Na Alemanha, rede criada por brasileira ajuda a empoderar mulheres imigrantes

Whitney, Emma e Aziza, melhores amigas que se conheceram através do IWB. As fotos são de uma viagem que fizeram juntas a Mallorca
Whitney, Emma e Aziza, melhores amigas que se conheceram através do IWB. As fotos são de uma viagem que fizeram juntas a Mallorca — Foto: Arquivo pessoal

Recomeçar a vida em outro país pode ser uma experiência difícil e até solitária, principalmente para uma mulher. Foi atravessando esse processo que a brasileira Bruna Silva, designer e empreendedora social, criou uma comunidade em Berlim que já reúne mais de 37 mil mulheres imigrantes na capital alemã. O International Women in Berlin (IWB) nasceu como um grupo no Facebook, em 2017, e hoje conta com mulheres de mais de 100 nacionalidades.

Uma delas é a nigeriana Rhiga Adeleke, que chegou à Alemanha com o filho e o marido em março de 2022, fugindo da guerra na Ucrânia. Morando em Kiev havia um ano à época, ela deu à luz no primeiro dia da invasão russa e enfrentou racismo e xenofobia no caminho até Berlim, onde recebeu acolhimento, orientação e doações de mulheres do grupo.

— Algumas me ajudaram com a burocracia alemã, outras foram comigo a órgãos públicos fazer tradução e trouxeram comida e roupas para mim e para meu bebê, já que não tínhamos nada quando chegamos — conta. — É um grupo que fortalece a união entre as mulheres.

Chung-Fan Tsai é especialista em Inteligência Artificial e se mudou de Taiwan para Berlim em 2017 em busca de “aventura, mudança de carreira e autoconhecimento”. Após terminar um relacionamento de seis anos, a taiwanesa encontrou acolhimento na comunidade.

— O IWB tem sido uma referência para mim. Já consegui acomodações incríveis, recebi conselhos sobre relacionamentos e passei por um rompimento de noivado devastador com as palavras gentis e sábias desta comunidade — conta. — Muitos tópicos como investimentos, conselhos sobre mudança de carreira, intercâmbio de idiomas, autodefesa para mulheres e questões relacionadas a sexo e traição são discutidos sem julgamentos.

A ideia da comunidade é da carioca Bruna, que se mudou para Berlim em 2013. Assim que se formou em Comunicação Visual, decidiu deixar o Rio “por causa do machismo e do conservadorismo”. Já do outro lado do Atlântico, costumava pedir dicas e recomendações em grupos de Facebook voltados para imigrantes, mas diversas vezes se viu atingida pelo assédio do qual tentava escapar.

— Sempre que eu fazia um post, recebia fotos de pênis ou convites para sair, além de vários comentários que não eram sérios — relembra.

Com as experiências ruins, veio a ideia de criar um grupo exclusivo para mulheres. Atualmente, a página tem 2 mil publicações e mais de 10 mil pedidos de participação no grupo de moderadores. Entre eles, homens que tentam se infiltrar na comunidade.

— É triste pensar que esse grupo existe para fugirmos e nos protegermos dos homens, mas o IWB se tornou gigantesco. É difícil ter uma dimensão do que ele realmente é, porque a interação acontece muito offline. Essa foi uma das razões que me motivaram a organizar eventos mensais — comenta a brasileira. — Muitas mulheres me contam que o grupo mudou a vida delas. Tem gente que me reconhece na rua e me abraça. Várias vezes já chorei nesses encontros.

Foi a partir de um piquenique organizado pelo grupo, em 2021, que as hoje melhores amigas Whitney Justesen, Emma Anne e Aziza Waziri se conheceram — e desde então se tornaram inseparáveis. Whitney, fotógrafa que deixou a Califórnia há três anos, conta que as clientes e as amizades construídas através do grupo foram essenciais para que ela “se sentisse em casa” em Berlim. Aziza, que se mudou da Tanzânia para a capital alemã em 2019, define o grupo como um “guia de sobrevivência”:

— Não posso falar da minha experiência vivendo na Alemanha sem falar dessa comunidade. Encontrei meu estágio nesse grupo, além de amigas com quem celebrei minha formatura e comemoro meus aniversários.

Nascida no Japão, Maki Miyauchi viajou para Londres aos 16 anos para realizar o sonho de estudar e trabalhar com moda. Lá, viveu por 21 anos até se mudar para Berlim, em 2016. Durante a pandemia, a japonesa, especializada em vestidos de noiva, encontrou suas primeiras clientes na comunidade.

— Até o ano passado, 90% das minhas clientes chegavam até mim pelo IWB. No início, pensava que deveria aprender alemão para competir com as designers locais. Mas hoje vejo que ser imigrante e falar inglês é um diferencial do meu negócio, se tornou meu nicho.

Hoje, Bruna se dedica exclusivamente ao IWB, que já ganhou cinco subgrupos com temas específicos, um site com notícias sobre a vida em Berlim e na Alemanha, além de uma newsletter semanal.

— Percebi que elas buscavam não só dicas de lazer e novas amizades, mas também entender o que está acontecendo em Berlim e na Alemanha. E é difícil se atualizar sobre as notícias e participar ativamente da política quando você é imigrante e não fala alemão fluentemente — diz.

Para ela, o papel mais importante do grupo, é ser parte de uma “revolução feminina”:

— Sei que colocar todas essas mulheres juntas é algo político. Isso que me motiva a continuar mesmo sendo uma quantidade muito grande de trabalho — acrescenta Bruna. — Já vi várias vezes posts anônimos de mulheres que precisam abortar, mas não sabem como fazer, aonde ir e precisam de companhia. E sempre há gente se oferecendo para ajudar. O mesmo acontece em casos de abuso. Esses são exemplos que me deixam muito orgulhosa.

Ao longo dos anos, a brasileira já recebeu um prêmio e alguns financiamentos de big techs como Facebook e WhatsApp para seguir investindo no desenvolvimento da comunidade, mas conta que seu atual desafio é encontrar novas formas de monetizar o grupo para se manter e contratar outras mulheres. Na página, há uma sugestão de contribuição voluntária de € 1 por mês, mas Bruna afirma que poucas pessoas contribuem financeiramente, e algumas até questionam a iniciativa.

— As pessoas adoram o grupo e sempre elogiam o fato de ele funcionar tão bem e ser uma comunidade segura, mas não sabem ou não entendem o trabalho que existe para fazer com que ele funcione tão bem assim — pontua Rebeca (nome fictício), que ajuda em questões administrativas como voluntária.

Fonte: O Globo

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