Motoristas de aplicativo: tentativa de regulamentar setor vira dor de cabeça para o governo e gera cobranças a ministro

Motorista de Uber
Motorista de Uber — Foto: Hermes de Paula

Promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a tentativa de regulamentar a profissão de motorista de aplicativo se tornou uma dor de cabeça para o governo com uma categoria de peso nas ruas — apenas a Uber, principal empresa a oferecer o serviço, diz ter alcançado 1 milhão de motoristas e entregadores no Brasil no primeiro trimestre de 2022. A proposta, apresentada no mês passado, gerou uma onda de protestos e enfrenta resistências no Congresso. Responsável pela elaboração do texto, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, tem sido cobrado a conter a crise.

A repercussão negativa tem desagradado a Lula, que via na iniciativa uma forma de atrair parte de um público visto como majoritariamente bolsonarista. O projeto prevê contribuição ao INSS, auxílio-maternidade, a representação por sindicato e pagamento mínimo por hora de trabalho no valor de R$ 32,10 — um dos pontos rejeitados pela categoria, que não quer remuneração por hora, mas cobrança por quilômetro rodado.

A avaliação no governo é que o texto, feito em meio a ameaças às plataformas e boatos de que as empresas poderiam deixar o país, foi mal comunicado. Marinho reconhece que houve erro pela apresentação da proposta sem campanha prévia de esclarecimento e sem reuniões com líderes de partidos da base no Congresso para explicar os detalhes.

— O presidente fez uma chamada de ordem unida: cadê o plano de comunicação, cadê os encontros com lideranças (partidárias)? — disse o ministro. — Suspendi outras agendas para me concentrar nessa atividade.

Integrantes do governo criticaram o fato de Marinho ter se licenciado logo após o lançamento do projeto. Ele passou por uma cirurgia de catarata e reassumiu uma semana depois.

Um mês depois da cerimônia com Lula no Palácio do Planalto para apresentar o projeto, o texto ainda é desconhecido pela maioria dos líderes de bancadas, incluindo os de partidos aliados.

Um dia antes, Marinho havia se reunido no Planalto com o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, líderes do governo e outros parlamentares. Participantes do encontro relataram que a reunião foi dura e que é preciso mais tempo para debater a proposta.

— Falta conversar mais com as lideranças do Congresso. A visão dele (Marinho) é que o projeto não é simples. Tem toda uma reação. Como é uma categoria muito difusa, é difícil unificar a opinião do segmento — reconhece o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).

A falta de diálogo com o Congresso é evidenciada pelo fato de o projeto, um mês depois de ser apresentado, não ter sequer um relator designado na Câmara, apesar de tramitar em regime de urgência — quando não precisa passar por comissões — e trancar a pauta do plenário a partir do dia 20.

As divergências em relação ao projeto incluem até mesmo essa análise expressa. Marinho não abre mão do regime de urgência, mas parlamentares querem mais tempo para debater. Wagner, após a reunião, sugeriu que a urgência poderá ser retirada.

— Não tem essa decisão tomada. Mas eu diria que se tiver que apontar um caminho, está claro que vai precisar mais tempo com os líderes — disse o líder do governo no Senado.

Após a reunião no Planalto, ficou acordado que Marinho fará reuniões com líderes do Congresso para detalhar a proposta. Os encontros serão mediados por Padilha. Auxiliares do ministro do Trabalho admitem que nem os deputados petistas “se apropriaram” do tema para poder defendê-lo. Na quarta-feira, Marinho reuniu diversos assessores de bancadas governistas no ministério para detalhar a proposta.

— Estamos tentando um freio de arrumação. E também há muita desinformação. Penso que o primeiro passo é tirar a urgência, vamos conversar — defende o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG).

As primeiras peças publicitárias explicando a proposta começaram a ser exibidas só na quarta-feira. A campanha da Secretaria de Comunicação Social busca passar a mensagem de “autonomia com direitos”. As peças em rádio, TV e internet vão mostrar como é hoje a situação do motorista por aplicativo e como ficará se a lei for aprovada.

Interlocutores de Marinho explicam a demora em lançar a campanha, lembrando que a pasta do Trabalho não tem contrato com agência publicitária e depende da Secom, do ministro Paulo Pimenta.

Além disso, afirmam que há dificuldade em lidar com fake news que foram criadas sobre o projeto, enquanto o governo não tirou o plano de comunicação do papel. Uma delas, segundo a pasta, é que a remuneração mínima, de R$ 32,10 por hora de trabalho, seria o valor máximo a ser pago.

O Planalto identificou em pesquisas internas que, embora não abra mão da autonomia, a classe espera que o governo ofereça algum nível de proteção. Por isso, integrantes do governo veem a necessidade de o Ministério do Trabalho abrir a possibilidade de flexibilizar o texto atual.

Na pasta, a estimativa é que 80% da classe tenham apoiado o ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022, o que aumenta a resistência à iniciativa do governo Lula.

Outro obstáculo citado pelo ministério é que o segmento não tem liderança única. Auxiliares de Marinho afirmam que o ministro procurou representantes dos trabalhadores em todos os estados enquanto elaborava o texto.

No Planalto, auxiliares de Lula afirmam que o projeto virou um problema político. Como mostrou a colunista do GLOBO Bela Megale, na semana passada, ao ver manifestações de motoristas de aplicativo contrários a proposta, Lula ligava para ministros para cobrar uma melhor comunicação sobre o projeto.

Uma avaliação no Planalto é que Marinho, ex-presidente da CUT, tem uma visão demasiadamente sindicalista para o tema, em um ambiente em que o trabalhador quer ser tratado como autônomo, e que “colou” entre os representantes do segmento a ideia de que eles são empreendedores e não têm patrão. O projeto estabelece que o “trabalhador será representado por entidade sindical”.

O ministro, porém, refuta as críticas, que atribui a “desinformação ou má intenção”, e diz que a sindicalização é uma opção ao trabalhador, sem ter caráter obrigatório.

Trabalhando como motorista da Uber há cinco anos e meio no Rio, tendo completado 20 mil viagens, Alexandre Monteiro de Sousa, de 39 anos, detalha o temor que o governo terá de enfrentar, ao dizer por que é contra o projeto:

— A gente tem autonomia de ligar o aplicativo onde quer e rodar quantas horas quiser. Talvez a Uber pode nos obrigar a rodar em alguns horários e locais. Com a regulamentação, a Uber vai tirar muito do motorista e do passageiro.

(colaborou André Zajdenweber, estagiário sob a supervisão de Luã Marinatto)

Fonte: O Globo

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