‘Muitas vezes tive que ignorar descrédito’, diz primeira pesquisadora negra a atingir nível mais alto do CNPq

A pesquisadora Rosy Mary dos Santos Isaias
A pesquisadora Rosy Mary dos Santos Isaias — Foto: Agência O Globo

Formada em biologia, mestre e doutora em Botânica, e primeira pesquisadora negra a atingir o nível mais alto do programa de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): Rosy Mary dos Santos Isaias diz que precisou ignorar os olhares de descrédito e demérito e acreditar em si mesma para formar esse currículo. Cria da Baixada Fluminense, a professora aprendeu a ler sozinha aos 5 anos, estudou em escola pública e aos poucos se encontrou nas ciências biológicas. Hoje, quer continuar inspirando meninos e meninas negras.

Rosy atualmente é professora do departamento de botânica do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sua pesquisa trabalha com o desenvolvimento vegetal, a anatomia e a histoquímica (a técnica usada na biologia para identificar e localizar substâncias químicas em tecidos e células) de galhas, um tumor vegetal causado por parasitas, como fungos, vermes ou ácaros. Ao acompanhar a interação entre inseto e planta, ela procura entender como essa vegetação reage a estímulos externos.

— Eu busco respostas para a reação das plantas. Esses seres são extremamente complexos, nos fornecem a base da nossa sobrevivência e sem eles a vida da forma que a gente conhece, a nossa vida, não existe — explica. — É uma ciência básica, mas que está procurando entender processos de desenvolvimento. Processos complexos desses seres complexos, que nos oferecem nada mais nada menos do que ar puro.

O currículo Lattes de Rosy dá as pistas para a conquista do nível mais alto em produtividade no CNPq. Desde 1987, ela publicou 157 artigos, boa parte deles em inglês. O primeiro teve como título “Ocorrência de agente galhador em flores de Ficus microcarpa”. O último escrito em inglês, no ano passado, foi publicado no Australian Journal of Botany.

Rosy iniciou seus estudos em Biologia em 1986, na Universidade Santa Úrsula, no Rio. Posteriormente, formou-se mestre em Botânica pela UFRJ. Em seguida, fez o doutorado em Botânica pela USP. De 2015 a 2019, foi coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal da UFMG.

Além de toda contribuição acadêmica, ela se dedica a atividades de extensão, educação ambiental e está ligada a temática da participação feminina e negra na ciência. A professora considera que se tornar uma das principais cientistas do Brasil em sua área é uma responsabilidade que ultrapassa a sua satisfação pessoal.

— Para além de ter alcançado esses dois degraus, de professora e titular do departamento de botânica da UFMG e pesquisadora nível 1A do CNPQ, tem essa questão de ser o exemplo. De estar puxando a fila, de olhar — avalia.

Mesmo tendo chegado nesse lugar de destaque, Rosy conta que tem de enfrentar desafios diários. Um levantamento divulgado em 2023 pelo Ipec, o Instituto de Referência Negra Peregum, e o Projeto Seta (Sistema de educação para uma transformação antirracista) revelou que o ambiente escolar é apontado por 64% dos brasileiros entre 16 e 24 anos como o lugar onde mais sofrem racismo. Mulheres negras são maioria (63%) entre os que afirmam enxergar a raça como a principal motivadora de violência nas escolas.

No universo científico, pesquisadores negros ainda enfrentam dificuldades para se destacar. Os sinais do racismo acadêmico aparecem não apenas nas limitações ao acesso de pessoas pretas nas universidades, mas também quando o conhecimento produzido por eles é desconsiderado.

— Muitas vezes tive que ignorar os olhares de descrédito e demérito — lembra Rosy.

Diante das adversidades sofridas por mulheres negras na sociedade brasileira, a bióloga preferiu se dedicar à leitura e enfrentar, à medida em que evoluía em seus estudos, a “síndrome do impostor”: aquela que faz pessoas bem-sucedidas não acreditarem que merecem as conquistas que tiveram e que serão desmascaradas como fraudes.

— Era isso mesmo. Mas sempre estudando, sempre me dedicando, sempre procurando aprender a fazer o melhor. Eu lá de Nova Iguaçu, da Região Metropolitana do Rio, da Baixada Fluminense, ser aprovada com aquelas pessoas ali (na carreira acadêmica). Foi um desafio para mim, mas foi também uma vitória, né? Mestrado no Museu Nacional da UFRJ, doutorado — relembra, ao mesmo tempo em que reconhece que teve a oportunidade de encontrar pessoas que acreditaram em seu potencial.

Rosy disse que pensava em se aposentar no próximo ano. Mas mudou de ideia devido a acontecimentos recentes. Entre eles, está a busca dos alunos pela pós-graduação querendo entrar para o Grupo Galhas, como apelidou a rede de pesquisa que coordena.

— É um orgulho olhar para o lado e ver que tem um monte de meninas e de meninos negros que se sentem representados. Pensam: “olha, se a Rosy chegou lá, é porque é possível”. E eu sempre digo: se eu cheguei, vocês também podem. Então venham — estimula.

Além de toda contribuição que a professora oferece aos acadêmicos, Rosy acredita que está abrindo uma fila para as futuras gerações.

— Eu percebo que existem muitos meninos, muitas meninas que estão mirando em mim e que estão sonhando com a carreira acadêmica. E isso é muito importante. A gente faz parte do princípio do sonho deles — conclui.

* Estagiária sob supervisão de Daniel Biasetto

Fonte: O Globo

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