Mosaico heterogêneo: G20 se consolidou como principal fórum de diálogo entre as maiores economias do planeta

Lula e o primeiro-ministro da Índia,  Narendra Modi, durante cúpula do G20
Lula e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, durante cúpula do G20 — Foto: PIB / AFP

Frequentemente descrito, de forma simplificada, como o grupo das 20 nações mais ricas do mundo, o G20 ostenta números superlativos: responde por aproximadamente 80% do PIB global, cobre 60% do território do planeta, envolve 75% do comércio internacional e abriga dois terços da população da Terra. Sem ligar para as críticas quanto à sua representatividade distante do ideal, o G20 costumava apregoar que o seu peso econômico e número de afiliados “dão um alto grau de legitimidade e influência sobre o gerenciamento da economia global e do sistema financeiro”.

Criado em 1999, num momento de crise financeira mundial, o G20 encontra-se em 2024 numa situação aparentemente mais favorável. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê para a economia do grupo um “pouso suave” neste ano, salvo imprevistos. O problema é que, como lembra a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os “riscos geopolíticos permanecem elevados, particularmente em relação ao conflito no Oriente Médio”. Nessa equação de ameaças à ordem mundial muitos analistas incluem também uma possível vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos. maior economia e potência militar do mundo.

Apesar de o nome continuar como G20, agora o grupo tem 21 integrantes permanentes. São 19 países mais a União Europeia e, desde o ano passado, a União Africana, num mosaico muito diverso que congrega países ricos e em desenvolvimento. É este o grupo de nações que o Brasil, como presidente do grupo em 2024, tem a missão de fazer dialogar e firmar compromissos em torno de causas comuns, do comércio ao meio ambiente.

Há no G20 economias de crescimento acelerado, como China e Índia, e nações que vivem crises crônicas, como a Argentina. Quando olhamos para o PIB per capita (em poder de paridade de compra) temos de um lado os americanos, com US$ 80,4 mil, e, de outro, os indianos, com apenas US$ 9 mil (ainda pior é a média dos 55 países da União Africana: US$ 6,3 mil). O contraste é igualmente marcante no exame do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): enquanto a Alemanha ocupa o sétimo lugar no ranking do Pnud, a Índia está apenas na 134ª posição.

— O traço distintivo do G20 é a heterogeneidade entre seus membros — observa Dante Aldrighi, professor do Departamento de Economia da FEA-USP. — Mais importante, alguns poucos países concentram muito poder econômico e poder político globais.

Segundo Aldrighi, essa heterogeneidade — somada às restrições econômicas, sociais e políticas impostas no âmbito nacional — explica “os pífios avanços do G20 no enfrentamento das questões globais mais urgentes”.

Num futuro próximo, o fosso entre integrantes do G20 pode crescer ainda mais por conta da disseminação do uso da inteligência artificial (IA), que, segundo o FMI, se não for bem administrada, tem o potencial de aumentar a desigualdade de renda e a disparidade de riquezas. Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South e ex-vice-presidente do Banco Mundial, cita a tributação como exemplo de uma área da economia que poderá enfrentar turbulências e diz que o G20 terá um papel importante.

— A IA vai exacerbar as possibilidades de evasão de tributações nacionais por conta do peso maior de ativos intangíveis e da dificuldade de fazer aplicar regras tributárias de acordo com territórios — diz Canuto, para quem esse tipo de problema só vai ser resolvido com alguma cooperação para alinhar regras entre os países, como já se discute no âmbito do grupo. — Assim como ensaiou dois anos atrás um acordo supranacional de taxação de lucros, o G20 pode avançar muito nisso.

A cúpula do Brics (hoje em formato ampliado e mais sinocêntrico), cuja presidência está nas mãos da Rússia, é outro ponto de desgaste. Acredita-se que o encontro de líderes do grupo, em Kazan um mês antes daquele do G20, possa desgastar Lula pela proximidade com Vladimir Putin. A própria presença do russo no G20, se confirmada, pode provocar outras ausências.

* Do Valor

Fonte: O Globo

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