Netanyahu não quer desculpas de Lula

Benjamin Netanyahu durante declaração em Ramat Gan, perto de Tel Aviv, em 10 de setembro de 2019
Benjamin Netanyahu durante declaração em Ramat Gan, perto de Tel Aviv, em 10 de setembro de 2019 — Foto: Menahem Kahana/AFP

Lula errou ao citar o Holocausto em declaração sobre a matança de palestinos em Gaza. O nazismo escreveu um capítulo único na história da desumanidade. Não é preciso invocar o extermínio de 6 milhões de judeus para criticar as práticas do governo de Israel.

A crise poderia ter sido contornada com uma retratação rápida. Isso não ocorreu, e agora o caminho foi bloqueado pela reação de Benjamin Netanyahu e seu gabinete de extrema direita.

Ainda no domingo, o premiê israelense disse que as palavras de Lula eram “vergonhosas e graves” e apelou ao acusar o brasileiro de “tentar prejudicar o povo judeu”. Até aí, era chumbo trocado entre dois políticos que não podem ser acusados de inexperiência.

A situação se agravou após o governo israelense convocar o embaixador do Brasil em Tel Aviv. A reunião se revelou uma armadilha. Em vez de ouvir queixas, o diplomata Frederico Meyer foi submetido a um ritual de humilhação.

Numa quebra de protocolo, o brasileiro foi levado ao Museu do Holocausto, onde o ministro Israel Katz fez uma imprecação contra Lula em hebraico. O chanceler usava um microfone na lapela, uma evidência de que planejou a cena para causar barulho nas redes.

Sem repetir o espetáculo, o Itamaraty avisou ao embaixador israelense que Lula não pediria desculpas. Tel Aviv dobrou a aposta na radicalização. Um perfil oficial do governo acusou Lula de negar o Holocausto, o que não aconteceu, e o ministro Katz afirmou que a fala do presidente foi “um cuspe no rosto dos judeus brasileiros”. Declarações “inaceitáveis e mentirosas”, reagiu ontem à noite o chanceler Mauro Vieira.

Não é difícil constatar que Lula tem menos a ganhar com o imbróglio do que Netanyahu. No front externo, o presidente prejudicou sua pretensão de se apresentar como mediador de conflitos. No interno, sua incontinência verbal deu munição para os bolsonaristas saírem da defensiva. A deputada Carla Zambelli lançou o factoide de um pedido de impeachment por “ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra”.

Questionado em seu próprio país, Netanyahu se viu presenteado com a miragem de um inimigo externo. Para ele, esticar a crise é muito mais útil que ouvir um pedido de desculpas.

Fonte: O Globo

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