Nova incursão de Israel no al-Shifa, em Gaza: o que diz o direito internacional sobre ataques a hospitais em tempos de guerra

Jovem palestino ferido em bombardeio israelense deita-se no chão enquanto aguarda atendimento médico no hospital al-Shifa, na Cidade de Gaza
Jovem palestino ferido em bombardeio israelense deita-se no chão enquanto aguarda atendimento médico no hospital al-Shifa, na Cidade de Gaza — Foto: AFP

O Exército de Israel assumiu o controle do hospital al-Shifa, o maior da Faixa de Gaza, após uma incursão realizada no complexo médico na madrugada desta segunda-feira. As Forças Armadas alegam que há “informações de Inteligência que indicam o uso do hospital por terroristas do Hamas para realizar e promover suas atividades”, enquanto o Ministério da Saúde de Gaza afirma que a invasão causou um incêndio na entrada do complexo e que mulheres e crianças ficaram sufocadas. Mas o que diz o direito internacional sobre isso?

Segundo a advogada italiana Francesca Albanese, especialista em direito internacional e relatora especial da ONU para os Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados, “toda infraestrutura civil é protegida, mas há certas estruturas que são particularmente protegidas, como os hospitais”.

— Os hospitais são vitais em tempos de paz, mas especialmente em tempos de guerra, quando as pessoas podem ser feridas e precisam de assistência médica — afirmou em entrevista ao GLOBO, em dezembro.

As Convenções de Genebra “protegem de maneira muito específica os hospitais civis” e é “proibido usá-los como zona de conflito”, acrescenta a professora de Direito Mathilde Philip-Gay, da Universidade Lyon-3.

— Usar populações civis, doentes ou feridos como escudos humanos é um crime de guerra, assim como combater a partir de um hospital — disse Philip-Gay em entrevista à AFP.

As Convenções de Genebra, que definem o Direito Internacional Humanitário (DIH), foram adotadas em 1949, após a Segunda Guerra Mundial. Já o Estatuto de Roma, adotado em 1998 e constitutivo da Corte Penal Internacional, por sua vez, define no artigo 8 a noção de crime de guerra. Na extensa lista está a de “dirigir intencionalmente ataques contra edifícios dedicados à religião, educação, artes, ciências ou beneficência, monumentos históricos, hospitais e locais onde são agrupados doentes e feridos”. No entanto, o mesmo artigo especifica: “Desde que [esses edifícios] não sejam alvos militares”.

Israel defende a legitimidade de sua incursão no al-Shifa alegando que o chefe de segurança interna do Hamas, Faiq Mabhouch, foi morto na operação — ele era responsável pela coordenação das atividades terroristas do grupo em Gaza, e grandes quantidades de armas foram encontradas com ele, segundo as Forças Armadas. Albanese, porém, lembra que “para um hospital perder seu status civil, ele precisa ser usado para um fim militar”.

— Se houver um agente do Hamas dentro de um hospital, o hospital não perde seu status civil. Ainda que o Hamas tivesse instalado sua sede dentro do hospital, a equipe médica, as enfermeiras, os médicos, os pacientes e as pessoas que buscaram refúgio no hospital manteriam seu status de civis, portanto, não podem ser alvos — explicou a relatora especial da ONU. — Israel não pode simplesmente dizer que “nosso alvo era uma única pessoa”, um agente do Hamas, e presumir que os outros podem morrer como dano colateral.

O direito internacional prevê que para um hospital civil perder sua proteção é preciso que seja realizado um “ato prejudicial” a partir dele, mas exige também que os beligerantes tomem “todas as precauções para evitar atacar intencionalmente civis”.

— Se um ato prejudicial foi realizado a partir de um hospital, não se pode bombardeá-lo durante dois dias e destruí-lo completamente — afirmou Philip-Gay. — A reação deve ser proporcional. A complexidade do DIH é que ele se aplica caso a caso. Outra exigência do direito internacional é que haja aviso prévio antes da ação e que haja “meios para retirar o pessoal e os doentes ou que se lhes peça que se isolem em uma parte do hospital”.

Moradores do bairro de al-Rimal, onde o al-Shifa está localizado, na Cidade de Gaza, foram instados a seguir para o sul até a área de al-Muwasi, a 30 km de distância. Em comunicado, porém, as forças de Israel disseram que pacientes e a equipe médica não serão obrigados a se retirar, e que intérpretes da língua árabe foram levados ao hospital para “facilitar o diálogo com os pacientes que permanecerem” em al-Shifa. O Exército também disse que suas tropas foram “instruídas sobre a importância de operar com cautela, bem como sobre as medidas a serem tomadas para evitar danos aos civis, equipe médica e equipamentos médicos”.

O Ministério da Saúde de Gaza disse que a incursão causou um incêndio na entrada do complexo, e que houve casos de mulheres e crianças sufocadas. A pasta afirmou que a comunicação com pessoas presas dentro das unidades de cirurgia e emergência de um dos prédios foi interrompida, e indicou que “é impossível resgatar alguém devido à intensidade do fogo”. O Hamas disse que o local foi “bombardeado” e que havia “dezenas de milhares” de deslocados abrigados no hospital.

Uma quantidade não especificada de membros do Hamas foi morta ou ferida na ação, segundo o Exército de Israel, e ao menos 80 pessoas foram detidas. Um vídeo em que supostos integrantes do grupo fundamentalista palestino atiram contra forças de Israel no hospital foi divulgado.

Em novembro, uma incursão ao al-Shifa por forças israelenses atraiu condenação generalizada. Desde o início do conflito, o hospital é tema de debates por conta das acusações de Israel de que o local também seria uma “base militar” do Hamas, que se aproveitava da proteção garantida a instalações médicas pelas leis internacionais que regem conflitos armados. À época, porém, os bombardeios e a gravidade da situação humanitária no enclave fizeram com que governos de todo o mundo criticassem a operação.

Na ocasião, segundo Ahmed Mokhallati, um médico do hospital que conversou com a al-Jazeera, havia 650 pacientes no complexo, sendo 100 em estado grave. Além disso, 700 profissionais trabalhavam no local, e mais de dois mil civis estavam abrigados ali. O Exército disse que “a ação não teve como objetivo prejudicar os pacientes”, e que “a direção do hospital foi informada com antecedência” sobre a operação. O Ministério da Saúde, porém, disse ter sido avisado “minutos antes”.

— Os terroristas do Hamas não cumprem as normas do direito internacional nem na forma como se vestem — comentou o major Rafael Rozenszajn, porta-voz das Forças Armadas do país, em entrevista recente ao GLOBO. — Quando vemos uma pessoa de calça jeans e chinelo ou tênis, nada diz que ela não é um terrorista, porque eles nem sempre andam com seus armamentos.

Segundo Rozenszajn, o Hamas utiliza espaços civis como mesquitas, prédios para habitação e hospitais como depósito de armamentos e munições, de onde “atiram contra soldados israelenses e lançam foguetes contra o território de Israel”.

— Esse é o modo operandis do Hamas — declarou. (Com agências internacionais)

Fonte: O Globo

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