‘Muitas vezes tive que ignorar os olhares de descrédito’ diz a primeira pesquisadora negra a atingir o nível mais alto do CNPq

Rosy, primeira pesquisadora negra a atingir o nível mais alto do CNPq
Rosy, primeira pesquisadora negra a atingir o nível mais alto do CNPq — Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal

Formada em biologia, mestre e doutora em Botânica, e a primeira pesquisadora negra a atingir o nível mais alto do programa de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em entrevista ao O GLOBO, Rosy Mary dos Santos Isaias, conta que precisou ignorar os olhares de descrédito e demérito, e acreditar em si. Crescida na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, a professora aprendeu a ler sozinha aos 5 anos, estudou em escola pública e, aos poucos, se encontrou nas ciências biológicas. Hoje, seu objetivo é continuar inspirando meninos e meninas negras.

O CNPq é uma instituição brasileira que tem como objetivo fomentar a pesquisa científica e tecnológica no país. Atingir o nível mais alto dessa classificação significa que um pesquisador ou instituição alcançou um reconhecimento significativo por sua contribuição para a ciência e a pesquisa no Brasil.

No caso dos pesquisadores, implica em ter um currículo acadêmico de destaque, com produção científica relevante, participação em projetos de pesquisa de grande impacto, orientação de estudantes e outros critérios estabelecidos pela instituição.

Rosy, atualmente, é professora do departamento de botânica do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Sua linha de pesquisa trabalha com o desenvolvimento vegetal, anatomia e histoquímica de galhas, e a interação entre inseto e planta, na busca entender como essa vegetação reage a estímulos externos.

— Eu busco respostas para a reação das plantas, esses seres são extremamente complexos, nos fornecem a base da nossa sobrevivência e sem eles a vida da forma que a gente conhece, a nossa vida, não existe então — explica a pesquisadora. — É uma ciência básica, mas que está procurando entender processos de desenvolvimento, processos complexos desses seres complexos, que nos oferecem nada mais nada menos do que ar puro — acrescenta.

Segundo a professora, se tornar uma das principais cientistas do Brasil em sua área é uma responsabilidade que ultrapassa a sua satisfação pessoal. — Para além de ter alcançado esses dois degraus, de professora e titular do departamento de botânica da UFMG e pesquisadora nível 1A do CNPQ. Tem essa questão de ser o exemplo de estar puxando a fila, de olhar — ressalta.

Porém, mesmo tendo chegado nesse lugar de destaque, Rosy conta que os desafios são diários. Um levantamento, divulgado em 2023 pelo Ipec, Instituto de Referência Negra Peregum e Projeto SETA, revelou que o ambiente escolar é apontado por 64% dos brasileiros entre 16 e 24 anos como o lugar onde mais sofrem racismo. Mulheres negras são maioria (63%) entre os que afirmam enxergar a raça como a principal motivadora de violência nas escolas.

No universo científico pesquisadores negros ainda enfrentam dificuldades para se destacar. Os sinais do racismo acadêmico aparecem não apenas nas limitações ao acesso de pessoas pretas nas universidades, mas também quando o conhecimento produzido por eles é desconsiderado. — Muitas vezes tive que ignorar os olhares de descrédito e demérito — disse.

Mesmo com as adversidades sofridas por mulheres negras na sociedade brasileira, a bióloga preferiu se dedicar a leitura e encarar o que chamou de ‘síndrome do impostor’, que a fazia pensar que era mais uma no meio da multidão.

— Era isso mesmo, mas sempre estudando, sempre me dedicando sempre procurando aprender fazer o melhor. Eu lá de Nova Iguaçu, lá da grande região metropolitana, Baixada Fluminense, ser aprovada junto com aquelas pessoas ali eu considero que foi um desafio para mim, mas foi também uma vitória, né mestrado no Museu Nacional da UFRJ, doutorado — se orgulha.

A pesquisadora conta que em sua trajetória teve a oportunidade de encontrar pessoas que acreditaram em seu potencial. Durante a entrevista ao O GLOBO, Rosy confessou que pensava em se aposentar no próximo ano, mas mudou de ideia devido aos acontecimentos recentes. Entre eles, está a busca dos alunos pela pós-graduação, querendo entrar para o ‘grupo galhas’, como apelidou carinhosamente a rede de pesquisa.

Para a doutora em Botânica, é um orgulho olhar para o lado e — ver que tem um monte de meninas e de meninos negros que se sentem representados, e vem ‘olha se a Rosy chegou lá e é porque é possível’ e eu sempre digo se você eu cheguei vocês também podem, então venham — pontua.

A história Rosy ultrapassa os fatores que interferem na abertura das portas que a ciência oferece a um pesquisador negro. Além de toda contribuição que a professora oferece aos acadêmicos, ela acredita que está abrindo uma ‘fila’ para as futuras gerações. — Eu percebo que existem muitos meninos, muitas meninas que estão mirando em mim e que estão sonhando com a carreira acadêmica e isso é muito importante e a gente parte do princípio do sonho deles — conclui.

Estagiária sob supervisão de Daniel Biasetto

Fonte: O Globo

© 2024 Blog do Marcos Dantas. Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.