‘Não há método de parar essa dor’, conta psicóloga que está atendendo vítimas das chuvas no Rio Grande do Sul

Estrutura com ambulâncias do Samu, profissionais de saúde, e a presença de policiais militares e civis, do Corpo de Bombeiros Militar e do Exército para atender às vítimas das chuvas no Rio Grande do Sul
Estrutura com ambulâncias do Samu, profissionais de saúde, e a presença de policiais militares e civis, do Corpo de Bombeiros Militar e do Exército para atender às vítimas das chuvas no Rio Grande do Sul — Foto: Cristine Rochol/PMPA

O trabalho de psicólogos é uma das prioridades no atendimento da população atingida pelas chuvas no Rio Grande do Sul. Em meio a uma das maiores tragédias climáticas já vividas pelos gaúchos, a atuação, presencial ou remota, desses profissionais tem por objetivo acolher às vítimas — mesmo que muitos deles também tenham sido atingidos pelo desastre de alguma maneira.

A psicóloga Marina Land Gomes, de 24 anos, se formou em janeiro deste ano e tem lidado com uma de suas maiores experiências profissionais já neste início de carreira, em cidades da região de Gramado, cerca de 78km distante da capital, Porto Alegre.

— As pessoas têm relatado um sentimento de muita tristeza, de ter perdido entes queridos e suas conquistas, carros, casas e todas as coisas que tinham. E essa tristeza acontece tanto pela perda material, mas também pelo emocional abalado. Ouço um choro muito profundo — diz. — Essa dor não passa do dia para a noite. A gente não pode buscar um método para se livrar da dor, é preciso lidar com ela e o tempo é o melhor remédio nesses casos.

Marina tem atendido pacientes tanto de modo presencial quanto remoto com pessoas “que já estão seguras e estáveis, dentro do possível”. Por meio de um trabalho “100% voluntário”, a psicóloga realiza em média de seis a oito atendimentos on-line por dia. Já nos abrigos, ela não se atreve a quantificar as consultas, devido a alta demanda.

De acordo com a última atualização do governo gaúcho, divulgada no último sábado (4), havia 1.243 psicólogos cadastrados para o trabalho voluntário.

Esses profissionais têm atuado especialmente em abrigos após o resgate das vítimas, em uma tentativa de evitar nessas pessoas o transtorno de estresse pós-traumático. Ao fim do dia, conforme relataram psicólogos ao GLOBO, o cansaço é o que resta após o atendimento a um estado que soma 100 mortos por consequência do desastre, de acordo com o último boletim da Defesa Civil, divulgado nesta quarta-feira (8). Há ainda o registro de 128 desaparecidos e estima-se que o temporal tenha atingido pelo menos 1,4 milhão de pessoas até agora.

Presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, Míriam Cristiane Alves afirma que neste momento o atendimento presencial é fundamental para um melhor acolhimento das vítimas.

— As pessoas estão em uma situação de crise. Elas precisam se sentir seguras e essa segurança ocorre no encontro com o outro que acolhe, no encontro com o conjunto de dispositivos e recursos que vão garantir direitos sociais e humanos, além de cuidados básicos — diz Alves.

Apesar disso, a conselheira afirma que, em casos excepcionais como o desastre no estado gaúcho, ocorre a liberação dos atendimentos on-line. Na última terça-feira (7), o Conselho Regional até liberou algumas recomendações para os profissionais sobre esta modalidade de atendimento como a verificação da possibilidade da realização da consulta remota.

— A resolução do Conselho Federal de Psicologia tornou excepcional a possiblidade a prestação de serviço on-line em situações de urgência. O psicólogo precisa avaliar tecnicamente a possibilidade de realizar esse atendimento de forma remota e deve considerar cada caso — afirma.

Com esta janela aberta, voluntários que estão fora do Rio Grande do Sul têm se mobilizado para ajudar a população gaúcha. É o caso do psicólogo Cristiano Amorim, de 51 anos, baseado em São Paulo, que se disponibilizou para atender as vítimas das chuvas em alguns horários de sua agenda.

Mesmo fora do drama no estado pessoalmente, ele considera um desafio conseguir separar o que tem escutado nas consultas com a vida pessoal.

— A gente fala que consegue separar bem as coisas, que está treinado para escutar as queixas do outro e entender que o outro é o outro e que ele tem as questões dele, que a gente está ali para ajudar. Mas claro que, como seres humanos, temos sentimentos e acabamos nos envolvendo um pouco — afirma. — Dizer que consigo separar as coisas e olhar para as minhas filhas e para minha esposa, fingindo que está tudo bem e que não aconteceu nada, não dá.

Fonte: O Globo

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