Muçum, no RS, revive tragédia com terceira enchente sucessiva em menos de um ano: ‘Estamos isolados’

Muçum foi devastada pelas águas
Muçum foi devastada pelas águas — Foto: Divulgação/Prefeitura de Muçum

No ano passado, a família do policial Fabiano Bolner sepultou o corpo de uma vítima de uma enchente em Muçum, no interior do Rio Grande do Sul, acreditando que era o de sua tia. Não era. O erro foi feito no reconhecimento dos corpos no Instituto-Geral de Perícias (IGP).

— Minha tia está na lista de desaparecidos desde setembro. Depois desse novo episódio de inundação fica praticamente impossível encontrá-la — lamentou o agente, de 48 anos, após a nova enchente desta semana.

Uma das cidades mais afetadas pelas fortes chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul no ano passado, Muçum encontra-se novamente debaixo d’água. Pela terceira vez desde setembro, os moradores do município do Vale do Taquari precisam reconstruir a vida e lidar com as ruas tomadas por lama e a queda de pontes e bloqueio de rodovias.

Devido aos temporais recentes, o nível do Rio Taquari superou 25 metros e provocou a destruição de 80% da zona urbana e deslizamentos no entorno de Muçum. A prefeitura aponta que os 5 mil habitantes estão isolados por conta dos 748 mm de chuva registrados desde o início da semana.

O gerente de produtos Jeferson Filicetti, de 28 anos, tenta há três dias se comunicar com os avós, que vivem sozinhos no município. Ele afirma que a família está desolada com a situação e já desejava tirar os idosos de Muçum desde a tragédia de setembro, pela dificuldade de acesso em casos de emergência.

— Meus avós têm mais de 80 anos e diversos problemas de saúde. Tenho medo de que eles tenham sido arrastados pela correnteza do rio devido à limitação de movimento deles. Dada a proporção destas chuvas, a possibilidade de eles estarem só com a roupa do corpo é gigante — lamenta.

O caso da troca de corpos envolvendo a tia de Bolner reflete a força do rastro de destruição das águas em Muçum e as dificuldades de identificar mortos e buscar desaparecidos, depois das enchentes que se repetem no estado. O IGP, que abriu uma sindicância para apurar a falha, apontou que o erro foi devido à baixa qualidade das imagens geradas na papiloscopia em uma das vítimas porque o estado do corpo não era o ideal para identificação por impressões digitais ou reconhecimento da família.

Um exame de DNA acabou confirmando o erro. As famílias da moradora enterrada sob a identidade errada e da pessoa desaparecida que havia sido dada como morta já foram informadas da troca.

— Estamos aguardando uma decisão judicial sobre a declaração de morte presumida dela — diz o policial sobre a tia.

Com 16 mortes no ano passado, Muçum ainda sofre com a falta de estrutura e tentava se reestruturar após as enchentes de 2023, explicou o prefeito Mateus Trojan (MDB) ao GLOBO. O contato ocorreu por meio da antena instalada no Hospital Nossa Senhora Aparecida, único ponto com sinal de celular e energia graças a um gerador.

— A situação é caótica e nem tínhamos nos recuperado de 2023. No momento, estamos sem luz, água e internet. É uma nova crise praticamente das mesmas proporções da enfrentada em setembro. A diferença é que, neste ano, não tivemos mortes ou desaparecidos — alerta.

Segundo Trojan, a cidade ainda tentava se reerguer diante do prejuízo de R$ 231 milhões no ano passado, mas a recuperação se encontrava limitada ao orçamento de R$ 38 milhões disponibilizado pelo governo estadual. O prefeito ressalta que, diferentemente da tragédia de setembro, os deslizamentos de terra impactam o entorno do município e impossibilitam a chegada de auxílio aos moradores.

— A rodovia 129, que nos liga a Vespasiano Corrêa, está totalmente fechada. O que temos de solução é tentar desobstruir as do interior. O nível das inundações são praticamente os mesmos comparados ao ano passado. A diferença é que nesse momento estamos isolados, os deslizamentos ocasionaram uma dificuldade maior na atuação das forças de resgate — diz.

Criada na cidade, a fotógrafa Carolina Sellmer, de 25 anos, atuou na arrecadação pelas redes sociais de suprimentos após a enchente do ano passado. Ela, que atualmente reside em Cachoerinha, próximo de Porto Alegre, ficou três dias em claro após saber pela mãe, professora do município, das chuvas intensas de setembro.

A fotógrafa ressalta que neste ano a parente foi melhor orientada sobre como proceder no caso de enchente e encontra-se em segurança.

— Consegui falar com a minha mãe na sexta-feira e está tudo bem com ela — celebrou.

Em entrevista ao GLOBO no ano passado, Sellmer relatou que Muçum teve sua parte central totalmente destruída, com a maior parte de lojas e mercados tomados pela lama.

— Atingiu todo mundo: gente rica, gente pobre. Quem não foi atingido agora, já havia sido há 15 dias por uma chuva de granizo. Caos total. Parece que botaram uma bomba e explodiram a cidade. Tem casas que não existem mais. Só ficou o terreno — disse a modelo em setembro.

*Estagiário sob supervisão de Alfredo Mergulhão

Fonte: O Globo

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