O quão ingênuo é o ser humano?

Autor cita cena da série "Os Simpsons" para ilustrar ingenuidade humana em situações que envolvem decisões de compra

Em um dos episódios da série Simpsons, Homer vê uma promoção de balanceamento “grátis” e logo é convencido a comprar 4 pneus novos, sob um alegado risco de segurança em seu veículo. 

Enquanto aguarda o final do serviço, encontra um velho conhecido de um esquema de pirâmide de que participara no passado. Então nota os funcionários da loja rindo de ambos por terem caído na casca de banana. 

Apesar do exagero, os leitores hão de concordar que táticas não muito diferentes são usadas para drenar dinheiro do bolso do consumidor no mundo moderno. O que era produto vira “assinatura” (softwares, filmes) ou, nos marketplaces, parece barato, mas espere até ver quanto se cobra pela entrega… O que era parte do preço inteiro é fragmentado em um monte de coisa separada, do assento do avião ao tamanho das malas. Os exemplos são muitos.

De fato, o surgimento do que tem sido chamado de shrouded economy, que pode ser traduzido como economia “envolta” ou escondida, mostra que as empresas fazem bem (para si) ao nos tratar como Homer Simpson, isto é, ao apostar contra a nossa limitada capacidade cognitiva. 

A ideia da economia envolta é tornar os atributos e preços de bens e serviços cada vez mais complexos, personalizados e incomparáveis entre si. Tente comprar de um simples colchão a um eletrodoméstico para se ver perdido entre opções que parecem muito diferentes uma das outras. O excesso de informação faz com que os consumidores tenham bastante dificuldade em separar o joio do trigo, criando, no frigir dos ovos, um desincentivo à qualidade. 

É nesse mundo, hostil em boa parte a nossos interesses, que acho difícil acreditar na proposição da ingenuidade humana como mito, como defende veladamente o cientista cognitivo Hugo Mercier em um paper de 2017

Pense consigo mesmo: o quão fácil é influenciar pessoas a não se vacinar? A invadir prédios públicos acreditando fazer uma revolução? A acreditar que a intervenção na economia dessa vez vai dar certo? A entrar em febres de investimento?

Obviamente, não é toda a gente e há outras forças psicológicas em ação. Mas muita gente cai, e a ingenuidade parece ser um fator importante nisso. É o famoso “o golpe tá aí, cai quem quer”.

Mercier postula que temos um bom mecanismo de vigilância epistêmica. Em termos simples, uma espécie de São Tomé interno para avaliar se as informações que recebemos de terceiros são confiáveis ou não. 

Esse santo se perguntaria sempre que alguém tentasse convencê-lo de algo: essa informação é plausível? Uma pergunta que levaria em conta as crenças que a pessoa já tem, a força dos argumentos apresentados e a credibilidade de seus defensores.

Mercier, porém, diminui o papel de líderes nesse processo. Argumenta que políticos bem-sucedidos (pense em Lula e Bolsonaro), influenciadores antivacina, entre tantos outros atores ao longo da história (como Hitler), teriam sua força muito mais por veicular ideias compatíveis com as pré-existentes entre a população. E não por controlar máquinas de propaganda ou por ser carismáticos. O carisma de políticos viria por esse papel de antena dos anseios populares. 

Isto é, em resumo, a persuasão seria mais em função do conteúdo do que da fonte. Nessa visão, até a propaganda política ou a comercial teria baixa eficácia quando se trata de persuadir ou vender algo que não queremos. 

Eu penso que o autor ataca um espantalho, uma versão idealizada de persuasão. O que importa mesmo, ao se considerar se o ser humano é ingênuo ou não, não é nem tanto a checagem de plausibilidade, mas sim como crenças furadas passam pelo filtro ou são “instaladas” em primeiro lugar. O resultado do processo. Homer Simpson acha plausível a possibilidade de ganhar dinheiro em uma pirâmide. Muitos acham que a ivermectina cura covid. É como se tivéssemos um antivírus mental que deixa passar muita coisa prejudicial na varredura.

Nós somos a espécie que há poucos séculos queimava “bruxas” a rodo ou promovia genocídios em nome de Deus, que acreditava em ficar rica com tulipas, entre tantas loucuras coletivas, que continuam hoje, sob a forma de esquemas diversos.

O 2º contraponto é que não é a propaganda em si ou as tentativas isoladas de persuasão que importam. O que conta mesmo é a existência de ecossistemas de persuasão, que incluem de círculos sociais próximos e meios de comunicação a, sim, encantadores de serpente.

Um jovem não se torna fumante apenas pelas ferramentas de marketing, mas também por ter amigos tragadores de fumaça e pela percepção de que esse é um comportamento esperado de pessoas de sua idade, profissão, classe social ou estilo de vida. A mesma coisa vale para a adesão a ideologias políticas e comportamentos diversos.

O resumo é que não é tão difícil assim explorar a credulidade e engambelar os seres humanos.  

Fonte: Poder360

© 2024 Blog do Marcos Dantas. Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.