não desqualificariam Trump.

Agora que Trump garantiu a maioria dos delegados nas primárias para a convenção republicana, o partido não tem nenhum mecanismo para nomear outra pessoa. De acordo com as regras, se um delegado tentar apoiar alguém que não seja a pessoa a quem os resultados das primárias o vincularam, “esse apoio não será reconhecido”.

Os principais republicanos também não demonstraram nenhum interesse em outro candidato.

Provavelmente não.

Trump está registrado para votar na Flórida e seria impedido de votar lá se fosse condenado por um crime.

A maioria dos criminosos na Flórida recupera o direito de voto depois de cumprir toda a pena, incluindo liberdade condicional ou liberdade provisória, e pagar todas as multas e taxas. Mas é altamente improvável que o Trump, se condenado, tenha tempo para cumprir sua sentença antes do dia da eleição.

Ele também poderia solicitar clemência, o que exigiria a aprovação do governador — Ron DeSantis, que concorreu contra Trump nas primárias republicanas — e de dois membros do gabinete da Flórida.

Como Trump também tem residência em Nova York, ele poderia mudar seu registro eleitoral para lá para aproveitar a abordagem mais permissiva: os presidiários em Nova York podem votar enquanto estiverem em liberdade condicional. Mas, como na Flórida e em quase todos os outros estados, eles ainda não podem votar enquanto estiverem na prisão.

Portanto, se Trump for preso, ele poderá se encontrar na extraordinária posição de ser considerado apto a ser votado, mas inapto a votar.

Ninguém sabe.

— Estamos muito distantes de qualquer coisa que já tenha acontecido — disse Erwin Chemerinsky, especialista em direito constitucional da Universidade da Califórnia, em Berkeley. — É apenas uma suposição.

Legalmente, Trump permaneceria elegível para ser presidente mesmo se estivesse preso. A Constituição não diz nada em contrário.

— Não creio que os autores da lei tenham pensado que estaríamos nessa situação — disse Jessica Levinson, professora da Loyola Law School, especializada em legislação eleitoral.

Na prática, a eleição de um presidente preso criaria uma crise jurídica que quase certamente precisaria ser resolvida pelos tribunais.

Em teoria, Trump poderia ser destituído de sua autoridade de acordo com a 25ª Emenda, que prevê um processo de transferência de autoridade para o vice-presidente se o presidente for “incapaz de exercer os poderes e deveres de seu cargo”. Mas isso exigiria que o vice-presidente e a maioria do Gabinete declarassem Trump incapaz de cumprir seus deveres, uma perspectiva remota.

O mais provável é que Trump pudesse entrar com um processo para ser libertado com base no fato de que sua prisão o estava impedindo de cumprir suas obrigações constitucionais como presidente. Esse caso provavelmente se concentraria na separação de poderes, com os advogados de Trump argumentando que manter um presidente devidamente eleito na prisão seria uma infração do Judiciário nas operações do Executivo.

Apenas com relação às acusações federais, ele também poderia tentar se perdoar — ou comutar sua sentença, deixando a condenação em vigor, mas encerrando sua prisão. Qualquer uma dessas ações seria uma afirmação extraordinária do poder presidencial, e a Suprema Corte seria o árbitro final para decidir se um “autoperdão” era constitucional.

Ou o presidente Joe Biden, ao sair pela porta, poderia perdoar Trump com base no fato de que “o povo se manifestou e eu preciso perdoá-lo para que ele possa governar”, disse o professor Chemerinsky. Mas isso não se aplicaria aos casos de Nova York ou da Geórgia, porque o presidente não tem poder de perdão para acusações estaduais.

Novamente, ninguém sabe, principalmente no que diz respeito aos casos de Nova York e da Geórgia.

Nos dois casos federais, o resultado provável seria que um procurador-geral nomeado por Trump retiraria as acusações.

O Departamento de Justiça não acusa presidentes em exercício, uma política delineada em um memorando de 1973, durante a era Nixon (1969 – 1974). Ele nunca teve motivos para desenvolver uma política sobre o que fazer com um novo presidente que já tenha sido indiciado. Mas a justificativa para não indiciar presidentes em exercício — que isso interferiria em sua capacidade de desempenhar suas funções — se aplica igualmente bem nesse cenário hipotético.

— Os motivos pelos quais não queremos indiciar um presidente em exercício são os mesmos motivos pelos quais não queremos processar um presidente em exercício — disse Chemerinsky. — Meu palpite é que, se o processo contra Trump ainda estivesse em andamento de alguma forma e Trump fosse eleito, o Departamento de Justiça, que seria o Departamento de Justiça de Trump, diria: ‘Estamos seguindo o memorando de 1973’.

Como muitas outras coisas aqui, isso não seria testado legalmente, e é impossível dizer o que a Suprema Corte faria se a questão chegasse a ela.

Em sua decisão Clinton v. Jones em 1997, o tribunal permitiu que um processo contra o Presidente Bill Clinton prosseguisse. Mas esse caso era civil, não criminal, e foi movido por um cidadão particular, não pelo próprio governo.

Fonte: O Globo

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